O polvo da economia e o combate à corrupção: o Panopticon
Representar significa tornar visível e tornar presente um ser invisível mediante um ser publicamente presente. Lamentavelmente, esta asserção tanto se aplica à teoria da democracia representativa como às causas actuais (e invisíveis) da corrupção, muita dela com origem politico-partidária (e por ela encoberta, e não apenas para pagar as quotas aos militantes...) pelas suas ligações à construção civil (pato-bravismo), às autarquias, à compra de legislação, à adjudicação de empreitadas entre outras "obras" caridosas... A dialéctica da corrupção, no fundo, assenta num agente mais ou menos invisível ser pressuposto como ausente, mas não é. Às vezes até está alí à mão de semear, sentado numa cadeirinha do partido, dormitando numa poltrona da AR burilando a próxima jogada, afinando o próximo telefonema para "sacar" algum a um empreiteiro com a "corda na garganta.." Aqui, as modalidades corruptivas são tantas consoante a imaginação e o descaramento dos players, sempre dispostos em beneficiar-se à custa do erário público e com amputação do bem comum. Mas para esses caciques de palmo e meio, que regra não falam enviam perdigotos para o microfone, não pensam nada conspurcam tudo, não andam arrastam-se, tudo traficando - até o O2 que respiram, - o que importa é eles saberem que há sempre um poder invisível, um Panopticon, um ser omnividente e invisível que os vê a eles. Portanto, na teoria post-democrática do combate à corrupção que aqui propomos - o importante não é que esses pequenos corruptos e népotas de vão-de-escada vejam quem os vê; o importante é que saibam - 24h. por dia - que há alguém que os vê, ou melhor, que eos poder ver sem que estes sejam vistos. I.é, estes corruptos que nos partidos políticos, nas empresas (privada e pública), nos sindicatos, nas ONGs, nas igrejas, nos clubes de futebol, e nas demais associações, ordens e corporações da nossa rica sociedade devem passar a ser vigiados por essa máquina destinada a dissociar a possibilidade deles "verem" e "serem vistos" para um outro binómio: quem vê (ou seja, quem vigia/as autoridades de combate à corrupção) não deve ser visto nesse novo anel periférico da estrutura daquilo que poderá formalizar o novo combate à corrupção em Portugal dinamizado por Cavaco e, muito justamente, potenciado por Sócrates.
Sabemos já o que são os polvos: animais altamente inteligentes, com oito pés, com uma coroa de oito tentáculos e com forte ventosas dispostas em torno da boca sempre ávida. O facto de não terem esqueleto não significa apenas que não tenham coluna vertebral, como certos deputados e outros agentes politiqueiros da nossa praça, traduz também a ideia que assumem uma geometria variável conseguindo sempre escapar aos seus predadores.
E quando se sentem ameaçados largam aquela tinta que mais parece a camuflagem de certos corruptos ao esconderem-se por de trás de ex-ministros (e ex-ministras) com o fito de escaparem à lei e saírem impunes pela multiplicidade de crimes e ilegalidades cometidos. Depois todos os polvos se alimentam de peixes, assim como certos políticos se alimentam das comissões dos empreiteiros da construção civil e outros otários que entram no jogo das comissões e das luvas... Os seus filhos já nascem ensinados, o que faz com que a corrupção aumente e se multiplique a uma velocidade inquietante.
E se nada fizermos, que sucederá? Aí, estamos feitos. Temos o "jogo da mala" em nossa própria casa. Temos pernas e ventosas de polvo a entrarem-nos pela dispensa, pelo WC, pela cozinha, pelos quartos, pela sala de jantar e, se tivermos, garagem - também umas ventosas nojentas a irromperem por aí. Levam-nos o açucar, o leite e os ovos, os sabonetes e as toalhas, a carne e o peixe, os quadros e os porta-moedas, os objectos de arte mais valiosos, o carro - se ainda o tivermos.
Ora é este "jogo da mala", título dum programa de autoria de António Sala, que eu, como cidadão, me recuso liminarmente a jogar. Não apenas pela lesão económica privada e ao bem comum, mas também porque a quinta essência não cumprida da democracia real - por referência à democracia ideal é a da eliminação desses poder invisível, oculto e que se oculta e que em Portugal já vai fazendo mossa a cada um de nós e ao conjunto da sociedade. E isto é mau demais para (continuar) a ser verdade.
Conclusão: teremos de armadilhar a mala da corrupção em Portugal e ajudar a matar o polvo, que é o monstrinho insaciável dos novos tempos - e que terá na blogosfera mais avisada e consistente um predador à altura. É aqui que a blogosfera se transforma no tal Panopticon que falava Michel Foucault depois de ter lido Jeremy Bentham. Hoje estou certo que as autoridades nacionais terão de alargar esse dispositivo a outras pessoas e instituições aonde seja necessário manter a vigilância de um certo número de pessoas.
- PS: o próximo debate sobre o estado da Justiça (no Prós & Contras, que é uma montra assinalável, e às vezes acertam..) deverá já reflectir a sistematização dos princípios, i.é, da filosofia orientadora, do método e dos dispositivos orientados para esse combate.
<< Home