Brasil em Portugal, Portugal no Brasil: trajectórias e reencontros
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Enquanto pensamos nisso tentemos agora perceber que tendências impelem o homem para a emigração, nem que seja para o Brasil - como fez Portugal durante a sua história de afirmação no mundo. E a propósito da vocação que o povo português tem para as Descobertas o mestre referiu o seguinte:
- “Olhe o que Portugal era quando se constituiu, quando os cavalheiros o levaram até ao Algarve? Era um cais! É um cais, simplesmente um cais, com um mar diante, cujo horizonte incitava... Tenho amigos portugueses que não podem estar diante de uma montanha ou diante de horizonte de mar sem a tentação de subir lá acima, ver o que há do outro lado, sem a tentação de descobrir o que tem a linha do mar. Além disso a terra portuguesa é pobre, diga-se o que se disser da agricultura, o mar dava muita comidinha e ainda dava o sal. O clima português que é tão ruim para plantações, é muito bom para o sal. Então, o mar era uma vocação, uma necessidade, um puxar dos portugueses para o mar muito mais do que para a terra. Nós somos um povo de embarcar, não somos um povo de ficar na terra, a não ser que haja horizonte para contemplar. A postura do pastor alentejano, com os seus bichos, olhando o horizonte amparado a um cajado, mas andarilho ao mesmo tempo, é o que dá depois grande parte dos bandeirantes do Brasil, essa gente que ia dar a volta, ver o que é que havia do lado de lá. (...) Porque esta coisa do manhoso português pôr de noite um marco na terra do vizinho, isso fez-se no Brasil em grande escala! As Tordesilhas limitavam o Portugal e os nossos amigos foram pôr a pedra de limite nos contrafortes dos Andes (...)" in Agostinho da Silva, Dispersos, ob. cit., p. 139.
Inter allia...
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Vejamos o que ele nos diz a 5 mil Kil. de distância e depois tentemos aferir se a bota bate com a perdigota, como diria a minha Avó Raquel.
- Por outras palavras, esta mistura do português sonhador, à procura do paraíso, com a nostalgia das nações índias, dos afro-descendentes e dos muitos e variados povos das outras partes do mundo, gerou esta complexidade crescente, cada vez mais metafísica. Uma entidade espiritual que, começando por ser o mero mundo que o português criou, se tornou, felizmente, uma criatura liberta do criador que foi e continua a dar novos mundos ao mundo, cumprindo seu destino como comunidade nacional ao serviço do universal, como sítio de passagem para a super-nação futura. E eu, português antigo, refeito nestas paragens como português à solta, conforme a definição de brasileiro dada por Manuel Bandeira, me revigoro de cosmopolis, sendo quem sempre fui, mas procurando diluir-me em todos os outros, de acordo com o conselho de mestre Gilberto Freyre.
- As ideias surgem do nada, são compartilhadas e depois desenvolvidas e aperfeiçoadas. De seguida emprestadas, alguma vezes esbulhadas. Mas com o passar dos anos, parece constatar ou intuir que essas ideias emergem numa profusão de fontes de inspiração que chegam a pensar que são elas - as ideias - que nos pensam a nós. Se assim fôr, as nossas ideias terão (ou deveriam ter) uma identidade mais visível do que os seus autores. Contudo, o problema é que as ideias são etéreas, raramente se vêem e só algumas vezes se sentem... Ou seja, hoje os valores estão em liberdade, andam à solta, ao invés do passado em que eram fixos e de âmbito local. No Ocidente, no meio das suas vilas, estava o Pelourinho, a Igreja - detentora do monopólio do saber e dos valores morais que regiam uma sociedade inteira, ainda que de forma hipócrita. Hoje, no III milénio - nesse mesmo Ocidente - já vemos as suas praças povoadas por "n" igrejas, mesquitas, universidades, bancos, seguradoras, centro de documentação, enfim, uma miríade de instituições povoaram o terreno. Potenciando a diversidade dos nossos valores, pois agora não queremos só entrar numa igreja, temos é dificuldade em escolher em qual delas entrar primeiro. Vem isto a propósito da escolha com que o homem hoje é confrontado quando tem de escolher que valores ou instituições seguir. Em Portugal, lamentavelmente, a maior parte dos tugas afina pela bola... E é nestes momentos que não me sinto português, até porque a maior parte desse - chamemos-lhe "efeito seara" - é meramente oportunístico - para esses a bola até deve ser quadrada.
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