domingo

O espírito das leis de Montesquieu, o capitalismo e o tiro perdido

E é uma felicidade para os homens estar numa situação em que, mesmo que as paixões lhes inspirem o pensamento de ser maus, tenham no entanto interesse em não o ser.
Montesquieu, De l' Esprit des lois
Esta é uma história de lana-caprina, por isso é para polícias e ladrões:
Imagine o leitor, ao estilo de Hollywood, que é perseguido por assassinos fanáticos, aos quais desagrada violentamente uma característica sua, o nariz, o cabelo, a cor da pele, a altura.. À medida que se aproximam, atira-lhes algumas notas de 10, 20 e 50 euros.., enquanto tenta escapar. Cada um dos dos seus perseguidores concentra-se então na séria tarefa individual de recolher as notas, apanhá-lo já passou a ser um objectivo secundário.

Ao escarpar-lhes, pode ficar impressionado com a sorte que teve ao deparar-se com perseguidores que manifestaram um empenhado e benigno interesse próprio.

Com isto não se pretende aqui evidenciar as vantagens do sistema capitalista no mundo contemporêno mas, tão somente, salientar como as nossas paixões mais violentas podem ser reprimidas pelo inóquo interesse pelo vil metal, que nem sempre traduz riqueza ou desenvolvimento. Com isto também não sugerimos aos senhores automobilistas que andem com a carteira recheada por forma a distribuir umas notinhas sempre que mandados parar pelas autoridades não o façam, e escapem dessa forma.Não haveria ordenado que aguentasse...

É triste reconhecer como através deste mero exercício intelectual o homem consegue reprimir os seus piores instintos, neste caso disparar a matar (no caso de Vitor que veio a falecer esta semana) - primeiro para a nuca e depois para o pneu, mas só acertando naquela.

A ser assim, somos levados a crer que as origens comportamentais do homem derivam grandemente das virtudes do capitalismo e da prossecução do interesse individual que ele garante.

No fundo, aquela asserção do barão de Montesquieu, funda-se na convicção de que, embora as paixões possam levar os homens à ideia de serem "maus", eles, porém, têm interesse em não o ser.

Esta teoria aponta na direcção da análise motivacional da moderna economia de mercado mais selvagem que faz do capitalismo esse freio sem regras. Com isto procuro significar, à contrário, que talvez não fosse má ideia começarem já a dar formação a sério ao pessoal que recrutam para andar na ruas em missões de segurança e de disciplina de trânsito. E não é só aos que têm de disparar em situações de excepção, é logo na admissões que esse processo deverá ser realizado.

Na maior parte dos crimes o móbil é o dinheiro, reflexo do terrível impacto que essas paixões nocivas têm na condução dos comportamentos humanos. No caso do polícia que matou o automobilista que não parou à sua ordem, o móbil não foi certamente esse, mas é daqui que irrompe a magna quaestio: em que medida o capitalismo e o instinto aquisitivo podem ser orientados positivamente na sociedade, posto que hoje milhares de pessoas demandam a carreira de polícia porque nada mais têm para fazer.

Além da preparação técnica, tecnológica, cultural e humana algo nas polícias em Portugal deveria ser feito para desviar as pessoas de comportamentos destrutivos. Mas isso já não será tarefa para o barão de Montesquieu - que viu no atendimento dos interesses individuais a grande tábua de salvação.

Pergunte-se a António Costa, o Big Mac (ministro da Administração Interna) se ele prefere que se tiranize o saldo bancário das polícias ou se abata a vida dos seus concidadãos...