A lição de Aristóteles e a destruição da classe média em Portugal
Texto já publ. na revista Tempo em 6 de Out. de 2004
E pode reganhar actualidade com a composição e a estranha correlação de forças deste OGE/07. O qual está eficientemente reflectido numa peça de Filosofia Política e de História Económica e Social no Jumento que ora tenho o gosto de ler. Aliás, nunca vi um "burro" que surpreendesse tanto pelo talento. Tradicionalmente, eram só persistentes e teimosos...
A lição de Aristóteles e a destruição da classe média em Portugal
O processo de globalização em Portugal está exposto a linhas de fractura que opõe classes sociais cujos “skills” e mobilidade remetem o respectivo sucesso para o mercado (desregulado), hoje o maior inimigo da sociedade e do bom governo. Daí resulta uma severa tensão entre o mercado e os grupos sociais, com o governo entalado no meio. Por isso, o maior desafio para Portugal (e para a economia europeia e mundial), é tornar a globalização “amiga” da coesão das sociedades. Garantindo que a integração económica internacional não contribua para a desintegração social. Em editorial (Tempo, n.º 44), Vítor Norinha sinaliza o mapa da destruição da “pobre classe média portuguesa”: taxas moderadoras para os utentes do SNS; o fim dos passes sociais; o fim das portagens virtuais (Scut); alteração dos benefícios fiscais. Esfrangalhando, assim, a “excelência” da classe média/CM, que é quem financia a sociedade e alavanca o sector produtivo da economia. Aprendi com Aristóteles, porventura, desconhecido para o titular das finanças, que em todos os países há três espécies de homens: uns muito ricos, outros muito pobres e outros que estão no meio, entre os dois extremos: a CM.
A receita apresentada, que interfere com os “sagrados” interesses das famílias lusas, prefigura o pior. Para o País e para a coligação. Vejamos: os ricos são demasiado favorecidos pela natureza e pela fortuna, rodeados de amigos e de servos, não querem nem sabem obedecer. Desde cedo são mimados e protegidos por essa arrogância e corrompidos pelo luxo que arrecadam dos postos que ocupam. Os recentes episódios (M. Amaral e Celeste Cardona na CGD), com nuances, reflectem a miséria moral do Portugal decadente, sob a estranha cumplicidade pró-activa do locatário das finanças; os pobres, incapazes de mandar, são dobrados pela miséria, arrastando-se diante dos outros. Resultado: os ricos mandam e traficam influências como pequenos déspotas; os pobres são desprezados e obedecem servilmente. Conclusão: o Estado só é composto de servos e déspotas, nunca de pessoas livres. Uns são ricos, poderosos e influentes; outros pobres, ignorantes e invejosos, no meio da turba. Afundados nesta inimizade, uns e outros, jamais poderão aceitar caminhar juntos. Resta a excelência da classe média (CM). A tal que é esfrangalhada pelas medidas que o PP toma em nome do XVI governo Constitucional neste Portugal bloqueado. Porém, a sociedade quer membros semelhantes, o que só se encontra no meio-termo. Ora é a CM que agora vê os seus interesses atingidos. Ainda por cima, são os mais inocentes, pois não desejam o bem alheio (com a paixão ignara dos pobres contra os ricos), nem possuem a soberba destes. Nenhuma sociedade civil é melhor do que aquela que é composta de semelhantes pessoas, superiores em número e em poder (relativamente aos extremos). Com a penalização da CM, inclina-se a balança para o lado de Sócrates, novel líder do PS (que anulou o clã Soares) que quer prevenir esse excesso para a reconquistar e ser Poder. (este texto foi escrito em 2004, mas hoje basta inverter os termos e colocar Sócrates no centro do turbilhão, que logo tudo fica igualmente compreensível face às novas circunstâncias). Se a CM estiver em vantagem estabelece-se uma democracia; se forem os ricos, fixa-se a oligarquia incompatível com o interesse do Estado e o bem comum. O objectivo é fazer do Estado um agente que erradique os dois extremos (os muito ricos e os muito pobres), governando para o 3º elemento, firmando uma Constituição estável. Em “Autopsicografia da crise”, traçámos a máscara desse dominó, denunciando a composição das sociedades múltiplas: os democratas não se deixarão governar pelos oligarcas, nem estes por aqueles, por causa da sua mutua desconfiança. O árbitro deverá ser a CM, factor de diferenciação dos eleitorados, prevenindo novas clivagens (agora intrínsecas às pessoas): as crises do Estado nacional (proteccionistas/competitivos), do welfare-state (segurança social/risco individual), da crise fiscal (endividamento/fiscalidade) e do modelo de desenvolvimento (estabilidade/mudança). Cada uma destas clivagens (distinta das ideológicas do passado entre direita/esquerda, liberalismo/socialismo) indica uma relação de conflitualidade agravada com a agressão à CM.
O Estado é mais depressa arruinado com a cobiça dos ricos do que com a dos pobres. Afinal, onde está o PSD que pensa?
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