As minhas memórias da guerra
- Em breve completarei 40 anos. Mas a minha 1ª memória de guerra (de criança) resultou duma experiência ocorrida numa tarde de Sábado ou Domingo à tarde.. - em que visitei um certo "Museu de Guerra" - pela mão do Tio Quim - autor alí do Memórias Futuras -. Nesse museu - viam-se peças de guerra do tempo da II Guerra Mundial; ao mesmo tempo que despontavam as guerras de libertação no chamado Ultramar português, ao lado doutras guerras no mundo - como a do Vietnam - que foi um "berbicacho" para os EUA.
- Dentro desse museu - do alto dos meus 7/8 anos corria que nem um desalmado - percorrendo todos os dispositivos de guerra alí expostos: tocava-lhes, cheirava-os, admirava-os. Completava essa azáfama excitante experimentando a cadeira de um helicóptero que permitia fazer disparos que em função da habilidade de cada visitante tinha os seus scores ou pontuações. Era, pois, um convite à energia de guerra, toda aquela exposição de material bélico era uma encenação da própria guerra.
- Ao sentar-me naquela cadeira de disparo recriava automáticamente na minha mente imagens de guerra, bombardeamentos de cidades, vilas e aldeias, matando crianças, adultos e velhos, destruindo culturas e animais indispensáveis à sobrevivência humana de todas aquelas comunidades. Tudo isso decorria enquanto não havia (ainda) video-jogos nem TV a cores. Muitas crianças como eu se perfilavam naquela cadeira aguardando a sua vez para exercitar o campo de tiro - em extâse... por entre aquela galeria de velhas relíquias de high-Tech.
- Sucede, porém, que à saída do museu onde decorria essa exposição de aparelhos de guerra - na altura venerados por quase todos - fiquei confuso, pois deparei-me com um grupo alargado de homens e mulheres - empunhando placas e letreiros (inspiradores dos modernos Outdoors) revoltando-se contra as guerras de então e, em especial, contra aquela exposição em concreto que decorria naquele museu - que permitia a miúdos como eu satisfazerem as suas pulsões de morte carregando no gatilho a torto e a direito.
- Politicos de esquerda, sindicalistas, católicos, líderes da sociedade civil e membros da população em geral - todos se revoltavam contra aquela exposição de guerra promovida pelo museu de Guerra que então visitara - e que, segundo aqueles protestantes não era mais do que um elogio macabro da morte.
- Hoje, à medida que as guerras se tornam mais reais e matam mais pessoas, compreendo as razões daquele protesto contra aquele tipo de divertimentos pela destruição, pela promoção dos chamados sistemas da morte do III milénio.
- Hoje, volvidos cerca de 30 anos, compreendo bem as razões contra aquele protesto que visava pôr fim à simulação da morte promovida por aquele museu, por incutir nas crianças, nos jovens e nos adultos que o visitavam uma certa ideia de "divertimento" cujo fito era banalizar e trivializar a guerra e o próprio valor da vida.
- Eis as minhas memórias de guerra vivenciadas ao lado de meu tio (a quem dedico estas memórias) - que as experimentou de muitas outras maneiras. Mas ao vermos as imagens de guerra (israelo-árabe) que hoje nos tiram o apetite à hora das refeições - percebi que devemos pensar que a Guerra é um Inferno e, por essa razão, devemos entender que ambos os lados estão morrendo por aquilo em que acreditam e por aquilo a que julgam ter direito. Nem que para isso tenham de pagar a factura com as suas próprias vidas. Isto dá-me que pensar, mesmo sabendo que a guerra é, de facto, um inferno.
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