sábado

Uma história de Jesus feito homem. O caso Jack Nebrasca

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  • Há escassas horas o 3º homem mais influente da estrutura religiosa de Carnaxide convidou-me para uma missa. Estava acompanhado de mulheres lindas e bem formadas, todas de bom coração, fui de peito aberto, apesar de gostar entar numa igreja só quando elas estão às moscas, quero dizer sem alminhas lá dentro, para assim gozar da minha intimidade entre eu e Ele. Mas desta vez tive de ir e fui, lá dentro assisti a umas prédicas, a uns salmos, a umas incursões bíblicas e ao processo de lavagem do pésinhos pelo padre à rapaziada que se sentava na 1ª fila. Confesso que gostei de presenciar, pois ver o padre, gordinho, rosadinho e, certamente, bem regado, ao bom estilo do Cardeal Saraiva Martins, de rabo para o ar a fingir que lavava os pés àquela malta, e aquela malta a fingir que estava a ser lavada, foi um fartar de rir. Para dentro é claro, porque a acústica da igreja é terrível. Denuncia-nos o suspiro através do eco, deveria ser assim com os actos de corrupção na Política à portuguesa - que era o nome duma coluna que fez sucesso durante anos no Expresso pela pena hiper-racional do seu director, José António Saraiva. Image Hosted by ImageShack.us Mas esta narrativa da lavagem dos pésinhos vale o que vale: umas pingas de água e uma massagem aos joanetes com umas toalhetes-turco manhoso, porventura compradas na loja dos 300. Nada mais. Mas atrás duma insignificância vem outra ainda maior, e foi aí que fiquei preso, cativado, como diria o Antoine Exupéry. Fiquei "agarrado" à história que me contaram à boca da igreja, já com aquela malta mais lavadinha, porque a xularada havia ficado no interior da igreja... Acho mal, pois por vezes dou comigo a pensar como poderá Cristo, plantado naquelas paredes, suportar aquele cheiro nauseabundo de tanto par de pés, com odores vários e alguns insuportáveis. Como é que alguém poderá dormir assim... Este companheiro começou por me perguntar se havia visto o programa do Prós & Contras de 2ª feira. Disse que sim, e até tinha feito uma reflexão ligeira sobre o assunto. Pois bem, este amigo começou depois por dizer que Jesus pregou mais por relacionamentos e não por regras, e a partir daí começou a invectivar o economista João César da Neves.. Tive de lhe pedir que baixasse os decibéis porque à boca duma igreja não se fazem comícios. Ele lá se acalmou, temperou a raiva o melhor que pode e desabafou, desabafou. No meio dos desabafos lá ia dizendo umas verdades verdadinhas: ele sentia que tinha o direito de ficar zangado quando os outros o desapontavam. Image Hosted by ImageShack.us E eu achei-lhe piada, porque, sem o querer admitir, acabara de praticar exactamente o mesmo defeito do que João César das Neves no dito programa que, entretanto, se converteu num programa sobre o aborto, que foi a melhor maneira de chamar nomes à Europa. Um século antes já Eça de Queirós havia feito coisa parecida quando pôs no seu romance Os Maias o Carlos Eduardo a ter relações incestuosas com a sua mana, Maria Eduarda. Pois o objectivo de Eça era demonstrar que o Portugal novecentista era um aborto, estava doente. Portugal, segundo Eça, era um corpo doente. No início da conversa, Jack, Jack Nebrasca, como era mais conhecido este companheiro, que havia emigrado para o Canadá há décadas e regressou agora por opção própria, entendia que só as pessoas boas seguem as regras, e as más estragam tudo. Depois, criticava o César das Neves porque ele seguia regras muito rígidas... Cedo desisti de o fazer ver que estava a entrar num beco sem saída com aquelas observações sobre práticas morais e religiosas, sobre os mais variados aspectos da vida. O homem rolava sobre bolas quadradas. Não andava, zigue-zagueava. Timidamente lá ia tentando explicar ao Jack, Jack Nebrasca, que pouco mérito havia em seguir regras só pelo facto de serem regras. Este canadiano casado com uma portuguesa não comprendia isso, e depois criticava a igual rigidez do César das Neves a discursar sobre a preservação absoluta dos casamentos tradicionais e as virtudes da família clássica, como se a Europa estivesse como está por causa destas micro-causalidades. Image Hosted by ImageShack.us Mas para o Jack Nebrasca o facto de uma pessoa seguir rigidamente as regras tal indicava a qualidade da pessoa, por isso ele enfurecia-se, fivaca mesmo possuído - como o César das Neves - quando essas mesmas regras não era obedecidas à letra. Quer dizer, segundo entendia o Nebrasca, o que ele defendia era o seguinte: ele nunca rejeitava a ideia de que uma pessoa boa pudesse sacrificar algumas regras para preservar os seus relacionamentos e a sua ligação à sociedade. Tentava compreendê-lo, apesar do seu radicalismo, tal qual o César das Neves na 2º feira a digressar pelos fundamentos da família e a crise de valores na Europa. Mas à medida que a conversa avançava compreendia que ele seguia religiosamente as regras, porque tinha medo de não ser considerado uma boa pessoa, tal como o César das Neves. Mas o Jack, tal como o eminente economista da Universidade Católica, com que por vezes tenho o prazer de trocar uns mails muito simpáticos, não compreendia uma coisa básica que me preocupava: compreender as diferenças entre a religião em que acreditava, na qual as regras têm primazia sobre tudo o resto, e a religião de Jesus, na qual os relacionamentos são o ponto nuclear.
  • E é aqui, creio, que bate o ponto numa discussão desta natureza. Jesus, não pregou uma filosofia de vida e não deixou um conjunto de regras para serem seguidas, Tal como O Príncipe de Maquiavel, mau grado a comparação. Jesus, creio, expressava-se por meio de analogias, oferecia princípios espirituais e falava sobre o amor como uma marca que distinguia aqueles que o seguiam. Ele dizia: Todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros", porque esta era a mais pura explicação da religião que Ele pregava. A religião de Jesus, e é aqui que reside o abissal contraste com a mediana prestação de César das Neves na 2ªfeira no Prós & Contras, era uma religião de relacionamentos e não de regras. Jesus era um Homem de diálogo, flexivel e não um homem rígido, impositivo.
  • Pelo meio mete-se a discussão do que é considerado vida e a partir de que momento e em que circunstâncias a mulher pode ou não interromper a sua gravidez. Tudo isto é, de facto, muito compelxo, envolve múltiplas variáveis, imensos juízos de valor, muitas opções de vida e o mais que só cada um, em rigor, conhece ou sabe gerir. É óbvio que isto jamais deverá ser a porta aberta para a legalização tout cour do aborto, que acaba por ser praticado por muita gente, mesmo entre os católicos da Católica. Às escondidas, é claro.
  • Mas confesso que não apreciei aquelas tiradas de João Cesar das Neves. É um homem inteligente e estuda estas questões e depois mitiga-as com a teologia, aproveitando o que sabe da Bíblia, das encliciclas e da doutrina social da Igreja e também do seu empenhamento de vida, que deve ser tocado com muita fé, naturalmente. Costumo lê-lo com atenção nas págs. do DN, e aqui o linkamos quase sempre na íntegra.
  • Mas no caso em apreço aquilo não foi mais do que uns truqes de dialéctica, alguma hermeneutica teológica, concertação argumentativa com o Cardeal saraiva e, de tudo, resultou uma baralhação que o pobre do Barreto não conseguiu dar resposta. A srª Fátima Bonifácio como historiadora deixa muito a desejar, e como cientista social revelou fraca capacidade de relacionação dos dados em jogo. Claro que é fácil falar a esta distância...
  • Mas a lição que extrai de tudo aquilo é que a religião de Jesus era sobre amor e relacionamentos, não sobre regras, muito menos as de César Monteiro, que quando se irrita fica possuído por uns pequenos demónios que fazem co que pela Páscoa lhe tenhamos de oferecer um espelho de modo a que veja a figura que faz e, na medida do possível, evite tais radicalismo futuramente. Sobre a família ou sobre qualquer outra questão essencial do nosso tempo. Nem a crise da Europa, como paroquialmente defendeu, se resume à fragmentação do núcleo da família.
  • E o mais curioso em tudo isto, é que fui chamado à atenção para esta explicação por um indivíduo que conheci na Igreja, chamado Jack Nebrasca, de 53 anos, casado com uma portuguesa de quem tem duas belas filhas, e agora regressou a Portugal para viver o resto dos seus dias. Curiosamente, foi um homem dos sete ofícios, e também teve a profissão de Jesus. Apesar de não ser um homem com grande formação intelectual poderia, certamente, ajudar César das Neves a reconhecer os seus próprios erros que decorrem de excessos.
  • Um dia disse-lhe que o que ele precisava era um blog, talvez aprendesse mais umas coisas. Tentei influenciá-lo nesse sentido, mas cedo constatei que as pessoas que têm antena assegurada na impressa escrita - como é o caso dele no dn - as pessoas fácilmente ficam alienadas e depois imaginam que o mundo fechou para obras e nada mais se passa em seu redor na polis.
  • Pois o mais difícil na vida, como ensinara Aristóteles, é encontrar o meio termo. É essa permanência, essa constância que lhe faltou no programa. Nessa e em muitas outras coisas. Mas ele ainda é jovem, e com o tempo há-de amadurecer. A Páscoa é uma boa Primavera para esse tipo de amadurecimentos, basta que ponha de lado alguma soberbazinha que o atinge e guarde alguma arrogância intelectual que por vezes não o larga e acaba por o diminuir. Qualquer alcofa da loja dos 300 guarda esses dois excessos sem problemas. Basta querer...
  • PS: Devo dizer que não conheço pessoalmente o economista João César das Neves. Embore costume comunicar com ele virtualmente. Aqui neste espaço, consabidamente, costumamos republicar os seus estimulantes artigos no dn, além de considerarmos também interessantes os seus livros da área da economia. É uma vox que faz a diferença no panorama nacional. É um homem de pensamento, que agita e interfere com o saber estabilizado, e isso é muito útil para a própria produção de conhecimento.
  • PS 1 - Esta reflexão mais o espelho em anexo são-lhe dedicados. Não sei se ele me lê aqui todos os dias, embora saiba que ele "tem muita honra em aqui ser republicado". Por mim, continuarei a ler os seus artigos no dn, pelo menos esses não espelham os excessos que ele denuncia quando se aventura por temas que ele julgar dominar como a economia. A vida é bem mais complexa do que a economia, já de si problemática. E a melhor solução para os nossos problemas é sabermos sempre resolvê-los segundo o nosso ponto de vista. Doutro modo, quando a igreja nos pretende impor certos dogmas, padrões o que for, devemos sempre lembrar que a vida, para uns tem sete gatos, para outros não tem gatos nenhuns. E em certos casos ainda, quando a discussão aquece por causa do aborto e do modelo de família a fixar, nem sequer percebemos se somos pessoas ou personagens. Como dizia o outro, a vida são as férias da morte. Por isso, prof. César das Neves, temos de viver fingindo que não sabemos que vamos morrer. Ao menos, no último dia de nossas vidas, que espero seja ainda distante, esperemos que haja sol...
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  • Dedicamos este post à tolerância, ao economista (e "teólogo") João César das Neves e, por maioria de razão, a Jonh Locke, inpirador dela: da tolerância.