Brasil em Portugal, Portugal no Brasil: trajectórias e reencontros
Quando hoje olho para trás e tento perceber o que aprendi com este homem esbarro numa fórmula: método da procura e revolução do conhecimento. Conhecimento - porque ele percebeu - muito antes de todos nós que esse seria o capital-essencial que iria formatar o novo campo de batalha dos países, das empresas e das pessoas. Hoje podemos aceder a ele, podemos usufruí-lo, derrubar muros, atravessar paredes e lidar com qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, até no Brasil. Foi essa revolução - que ele previu de forma tão presciente quanto lúcida - que nos levou a pensar que hoje não podemos enfrentar ninguém se tivermos pela frente alguém mais inteligente, mais rápido do que nós. Agostinho da Silva, naquelas conversas na Travessa do Abarracamento de Peniche nos idos anos 80/94, sempre demonstrou que uma pluma pode sempre derrotar um peso pesado, salvo no ringue. A revolução que Agostinho da Silva operou em mim (e em muitos como eu que o procuravam para aprender e discutir ideias) foi múltipla e simultânea, e demonstrou-me que na Educação, na Ciência e na Cultura muita coisa poderia ser possível. Hoje com a World Wide Web/WWW - revolução que ele não vivera mas que pressentira - tudo se torna práticamente possível, até transformar um homem numa mulher, o poder agora está em toda a parte. Com uma única diferença relativamente ao passado recente balizado pela conjuntura de meio de Guerra Fria finda. É que hoje a fórmula socrática do "eu só sei que nada sei" foi elevada ao infinito dada a escala, dimensão e velocidade que a revolução informática causou e projectou nas nossas vidas, pelo que o conhecimento se espalha à velocidade da luz. Se ele fosse vivo que nome hoje teria o seu Blogue???
Enquanto pensamos nisso tentemos agora perceber que tendências impelem o homem para a emigração, nem que seja para o Brasil - como fez Portugal durante a sua história de afirmação no mundo. E a propósito da vocação que o povo português tem para as Descobertas o mestre referiu o seguinte:
- “Olhe o que Portugal era quando se constituiu, quando os cavalheiros o levaram até ao Algarve? Era um cais! É um cais, simplesmente um cais, com um mar diante, cujo horizonte incitava... Tenho amigos portugueses que não podem estar diante de uma montanha ou diante de horizonte de mar sem a tentação de subir lá acima, ver o que há do outro lado, sem a tentação de descobrir o que tem a linha do mar. Além disso a terra portuguesa é pobre, diga-se o que se disser da agricultura, o mar dava muita comidinha e ainda dava o sal. O clima português que é tão ruim para plantações, é muito bom para o sal. Então, o mar era uma vocação, uma necessidade, um puxar dos portugueses para o mar muito mais do que para a terra. Nós somos um povo de embarcar, não somos um povo de ficar na terra, a não ser que haja horizonte para contemplar. A postura do pastor alentejano, com os seus bichos, olhando o horizonte amparado a um cajado, mas andarilho ao mesmo tempo, é o que dá depois grande parte dos bandeirantes do Brasil, essa gente que ia dar a volta, ver o que é que havia do lado de lá. (...) Porque esta coisa do manhoso português pôr de noite um marco na terra do vizinho, isso fez-se no Brasil em grande escala! As Tordesilhas limitavam o Portugal e os nossos amigos foram pôr a pedra de limite nos contrafortes dos Andes (...)" in Agostinho da Silva, Dispersos, ob. cit., p. 139.
Inter allia...
Complementando e apurando o método dessa busca múltipla de saberes cruzados aparece-nos José Adelino Maltez, esse magnata das ideias - cujo paradeiro é incerto: Lisboa, Monsanto, Coimbra, "Brasis"... Também continua a derrubar paredes e a atravessar esses muros do conhecimento das teorias das relações internacionais, das filosofias do direito, das ciências políticas, das filsosofias da cultura e, agora, para compôr esse abraço armilar, exporta-nos metafísica da principal potência filosófica da Terra: o Brasil. Releio pelo Tempo que passa alguns desses fragmentos sempre bem esgalhados e chego à conclusão que o nosso projecto, o projecto lusíada começou com uma viagem por mares desconhecidos na companhia de exploradores. Ora, este outro discípulo de Agostinho da Silva - já com muitas provas dadas e muita Obra escrita, parece-nos aquele homem adequado aos novos tempos, fundamental para o desenvolvimento das nossas primeiras ideias. Além de amigo, mentor estimado e considerado na Academia intra e extra-muros - Adelino Maltez parece agora apurar aquele método que poderei designar por "cruza-atlânticos" a fim de potenciar hiperligações inimagináveis, gerar associações de ideias estranhíssimas e ousadas para surpreender o novo tempo. Estamos mesmo em crer que esse "magnata das ideias" está mesmo disposto a relacionar muita coisa ao mesmo tempo: xadrez, filosofia, direito, relações internacionais, sociologias, Beethoven, religião, maçonaria, Pessoa, Agostinho da Silva, economia e psicologia. Tudo caberá nesse abraço armilar que nos fez grandes... sempre que emigrámos.
Vejamos o que ele nos diz a 5 mil Kil. de distância e depois tentemos aferir se a bota bate com a perdigota, como diria a minha Avó Raquel.
- Por outras palavras, esta mistura do português sonhador, à procura do paraíso, com a nostalgia das nações índias, dos afro-descendentes e dos muitos e variados povos das outras partes do mundo, gerou esta complexidade crescente, cada vez mais metafísica. Uma entidade espiritual que, começando por ser o mero mundo que o português criou, se tornou, felizmente, uma criatura liberta do criador que foi e continua a dar novos mundos ao mundo, cumprindo seu destino como comunidade nacional ao serviço do universal, como sítio de passagem para a super-nação futura. E eu, português antigo, refeito nestas paragens como português à solta, conforme a definição de brasileiro dada por Manuel Bandeira, me revigoro de cosmopolis, sendo quem sempre fui, mas procurando diluir-me em todos os outros, de acordo com o conselho de mestre Gilberto Freyre.
- As ideias surgem do nada, são compartilhadas e depois desenvolvidas e aperfeiçoadas. De seguida emprestadas, alguma vezes esbulhadas. Mas com o passar dos anos, parece constatar ou intuir que essas ideias emergem numa profusão de fontes de inspiração que chegam a pensar que são elas - as ideias - que nos pensam a nós. Se assim fôr, as nossas ideias terão (ou deveriam ter) uma identidade mais visível do que os seus autores. Contudo, o problema é que as ideias são etéreas, raramente se vêem e só algumas vezes se sentem... Ou seja, hoje os valores estão em liberdade, andam à solta, ao invés do passado em que eram fixos e de âmbito local. No Ocidente, no meio das suas vilas, estava o Pelourinho, a Igreja - detentora do monopólio do saber e dos valores morais que regiam uma sociedade inteira, ainda que de forma hipócrita. Hoje, no III milénio - nesse mesmo Ocidente - já vemos as suas praças povoadas por "n" igrejas, mesquitas, universidades, bancos, seguradoras, centro de documentação, enfim, uma miríade de instituições povoaram o terreno. Potenciando a diversidade dos nossos valores, pois agora não queremos só entrar numa igreja, temos é dificuldade em escolher em qual delas entrar primeiro. Vem isto a propósito da escolha com que o homem hoje é confrontado quando tem de escolher que valores ou instituições seguir. Em Portugal, lamentavelmente, a maior parte dos tugas afina pela bola... E é nestes momentos que não me sinto português, até porque a maior parte desse - chamemos-lhe "efeito seara" - é meramente oportunístico - para esses a bola até deve ser quadrada.
<< Home