quinta-feira

Em memória de Cáceres Monteiro

Pantonomia do Hotel Babilónia Boa porção do universo de investigação politológica arranca de uma perspectiva de análise política. Dela emerge um ramo que aqui cultivamos: a Teoria da Globalização Competitiva (TGC). É ela que contém a palavra-passe, o código de designação do inimigo. Assim para os patrões das multinacionais aquela teoria rima com a expansão do capitalismo, destruição das florestas e eliminação do pequeno mercado; para os cientistas e tecnólogos rima com progresso, prosperidade e acesso aos bens culturais; para os juristas a globalização consiste no desafio da criação de normas transnacionais para ordenar a Caologia emergente numa lógica de aplicação estadual imediata das regras de harmonização fiscal, financeira, burocrática e logística (de que a UE é o paradigma e José Barroso o timoneiro).

Porém, a TGC comporta uma lacuna, pois nada diz quanto ao significado da metáfora do III milénio na óptica do jornalismo de investigação (mitigando fotoreportagem, crónica e textos autobiográficos). O Hotel Babilónia (Verbo) entronca nesta categoria e busca arrumação teórica na nova gramática politológica.

Imagine o leitor que tem diante si (coligidos nos últimos 36 anos) um conjunto de fotogramas a pedir uma leitura integrativa: a morte de “Che” Guevara, os horrores dos Khmers Vermelhos sob a mão de Pol Pot, as Guerras no Iraque, as sequelas do 11 de Setembro, G.W. Bush, a Al Qaeda, a Informação, a Guerra e a Al Jazira, o mundo fantástico da literatura de viagens, o Médio Oriente, o Terror, o Irão pós-Komeini, a América do sonho ao pesadelo, o Ground Zero, o fim do Império da URSS, a queda do muro de Berlim, o legado de Karol Wojtyla, a abertura e a mudança da China, a plataforma de Hong Kong, a guerra do Vietnam, os ícones e os mitos latino-americanos, a guerrilha em San Salvador, a Cocaína em Bogotá, os 80 anos de Jorge Amado comemorados na Baía com orixás e mães-de-santo animado num grande candomblé, a memória de Allende no Chile, a sombra de Pinochet, Cuba e Hemingway e os refugiados de Miami, O velho e o mar, a história de Papillon, Goa, Timor, Angola, Macau, Moçambique e o mais que fala a língua de Camões.

Pelo meio do roteiro de viagens ao globo terrestre de metal ficam muitas memórias: os eléctricos da Graça e um livro de Blasco Ibañez (A Volta ao Mundo) em cuja capa o planeta era arrumado numa Europa (vermelha), numa África (verde) uma imensa Ásia (amarela). Cores desencontradas na paleta do desenvolvimento.

Além do sonho de criança – Hotel Babilónia – carrega a multiplicidade de gentes, culturas e costumes, qual posto de observação da própria Humanidade. É a esse anseio intelectual (existencial) dirigido ao todo que lhe dá autonomia, a que chamo pantonomia e que o bisturi do filósofo (José Pacheco Pereira que o apresentou) conhece bem. No autor, cujos traços físicos se diluem por todas as raças, ficou patente a lei de pantonomia, já que o repórter não se contenta com nenhuma posição que não exprima valores universais.

Contudo, importa racionalizar esta pluralidade temática num tecido integrativo. Com o autor a costurar diversos géneros narrativos, sem nunca violar datas e factos históricos numa interacção que denuncia a luta entre homogeneidade e heterogeneidade cultural no interior das sociedades e entre Estados. Um complexo cuja similitude gerou linhas de fragmentação que o sociólogo Arjun Appadurai sistematizou: ethnoscapes (paisagem de pessoas: turistas e refugiados dum lado para o outro mundo fora); technoscape (fluxo de tecnologias formatando a configuração global); mediascapes e ideoscapes (numa paisagem de imagens e ideologias que distribuem informação instantânea pelo mundo pugnando por Liberdade, Bem-estar, Direitos e Democracia); e finanscapes (revelando que a disposição global do capital é tão misteriosa quanto rápida na manipulação dos mercados).

Narrativas que atravessam o Hotel Babilónia, onde todos têm a ver com todos a todo o tempo gerando um modelo de análise de fluxos culturais globais integrados na TGC, cuja paisagem cósmica mostra como o sonho de criança se tornou realidade em adulto. Cáceres Monteiro caçou a fera na selva e mergulhou sem escafandro buscando no mundo a sua integridade, por isso lhe estou grato. Será que falta fazer a viagem de volta? Para tal é preciso que o pensamento queira engolir o mundo e a mão o apalpe numa caravana sedenta que veja na lonjura do deserto uma linha perturbada onde o frescor da água treme…