sábado

O Sol: impressões leves e outras sensações macroscópicas

  • Hoje é Sábado e mergulhei numa pequena aventura: fazer algo que já não fazia há anos - tocar num jornal de papel, i.é, de carne e osso para o sentir e cheirar e tirar algumas notas breves como tempo que passa, misto de um gesto de liberdade e curiosidade, esse novo vírus imparável.
  • Mesmo sabendo, duma maneira geral, e pela cadência hiperbólica e contraditória da informação, que tanto faz ler um jornal de hoje como da semana passada, e mesmo quando os jornais aumentam de preço as notícias também não melhoram. Descontado isto, vejamos essas breves impressões do Macroscópio sobre o novo semanário dirigido pelo José António Saraiva - que um dia ainda será Prémio Nobel da literatura. E eu acredito..., pois então se até Zaramago foi nobilizado - ante a estupefacção do planeta - porque razão não o haverá de ser alguém que escreve bem!?
  • Primeira nota: gostei do equilíbrio geral do Sol. O formato, o equilíbrio gráfico, a aproximação aos assuntos. Leve q.b., com José António Saraiva a fazer bem aquilo que sempre fez: escreve com clareza e objectividade. Não se perde nem se alonga nas curvas. Escreve com conta, peso e medida. Deixou-nos um traço do estilo de Sócrates, mais anguloso e menos palavroso do que Guterres. Apesar do estilo ser (quase) tudo reconheceu que Sócrates toma decisões, mesmo que algumas delas - como no sector da Saúde - sejam discutíveis e problemáticas. É o regresso do velho estilo socrático (o de Atenas...) na forma de boa e curta prosa jornalística, agora ao estilo Sol. O estilo Saraiva. aqui convém não esquecer as suas raízes, é que o seu pai - António José Saraiva - juntamente com Óscar Lopes foram referências da cultura portuguesa que tiveram enorme relevância estética, filosófica, literária e até política. Filho de peixe sabe nadar, como se costuma dizer...
  • Filomena Mónica faz aquilo que mais aprecia: dizer mal dos províncianos dos portugueses, e dentre destes, em seu entender, encontram-se os políticos. Por isso, fala-nos sobre Santana Lopes e dos palhaços, sem ofensa para os palhaços, acrescento eu. Pois haverá muita gente boa na escola de Teatro dirigida por Teresa Ricou, a conhecida "mulher palhaço" que conheci na casa de Agostinho da Silva na década de 80, que se sentirá ofendida quando comparada com S. Lopes, daí a minha ressalva. Que vai ao encontro, aliás, de um dos princípios editoriais do estatuto do Sol: o respeito pela pessoa humana. Contudo. MFM terá de ter algum cuidado com o que escreve, não só para não ser processada criminalmente por difamação mas, acima de tudo, para evitar pensar que algum do material que arruma no sótão da sua memória possa ser considerado de valia histórica passível de ser utilizado em memórias ou mesmo pequenas peças de recorte jornalístico. Observando esta regra de prudência MFM evita ser classificada (como tem sido por uma nova geração de sociólogos, de que João Pedro George com o seu livro - Não é Fácil Dizer Bem) - da mesma forma que classifica S. Lopes. Se esta regra prudencial não for tida em devida consideração, qualquer dia MFM vê-se confrontada - por essa nova geração de sociólogos - que de parvos não têm nada - com frases do género: "Foi na "cafetaria" de uma clínica em Biarritz que acabei de ler o Prison Notebooks, de A. Gramsci, etc, etc... que naquele cit. livro se pode compulsar (na pág.87) - e que até está bem esgalhado e é uma pedrada no charco na esfera da sociologia da literatura/cultura em Portugal. Enfim, mais um candidato ao nóbel da literatura, o Arq. Saraiva que se cuide... Neste campeonato, excusado será dizer, que Zaramago não entra, aliás, nunca deveria ter entrado.
  • Mário Ramires (MR), na pág. 6 dá uma valente e oportuna estocada jornalística no ditador disfarçado de democrata da Madeira: Alberto João Jardim - que levou vários invernos a tirar o curso de Direito mas parece que lá conseguiu. E agora vê-se confrontado com um apertado OGE e com budget zero made in Bruxelas, portanto a asfixia do sr. da Madeira estará à vista. Será mais um cachalote que virá morrer à praia..., digo eu. Agora, como refere - e bem - Mário Ramires - é que o dito nos poderá cunhar a todos de cubanos, comunas e colonialistas e mais o que ele quiser.. Até nos diverte. Afinal, a democracia portuguesa tem poucos entertainers, especialmente desde que S.Lopes foi cilindrado da vida pública nacional o país ficou mais triste. Na sua peça MR também retrata Manuel Monteiro segurando numa boga ou um carapau gigante - que mais parece Ribeiro e Castro a estrebuchar. Não sei se foi essa a ideia, mas se não foi R. e Castro também acaba por aparecer.
  • Depois o Sol oferece ao leitor uma peça Histórica - que era devida ao público: a razão e os circunstancialismos que originaram o aparecimento do Sol. Só o facto dessa história aparecer esclarecem-se duas coisas: que Balsemão também estrebucha nas horas de maior aperto e quando quer assumir os comandos no cokpit conclui que o avião já tem novo piloto e co-piloto; e que o Sol já já uma história muito vincada, e isso também faz com que a sua corporate identity sobressaía. Razão por que ainda antes de nascer já tenha sido considerado um menino aprumado e promissor. Também aqui o Sol pontuou e foi inteligente na narrativa. É que há quem conte histórias e, sem querer, dê tiros nos pés. Não foi o caso.
  • Na pág. 12 - também gostei de ver Marques Mendes cumprimentando com as suas duas mãos Sócrates - que aparece numa curvatura de 180º para assim se pôr ao nível do seu interlocutor - com quem, aliás, assinou um Pacto de Justiça - mediado por Belém. A este outros se seguirão, também com o mesmo padrinho. We shall see... Mas pelo menos, o Sol aparece como um jornal democrático, aparecem todos os líderes partidários, e até Portas do BE escreve, e não escreve mal. Apesar de ser muito neomarxista para o meu gosto, além de que as dinâmicas históricas também não se explicam usando sempre esses chavões interpretativos. Portas terá de renovar o seu baú bibliográfico, senão está sempre a bater no mesmo ceguinho e ainda acaba no PCP. Todavia, esta peça de Socas e M.Mendes - sobre o Pacto - foi assinada por Helena Pereira e por Sofia Rainho, parabéns a ambas pela matéria - "Pacto passo a passo".
  • Esqueci-me dum flash relativamente importante logo na 1ª pág.: mais uma bronca na vida de Isaltino Morais - relativa à apreensão duma vivenda que tem no Algarve. Também aqui se registam dois factos a favor do Sol: Isaltino é um pássaro ferido de morte, a sua credibilidade pública é diminuta, já ninguém o leva a sério, e assim torna-se problemático governar - ainda por cima num dos maiores e mais competitivos concelhos do País: Oeiras. Então Oeiras não teria ficado melhor servido com Teresa Zambujo?! Claro que sim. O que prova que o Sol também é um jornal de causas - e que se preocupa em denunciar as irregularidades e as injustiças na cidade - sempre com respeito pessoa humana, claro está.
  • Pelo meio irrompe o caderno "Confidencial" que nos fala de economia e negócios. Não desgostei. Ah, e a Pub. muito importante, porque sem ela não se podem comprar os "melões".
  • António Pedro Vasconcelos teve pena de nunca ter sido titular da pasta da Cultura, então fala-nos dela e da utilidade do ministério com esse nome. Nada de novo, naquele seu estilo meio redondo, meio futebolístico que aprendeu nos "donos da bola" por onde se arrasta a comentar o infinito.., aliás, hoje não há "gato sapato" que não comente futebol, e alguns até pensam que a bola é quadrada. Desconhecemos se será o seu caso, mas a nós parece-nos um ser que pensa fixado ainda no séc. XIX. Enfim, as amizades também são importantes, às vezes são mesmo tudo - do nada que resta.
  • José Cabrita Saraiva - tem uma rúbrica Corte & Cultura - e fala-nos ao de leve na programação cultural, no Ground zero e noutros produtos culturais de forma leve e bem esgalhada.
  • Na penúltima pág. emerge o grande Marcelo Rebelo de Sousa. Mas duma forma estranhamente criativa, não tanto pelo que escreve (afectos, massificação das mulheres na universidade, regresso aos jornais, 11 de Setembro e da humilhação de Soares na tv a debitar sobre o terrorismo) mas pelo nome que empresta ao seu espaço: Blogue. E eu que nunca tinha visto um blogue num jornal, ou seja, fora ciber-espaço - pasmei!!! Há ali uma lei da compensação para quebrar algum analfabetismo digital que nele é por demais manifesto. Todavia, Marcelo é sempre um plus desejável na vida de qualquer organização, hoje sente-se mais nova-iorquino e repete aquilo que os mais bem informados escreveram há uma semana em blogues: é que Mário Soares é pateta, ou patético... Rogamos aqui a alguém que ajude, agora, pfv, Marcelo a ter um blog autentico, i.é, no ciber-espaço. Mas confesso que estranhei uma coisa: Marcelo começa por dizer que está alí a escrever no novo semanário dirigido por JAR pela "amizade" que lhe tem. Dito assim, parece até um daqueles favores excepcionais que não devo comentar, mas creio que não fica bem. É importante, mas acho curto. Poderia dizer - que se trata dum projecto credível e, como tal, vale por si, ou seja, vai para além ou é independente da amizade. Ainda esperei encontrar esse complemento ou corolário lógico no corpo dos seus textos naquele seu sui generis "blogue", mas só encontrei afectos na esquina da memória com um tal "Francisquinho" a comer pastelinhos na "pastelaria da micas". Ó prof. Marcelo - francamente... Às vezes, depois de iludir até consegue desiludir. Bolas!!! - Confesso que esperava mais e melhor. Marcelo já anda a desiludir muito há muito tempo e de forma surpreendente. Ainda não percebi se é ele que continua igual a ele próprio se somos nós - vide a blogosfera mais exigente - que está mais inteligente, sagaz e talentosa...E, já agora, rápida como a lebre.
  • Na última página - José António Lima também faz bem aquilo que já fazia no semanário de Pito Balsemão. Desta feita, JAL fala-nos do Pacto da Justiça, do estilo Sócrates e na desgraça em que mergulhou António Costa, o maior nado-morto do governo Sócrates, e que presumo ainda seja ministro da Justiça no momento post-Pacto. Estará preso por fios. Como agora todos estamos mais velhos e mais maduros, é natural que JAL refine aquilo que já fazia bem: pequenas e curtas da polis doméstica e do mundo. Veremos se mantém o ritmo.
  • Quanto ao estatuto editorial - que é a filosofia e o corpo de princípios que o jornal se obriga a respeitar no âmbito da sua actividade, enuncia os seguintes: independência, identificação no acesso à informação, exactidão, respeito pela pessoa humana ("palhaços" incluídos), direito de resposta, fontes confidenciais e interesse público. Esperemos que os cumpra - um a um - e todos na sua globalidade.
  • Gostei ainda de saber que o Sol irá divulgar os trabalhos de qualidade de um nosso amigo: Ernâni Lopes. Não só porque tive o privéligo de o ter o ano passado a apresentar um livrinho de que sou autor, mas essencialmente porque ele ainda é das raras pessoas em Portugal que ocupa o seu tempo a estudar os verdadeiros problemas e nós que estrangulam a modernização e o desenvolvimento do país: o impacto da OTA, o futuro de Sines e do Alentejo, o futuro da nossa floresta, do mar, da economia nacional como um todo, e até da imagem externa do país que os escroques do futebol ajudam a destruir, além de outros pareceres pseudo-jurídicos que sobre eles incidem... Ernâni Lopes, mau grado o problema grave de doença que o afectou nos últimos tempos, soube com determinação dar a volta por cima, e hoje aparece no Sol a brilhar revelando que sabe fazer bem uma coisa essencial: Pensar Portugal.
  • Por todas estas razões, e como primeiras e leves impressões, queremos dar aqui os nossos parabéns ao Arq. José António Saraiva - bem como à sua equipa dirigente e de colaboradores por esta 1ª eficiente impressão que causou ao Macroscópio, que é uma gota no oceano. Mas desconfio que o common sense geral não anda muito longe destas impressões e sensações do macroscópicas.
  • PS: Agradeço à Helena (do CCC) a partilha do J.