quinta-feira

Os vencidos da vida: filosofia de Setembro numa reflexão caseira

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Quase na biela dos 40 cada vez mais me convenço que o importante da vida são as essências e não as aparências, as futilidades, as margens, as superfícies, os arregimentos de interesses que até aqui no ciber-espaço se dão conta a cada hora. É claro que para esses enjoadinhos da silva a coisa já lá não vai com um simples Alkaseltzer, nesses casos o recurso ao supositório-antibioticado é mais aconselhado.

Os casos são muitos e variados, pelo que não valerá a pena perder tempo com essa cáfila mais ou menos ideologizada que julga que pensa alguma coisa nas capelinhas que tecem e multiplicam - consoante estão dentro ou fora do poder. E poder aqui é um cargo de assessorzito, deputadozito (ou "Zita" - se fôr transfuga do PCP e aterrar no PsD), director-geral, administrador delegado semipúblico e privado, enfim, uma miríade de posicionamentos consoante os interesses e os projectos em presença. Mas esta reflexão deve muito a um pensador que hoje serve para tudo e para todos, até para lançar livros, fazer fabricar conferências nas nagociatas culturais, nas promoções pessoais, elevar editores medíocres e incultos que o editam, enfim, que além de nunca o terem conhecido, lido ou ter-lhe sequer a pertado a mão - resolvem, num ápice, e só porque vêem ali pasto para uma oportunística negociata de edição manhosa, de promoção pessoal ou outro derivado - mergulhar em Agostinho da Silva. Testemunhei isso... Tresanda e fede esse meio culturalóide de beija-mão...

Confesso que isso me enoja deveras. Aliás, essa gente que gravita em torno dessas associações, algumas delas é claro, especialmente os arrivistas sem escrúpulos também conhecidos como os beginners em AS, tudo fazem para entrar nesse espectáculo, nesse barco do enjôo e da fama cultural, ou de alta costura, como diria Agostinho. Quem conheceu um pouco o homem, as pessoas que o visitavam, os amigos que o íam ver ao Hospital apercebe-se bem da canalha que aqui falamos, da mediocridade pessoal e de carácter de certos oportunistas também conhecidos pelos mais papistas do que o papa. Fui dos que me afastei dessa gente-associativa, muita dela intelectualmente medíocre, oportunista e parasitária: parasitária do Homem, duma imagem, duma pessoa, enfim, de um grande português. Mas isto decorre de algo mais profundo e que creio estar na base daquilo que pode designar-se um intelectual.

Alguém, afinal, que se coloca ao serviço da justiça, das ideias, até do erro - porque da sua eliminação reiterada nos aproximamos mais das certezas, ou seja, limitamos a vulgaridade. Mas para que queremos este pequeno corpo de regras ou mesmo de preocupações? Que utilidade isto tem para a vida? Que boas regras poderemos extrair desse ambiente de "parasitanço" sistemático em que gente sem valor, sem obra, sem ideias, sem pensamento - sem rigorosamente nada - se procura abeirar e até apropriar desses tais ícones culturais do nosso tempo - de que Agostinho da Silva foi, certamente, um expoente? Esse ambiente sabujo e meio trauliteiro que faz o dia-a-dia das pequenas associações de bairro confesso, causa-me algum mal-estar.

Mas ainda bem que estas pequenas pulhices, que atravessam os tempos, as instituições, a vida das personalidades sucedem, pois doutro modo não teríamos a capacidade ou o consolo criador de utilizar a tal justiça das palavras para denunciar esse tipo de neoparasitagem social que hoje colonizou a humanidade, já se tornou numa prática social generalizada.

É por isso que nós, aqui no Macroscópio - e fora daqui, e na medida das possibilidades, ajudamos qualquer pessoa, mesmo aquelas que não conhecemos e estão à beira do abismo existencial, familiar, financeiro, emocional, relacional etc e tal. É este efeito de "susto" social que já vai encontrando terapia em algumas ciências sociais. Pormo-nos do lado sempre dos vencidos da vida, talvez seja a melhor forma de combater a arrogância, a soberba, o desprezo, a ignorância... Pois se o homem é mau, como diria o genial Sócrates (o de Atenas), é devido à ignorância, e esta só se arreda com humildade e abertura de espírito e também alguma vontade de aprender na infinita possibilidade dos meios e conhecimentos que hoje estão disponíveis a toda a hora, a todo o segundo.

Por isso, pormo-nos do lado dos vencidos da vida é, quanto a nós, a atitude mais criadora, mais justa, mais reflexiva que aqui podemos desenvolver e aprofundar. É como se percorrêssemos uma auto-estrada de esperança e outra de não-esperança, que não sabemos bem o que é.

Mas qual o sentido prático disto para a vida? Algum, nenhum, assim-assim? Será isto um conjunto de balelas mais ou menos amorfas e caseiras?! Por vezes creio que sim, até porque hoje todos se estão a lixar para todos - tamanhas são as preocupações que cada pessoa centraliza em si própria. Mas se olharmos para lá da micro-circunferência em torno do nosso pequeno umbigo fácilmente concluímos que a melhor coisa que podemos dizer a um amigo, a um adversário, até a alguém que nos é completamente indiferente - mas que tem boca, olhos, ouvidos e sentidos como nós - é a verdade, ainda que isso o encoste à parede. Porque é precisamente essa "verdade" (que pode ser um erro ou uma falácia ou uma barata a sair da dispensa) que vai evitar que se levante a vox, se ofenda ou mesmo penalize outrém no decurso das nossas acções, gesto e atitudes.

Integrar o grupo dos vencidos da vida é para mim pessoalmente uma vitória, um trunfo, um crédito ético, porque é ele que nos impede de cair na luta, na vileza, na pura maldade, na cobardia - tantas e tantas vezes praticada, em todos aqueles que esmagam corpos ou torturam mentes lumiosas que assim já não conseguem pensar.

De 1986/87 a Abril 1994 tive esse raro privilégio de conhecer, conviver e privar com Agostilho Silva. Conheci-o numa livraria em Benfica e depois passei a frequentar a sua casa com regularidade. Mas nessa grande viagem e de formação cultural e humana aprendi que numa batalha nunca devemos ferir ninguém, e por vezes, como ele dizia, até temos de fazer o papel de servir ou ajudar aqueles que censuramos. Isto já me aconteceu aqui na net: ajudar alguém à beira dum ataque de nervos e depois, mercê da sua lamentável conduta, ter de a censurar. Mas nunca o fizera explicitamente. Mas isto nada é de pessoal, remete antes para a esfera ética.

E por que razão isso é ético e não emana da esfera pessoal ou intimista, embora saibamos que o grosso das nossas ideias e condutas brote daí? Porque, na essência, as nossas palavras podem assumir uma vida própria, autónoma ou até independente convertendo alguns pequenos césares em bois mansos, que deixam, num ápice cair a espada e entrar em processo de redenção. Também já aqui temos visto alguns arrependidos nesse registo directo - ou por interposta pessoa.

Mas qual é a lição que procuramos extrair de tudo isto? É que hoje estar no lado dos vencidos é a posição ideal para compreender o mundo que nos rodeia. Só o compreendemos a fundo - nas pessoas, nas empresas e no próprio funcionamento do Estado - se, de facto, conseguirmos compreender o "outo lado": o lado dos vencidos da vida. Pois serão destes que a esperança ainda pode esperar algo, nem que seja uma intensa liberdade interior e de coragem. E se não conseguirmos converter uma alminha que seja, que fazer - então? Só restará continuar, lançar pedra-ante-pedra nessa grande construção da civilização moral, nesse edifício de valores que Agostinho nos deixou. Aos que o conheceram de perto e aos outros. Mas essencialmente a estes que por não saberem do que falam hão-de aplanar os ásperos caminhos e abater os alterosos obstáculos. A esses também aqui lavramos a nossa palavra de Sperança.

  • Post dedicado, naturalmente, à vida, obra e memória de Agostinho da Silva

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