A origem do mal
- Dedicado ao nosso amigo do Texas, Houston (PMB) que aqui se perdeu a ler esta narrativa que, afinal, reflecte a condição humana, com mais ou menos temperamento. Só a cultura nos permite escapar dessa origem do mal
A origem do mal
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O baptismo de Sto. Agostinho
Reflexão sobre a maldade:
Temo que nem sequer um recém-nascido se possa dizer que está livre de ter praticado algum mal. E na linha do post anterior - em que se evocou o etólogo Konrad Lorenz, e, por extensão Timor e a generalidade das sociedades humanas, é agora altura para recuar mais no tempo para avançarmos mais no conhecimento e identificarmos a eventual teoria que explica a maldade que há em nós, homens pretensamente civilizados e bondosos. Vejamos o caso duma criança que, por ser criança, também peca, também pratica o mal. E deseja com avidez - mesmo recorrendo ao expediente do choro - os peitos de sua mãe. Os adultos choram doutra maneira e têm, por certo, outros peitos a que se agarrar. Naturalmente, se um adulto agisse como uma criança nessa busca de peitos (e de leite) riam-se dela e seria repreendido. Portanto, seria também normal que fossem dignas de tais repreensões as crianças quando praticam os mesmíssimos actos. Sucede, porém, que nem os usos nem os costumes entenderiam essa repreensão no adulto, mas já a desculpam nas crianças, precisamnete porque são crianças. Depois crescemos e abandonamos essa sofreguidão pelos peitos das nossas mães, embora nunca deixemos de procurar os vários "leites" que a vida tem para nos oferecer. Noutras "tetas", certamente!!! Daqui decorre uma conclusão prévia: do que não nos repreendessem dos actos praticados aquando crianças, seria bom pedir - sempre chorando, porque era eficaz. Mas, na realidade, isto não seria bom para os próprios, já que o que é inocente nas crianças é a debilidade dos seus membros, não a sua alma. Talvez por isso, seja frequente vermos crianças invejosas. Mesmo aqueles que ainda nem sequer falam, mas já olham de soslaio, já vociferam pela alma, já trazem estampado no rosto um ar colérico que, se pudessem, teriam a energia bastante para desencadear uma revolução sangrenta entre os homens que pensam viver em democracia. Um exemplo: é frequente ver-se crianças coléricas observarem outras quando mamam ao mesmo tempo do que elas. Quem já não presenciou esta cena, milhares de vezes repetidas nos lugares comuns das nossas cidades!? Dizem até que as mães e as modernas amas - que em privado desancam nos putos e depois são obrigadas a pagarem altas indemnizações quando levadas a tribunal pelos filmes ocultos que registam todas essas cenas de violência doméstica - sabem como arrancar tais inclinações malignas às ditas crianças - a que nós, por comodidade, chamamos de inocentes crianças. E é aqui que enfrentamos um nó górdio: como poderemos chamar de inocentes a quem não suporta, por exemplo, o leite que o irmão mama ali mesmo na teta do lado de mãe comum? Não obstante isto, tendemos a tolerar esse particular modo de ser nas crianças, não por serem maus, mas na esperança de que tais condutas desapareçam com o tempo. Se víssemos tais comportamentos em adultos, mal poderíamos suportá-las com paciência. Talvez seja por estas razões, por este recordar que muitos homens com memória assumem uma confessada vergonha de si próprios. Porque se lembram de quão maldosos foram em crianças - seja com os seus irmãos, seja com as demais crianças que apanharam vida fora, na escola, na sociedade...Nós, de facto, somos assim mesmo: maus e bons, e muitas vezes fomos só uma das coisas e outras, mais raras, fomos outras. Basta olharmos para trás, para a nossa própria meninice e confrontar as maldades que praticámos aos outros, mesmo que só hoje tenhamos essa consciência. Mas hoje, quem se lembra da sua consciência ou da sua actuação de criança? Hoje, vivemos todos alienados com o presente, e se nos perguntarem o que jantamos na véspera só muito dificilmente acertamos. E depois ainda há aqueles que nem sequer jantaram na véspera das vésperas, como os milhares de timorenses hoje amontoados como entulho - para quem vai daqui um nosso abraço solidário - já que não podemos enviar arroz, carne, leite, medicamentos, carinho e afectos, enfim, Esperança... De facto, a maldade é algo inato no homem, em todos os homens. Quem hoje poderá dizer que foi sempre inocente? Porventura, ninguém. Mas quem é que hoje quererá regressar à infância se muitos de nós já nem memória de véspera temos...
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