terça-feira

Nem imperialismo nem islamismo

  • Ontem percebeu-se bem a diferença intelectual entre José Pacheco Pereira (JPP) e Mário Soares em matéria de avaliação histórica e política contemporânea, para os mais desatentos, evidentemente!!. Já temos aqui criticado Pacheco Pereira por causa das suas posições e avaliações limitadas e até algo sectárias contra uma certa blogosfera - metendo todos no mesmo saco, mas quando ele discute história política temos de convir que tem mais bases e utiliza dum rigor que nem Soares nem jorge Coelho dispõem, apesar de sabermos da injustiça desta comparação. Pois o que seria legítimo, natural e justo é que a direcção de programas da RTP incluísse naquele painel alguém com preparação científica, académica, histórica, sociológica e não o dr. Soares - que sempre foi um político pouco rigoroso nas afirmações. Mas que ele o tenha sido na gestão da sua carreira política é lá com ele, agora com a história...
  • O dr. Soares revelou desconhecer gravemente a história política dos últimos 50 anos, apesar de a ter vivido por dentro, o que é ainda mais grave. Misturou a ONU com a NATO (desvalorizando o papel desta no confronto com a URSS, só porque odeia G.W.Bush), desconheceu os vetos sistemáticos que paralizaram o Conselho de Segurança da ONU nas sucessivas crises internacionais do post-Guerra, desconhece o que é o novo fenómeno do terrorismo que opera em rede com poucos meios, não acompanhou as novas realidades tecnológicas que desajustam o comportamento dos players ao direito internacional, desconhece Carl von Clausewitz embora fale da guerra como quem fala de tremoços e outros "escavacanços". Em síntese: o dr. Soares passou 2 h. falando e misturando a história política contemporânea com pevides, alhos e bugalhos. Aquilo parecia uma frutaria repleta de oleoginosas com Soares de avental a servir às mesas. Não pode ser... Tudo o que dizia era para tergiversar, para capitalizar umas palmas. Quem o viu e tem alguma formação intelectual apercebeu-se certamente disso ante a oriental paciência e até complacência de JPP. O que já não é novo...
  • O dr. Soares ainda é o velho citador do Le Monde (diplomatique ou não) que tem uma excessiva fixação em G.W.Bush. Depois cometeu uma gaffe monumental ao falar no Presidente Harry Truman que foi locatário da Casa Branca em 1947, salvo erro, o que revela bem quão longe vão os lapsos históricos do dr. Soares e quão já ele é velho. Ele que me perdoe, mas com a sua idade os lapsos já são tantos e tão gravosos - que ele deveria ter a humildade e a dignidade de diplomáticamente declinar o convite e dar o lugar a outros que poderiam fazer uma melhor prestação em nome da verdade dos factos.
  • Essencialmente, creio que Soares acedeu a ir à RTP com dois objectivos, ainda que subliminares, volvido o período do nojo eleitoral: para dizer que está vivo e que quer continuar a ser considerado (como um "cidadão normal", como disse, ao ponto a que vai a sua arrogância..); depois para dizer a Cavaco que ele nunca esteve calado no interregno de PR, i.é, intervinha nos assuntos de interesse público - domésticos e internacionais que diziam respeito a Portugal na Europa e no Mundo, ao invés de Cavaco que de 1995 a 2005 não saíu da toca, não editou, não escreveu, não pensou, não "portugalizou". Soares, à pala do 11 de Set., quis matar essa tormenta que o amordaçava. E, de certo modo, dona Fátima fez-lhe essa vontade, deu-lhe esse brinde convidando-o dando-lhe um destaque quase principesco. Terá sido pela provecta idade...
  • Ainda por cima, para agravar as coisas, num programa com aquele formato de um para um. Isto é uma aberração da inefável dona Fátima que com todo aquele chumbo e massa corporal que também já sai fora do molde, como o Ornitorrinco, pensa que a discussão do 11 de Setembro é uma questão semelhante à do apito dourado, ao encerramento de mais uma maternidade em Frei de Espada à Cinta ou até à questão das mães de Bragança que se revoltam contra as meretrizes brasileiras que ali atracaram para ganhar a vida e, claro, pelo caminho "escavacar" - alguns matrimónios para retomar a terminologia soarista. De facto, Soares está para a história como dona Fátima está para o jornalismo: ambos são já produtos culturais desactualizados do mundo actual. Ainda que façam um esforço para ler papéis, o seu tempo já há muito que passou. Isto irrita inúmeros jornalistas que não gostam de se ver arredados dos acontecimentos e da ribalta em que sempre estiveram. Depois dizem que fazem uma gestão do tempo rigorosa etc e tal... Ninguém gosta de perder visibilidade, status, poder e influência. E o arrastamento gera situações editoriais, jornalísticas, históricas grosseiras como as que notámos ontem no formato e no conteúdo daquela discussão - já de si complexa e melindrosa. Portanto, a dona Fátima aqui andou mal, andou com pé -de-chumbo ainda que sempre muito bem vestida e espampanante.
  • Afinal, Soares era considerado como o pai da democracia, merecia respeitinho... Mesmo que logo a seguir diga as maiores trapalhadas, erros, omissões, dislates... Há pessoas cujo perfil e background tudo se desculpa, Soares é um desses felizardos. Pacheco Pereira, autor do Abrupto (aqui no Macroscópio não somos sectários, citamos e linkamos, mesmo que amanhã tenhamos de criticar sempre com base nos critérios da razão e da verdade analítica, na medida do possível, claro está!!!) revelou-se um académico, um investigador, alguém capaz de correlacionar factos, actores e datas sem ser trapalhão nem ilógico, descobrir novas pistas, introduzir novas reflexões para a mesa da discussão. Ao invés, os exemplos dos dislates de Soares são múltiplos e grosseiros, creio que não valerá a pena enunciá-los, além de que Soares se encaminha para a provecta idade de 85 anos... também isto merece respeito, muito respeitinho - que é muito bonito, como diria o O'Neill. Pois!!!
  • Mas do que vi e ouvi, e do que vou lendo, sentindo e pensando, porque o Macroscópio às vezes também tem a mania que pensa alguma coisinha, sou de ideia de que a história ainda está para se refazer, as pontas ainda estão por soldar na tecitura que conduziu à barbárie do 11 de Setembro e à guerra subsequente que os EUA dirigiram ao Afeganistão - por este ser a base de treino donde partiam muitos dos terroristas - acabando por destruir a débil sociedade do país. Os excessos são sempre um perigo a evitar, em tudo, mormente na guerra, já que o povo afegão foi bombardeado sem critério, gente completamente inocente foi igualmente assassinada por ordem do Pentágono como se essas pessoas inocentes tivessem colaborado no ataques às Torres do WTC.
  • Também aqui G.W.Bush andou mal: confundiu o terrorismo de seita com o terrorismo de Estado, e neste caso vimos que o Estado mais poderoso do mundo esmagava um dos povos mais pobres do mundo, só porque no seio seio albergava um santuário que treinava terroristas. Gente inocente pagou por gente criminosa. Esta falta de método e de rigor faz de Bush aquilo que ele verdadeiramente é: um mentecapto. Que, aliás, fez o seu milhão de dólares à pala duma empresa com capitais participados pela família bin Laden, curiosamente.
  • Mas hoje, volvidos 5 anos sobre a tragédia, é hora de começar a reclamar que os historiadores comecem a afiar as facas para melhor arrumarem os documentos e reclamar Justiça e não vingança - que foi o que Bush fez - a quente. Para o efeito será necessário repor a força do direito internacional democrático afastando o recurso ao método da lei do mais forte sobre o mais fraco, e até de agir denunciando alguns desígnios neoimperialistas, e aqui Soares tem alguma razão - pois a luta contra o terrorismo não foi racionalizada da melhor forma. E poderia sê-lo? provavelmente sim e não... É muito difícil avaliar porque aquele ataque cegou as mentes, impossibilitando-as do discernimento. Gostaríamos aqui de perguntar ao sr. dr. Soares, que continua genéticamente um demagogo hoje com traços acentuadamente populistas, se visse um bando de criminosos entrar pela sua casa do Campo Grande ou do Vaú enquanto tomava o pequeno almoço e lia o Le Monde - se, de seguida, os convidaria para almoçar e depois tomar o chá das 5 ou mesmo sear!?
  • Mas volvida essa inquietação de resgatar os corpos das vítimas, enterrar os mortos e cuidar dos vivos há que dizer basta: um basta que deve implicar uma rejeição ao neoimperialismo e uma rejeição ao islamismo. Ambos paralisam as respectivas sociedades, consomem os seus recursos em acções bélicas e impossibilitam a implementação de políticas públicas visando o bem comum. Será esta formulação que nos levará a reconstruir os fios duma história que ainda está por contar, de um projecto de transformação do mundo que ainda está por revelar. Esse é, provavelmente, um dos maiores desafios dos historiadores, sociólogos e politólogos desta 1ª década do III milénio. Nas respostas, se possível e não for pedir muito, será vantagoso que o quadro de possibilidades viesse ilustrado com o que os europeus podem esperar dos EUA. Porque, em rigor, boa parte da indecisão estratégica da Europa no diálogo intercivilizacional também passa por aqui, por esta subordinação política, económica e militar relativamente à República Imperial/EUA. Ora, é isto que os Europeus terão de evitar. Mas como se a Europa está quase paralisada? Sem economia, sem emprego, sem riqueza, sem pujança, sem projecto, sem visão nem liderança? A Europa transformou-se numa manta de retalhos, sem força, sem unidade, sem vigor. É barroso que está à sua frente...
  • Talvez José Pacheco Pereira, que ontem mostrou ser um historiador, sociólogo e politólogo do nosso tempo (oxalá fosse assim no seu comportamento na blogosfera..), com uma visão de conjunto e com imensa tolerância perante as recorrentes injustiças do dinossaurius da política lusa, nos consiga dar uma resposta satisfatória, depois das imensas ajudas que ontem deu a Soares que baralha manifestamente tudo. Imagino até se o seu interlocutor fosse outro..., a forma como JPP teria reagido. Afinal, nós afinamos sempre o nosso discurso em função ou perante quem falamos: para o melhor e para o pior. Mas aqui o enunciado é claro: nem islamismo nem neoimperialsimo. E como é que isso se faz nas actuais circunstâncias da Europa? Eis o problema..., mais um!!!

Seria muito interessante que JPP pensasse num livro sobre o que se poderá fazer volvidos estes 5 anos do 11 de Setembro. Ideias não lhe faltam, e o seu blog até poderia servir para isso. Para uma coisa útil já que a sua visibilidade e saber públicos deveriam ser colocados ao serviço da valorização desse terrível binómio cuja fórmula - Segurança vs Liberdade - foi últimamente limitada por causa do terrorismo em rede. Fica o desafio, fica o repto...