Direita vs esquerda, again... O individualismo
- A semana o passada o Macroscópio alinhou algumas razões pelas quais hoje discutir o que é a direita e a esquerda redunda num exercício mais intelectual do que de dimensão prática com efeitos imediatos. Hoje, por sinal, o Jumento num texto de antologia, volta ao assunto para nele introduzir novas variáveis, nuances e vivências que não deixam de ter um valor simbólico na vida de todos nós. Ele é de esquerda, diz, como qualquer um de nós é do Benfica ou do Sporting.
- E a este propósito recordo que quando era pequeno um amigo do meu pai me aliciava dando rebuçados, porta-chaves e demais tralha do Glorioso, e acho que foi assim que fiquei benfiquista, embora não fanátio e até acompanhe o futebol de longe; já o meu irmão teve outro perceptor que lhe oferecia as mesmíssimas coisas, só que ficou do sporting porque aí o sponsor também alinhava pelos leões. É assim em grande parte das nossas decisões, são tomadas de forma algo involuntária, irreflectida, imatura, apenas somos levados pelas circunstâsncias, e muitos até casam assim, só depois descobrindo que as circunstâncias, afinal, foram umas grandes meretrizes.
- Mas hoje desejaria introduzir aqui um factor que creio importante na desarticulação desse debate pseudo-ideológico de direita vs esquerda, bombordo, estibordo - para seguir as pretuberâncias de Brigitte Bardot tão ao gosto das categotias analíticas do Jumento que vale a pena seguir.
- Esse factor tem nome e chama-se individualismo, ou melhor, hoje verifica-se uma tendência para enfrentarmos uma fragmentação das sociedades. Na família, no emprego, na economia, na organização e produção de saber, em todas as esferas (pública, privada) tudo parece desarticular-se para se passar a viver debaixo novas regras. Neste sentido, não é difícil perceber que estamos entrando numa nova economia, que alguns chamam digital, mas que não deixa de ser extremamente egoísta, daí o tal individualismo agudo que acima falava. Ora uma sociedade egoísta gera, inevitavelmente, a uma economia egoísta.
- Ou melhor, conduz a uma economia egocêntrica, se bem que este egoísmo releve mais da auto-realização que cada um de nós procura no espaço societal onde navegamos, buscando essa tal pessoa integral. Desta forma, ante a falência da credibilidade da política, dos políticos e de inúmeras políticas públicas que prometem aquilo que sabem à partida não poder realizar - cada um de nós, cada indivíduo tornar-se - quer-se queira quer não - num microscosmo de oferta e procura nesse tal hiper-mercado global.
- E é aqui que aquela discussão direita vs esquerda perde grande actualidade e desinteressa ao comum dos cidadãos, já que todo o sistema de fidelidades da pessoa é reformulado, e enquanto trabalhador do conhecimento - como diria Peter Drucker, ele integra uma nova elite que passou a ser fiel a si mesmo, à sua tribo e não (já) ao empregador clássico: Estado, empresa...
- Como consequência imediata desta nova relação do indivíduo na sociedade global as pessoas só irão ligar-se ou cooperar com aquelas que lhes puderem oferecer uma qualquer contrapartida imediata. Daí nascem novas tribos globais, novos interesses que navegam pelo mundo e só muito raramente coincidem com os interesses dos partidos políticos, hoje cada vez mais mercenários e distantes dos interesses reais das pessoas. Daí o afastamento dessa discussão, pois as pessoas já não se interessam em descoficar o que é a direita ou a esquerda, as pessoas querem é ser incluídas na sociedade e não largadas nas suas margens. E se os partidos políticos não têm grandes soluções para estes males gerados pela economia e pelos imensos erros da política e dos políticos por causa dos ciclos eleitorais - então o fosso entre ambos ainda aumenta mais, até que as pessoas fiquem de costas voltadas para as organizações políticas. É o divórcio de um casamento que nunca chegou, de facto, a acontecer.
- Tenho a leve sensação de que as pessoas hoje querem mais é viajar, estar em férias permanentemente, comprar bens essenciais e superflúos, adquirirem os símbolos da imagem, do poder e da influência sem que, com isso, se dêem conta de que estão ficando como os partidos políticos: doentes, alienados e decadentes. Assim, é impossível haver tempo para a reflexão e debate de ideias.
- Talvez seja por isso que hoje quando convidam certas pessoas para ir à reunião X do PsD de Benfica, Olivais, wherever ... o que a malta quer é uma surfada - e nem sequer é preciso ir ao Guincho porque podemos lá encontrar a cabeça do Marcelo numa onda tresmalhada e depois dar-lhe cabo dos neurónios e ter de pagar novo. O que a malta hoje quer é viajar, feriar, montanhas e montadas, praia, garrafas, garrafinhas e caipirinhas, experiências sexuais novas ou velhas (consoante os gostos - porque aqui ainda há quem seja conservador, i.é, de direita), umas aulas de yoga, umas charutadas, enfim, perdermo-nos no meio de tanta (des)ilusão alienante e decadente, valores que hoje balizam as nossas sociedades. E quanto mais as estuda mais à conclusão chego que não passamos, afinal, duns animais, por vezes divertidos.
- E inverter isto por recurso à magna quaestio do que é ser direita vs esquerda é como ir a Seattle e tentar agendar uma reunião com Bill Gates. Admito que muitos o queiram fazer, mas só alguns, poucos, o conseguiriam... Hoje tudo se extremou, tudo se relativizou, de modo que ser de direita, de esquerda ou do centro vai dar ao mesmo.
- Encontramos comportamentos e atitudes políticas dessas no espectro político partidário nacional: Guterres era de esquerda e governou à direita; Socas segue-o com mais eficácia e com uma maioria absoluta; Cavaco não é de direita, nem de esquerda nem do centro, é - simplesmente - Cavaco; e M.Mendes amanhã em S. Bento tomaria exactamente as mesmíssimas medidas que hoje Socas procura implementar. Talvez seja por isso que eu já os confundo: Socas é Cavaco, Cavaco Socas, M.Mendes é simplesmente o "ganda nóia", Louçã o Torquemata (tinha jeito para Papa Bento XVI), Barroso é um manga-de-alpaca bruxelense sem qualquer ideologia, senão a do poder dele, Santana é ainda um projecto, qual espécie de bébé velho, e jerónimo enferma de dois vícios graves: está no país errado e confunde inúmeras vezes Portugal com a Albânia ou a velhinha Roménia.
- Por último, sempre que me acometo a digerir ideias sobre este tema lembro-me sempre que estou a inventar por cima de alguém que inventou mais do que eu, seguindo esse raciocínio histórico rápidamente chegamos à Revolução Francesa de 1789 - em que os que se sentavam à direita do rei queriam a estabilidade e a manutenção do statu quo para continuarem a governar e os que se sentavam à esquerda do rei pretendiam conquistar para si esse poder e esses privilégios. De modo que temos de ser sérios, intelectualmente sérios. E o Macroscópio faz esse esforço em cada linha que escreve, bem ou mal. Pelo que os partidos, a direita, a esquerda, as instituições em geral não passam de meros arranjos contratuais que vinculam certas pessoas e certos interesses a dada altura no seio de certos partidos políticos. Um pouco como nos casamentos... Que depois ninguém respeita. Mas, na realidade, os nubentes quando estão no altar dizem - diante do vigário e de Deus pregado numa cruz de madeira - que se respeitarão e depois traem-se como caninos com o cio. Ora, mau grado a analogia, o mesmo se passa com as organizações políticas, as empresas, os políticos, os que fazem de políticos mas que, de facto, como diria Filomena Mónica (segundo a 1ª edição do Sol) diz serem "uns palhaços", sinalizando o exemplo com S. Lopes. Ninguém diria aqui há uns anos atrás que senhora dona Zita Seabra estaria hoje no PsD!!! Também hoje ninguém diz que S. Lopes ou mesmo Durão Barroso podem vir a ser dirigentes máximos do PCP ou BE em 2012! Tudo muda, como diria o Camões... E os partidos políticos, as ideologias, as estruturas e as organizações são, em rigor, expedientes que o macaco-homem utiliza a fim de se promover e conferir estabilidade e previsibilidade aos seus interesses, desejos e expectativas. O homem sempre precisou destes vested interests para justificar os seus interesses, embora o faça à sombra dos tais sistemas intelectuais de justificação - que são as ideologias. E é aqui que nos distinguimos dos animais. Os macacos não utilizam (ainda) a ideologia. Embora o homem frequentemente se comporte como eles...(mesmo com ideologia).
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