quinta-feira

A multidão solitária de Marcuse e D. Riesman o efeito A.-Preto e a chusma de deputados que...

Quem não anda na política, baixa política, isto é, naquelas vias ínvias de arranjar a vidinha seja a que preço for, instrumentalizando tudo e todos, até a mãe, o pai, o tio reformado e a avó que já está no lar, sabe o que os cidadãos em geral pensam da classe política que os governa: uma mancha. Neste caso, reportamo-nos à multidão de deputados que foram de férias antecipadamente em nome da produtividade, da competitividade e, claro está, do sol algarvio e brasileiro na testa. Podiam fazer como o Paulinho das Feiras e recorrer ao solário, ou dar um passeio no Parque Eduardo VIII na companhia do cãe e dos primos que, entretanto, regrassaram compulsivamente do Conadá, porque a esses nem o Freitas os salvou. Mas adiante. Toda a gente sabe, dizia, que Portugal vive quase na indigência económica, somos os maltrapilhas da Europa, quase todos os países europeus nos batem em matéria de indicadores de desenvolvimento humano. Portugal, lamentavelmente, só se destaca nessas estatísticas internacionais pelos elevados índices (mas) é de corrupção, de burocracia e conexos. Toda a gente sabe que Portugal vive pendurado entre uma imagem da Europa que foi desenvolvimentista e modernizadora no passado; e actual imagem da Europa - paralisada, sem liderança e sem uma imagem de poder, um projecto de futuro fixado. Toda a gente sabe isto. Ora sabendo destes problemas, desvantagens e atrasos estruturais que são marcadamente nacionais, era suposto que o país-político, pelo menos aquele que diambula pelos Passos Perdidos da Assembleia da República, desse um sinal de esperança à turba, pregassem contra os desvarios da sociedade capitalista e de consumo que só nos endivida e penhora ainda mais, e nos torna "célebres" por aquelas "barracas" da corrupção, pedofilia e o mais; era suposto que a tal classe política, composta, compostinha dos senhores deputados (os tais 50 do PSD e os 49 do PS) reafirmassem os ideais de pobreza, de solidariedade, de frugalidade, fraternidade e liberdade. Já não digo que cantassem em uníssono o Jesus-Christ Superstar numa versão neo-cristã (o PCP e o BE jamais alinhariam sob pretexto de que estaria em curso mais uma campanha capitalista), num sincretismo de budismo zen mitigado com a moral hiper-consumista mas, pelo menos, podiam fazer um esforço para se moralizarem e moralizarem os outros: a tal fatia do Portugal profundo - que compõe a "tal" - toda gente que sabe" - quem eles são, de facto. Eles, neste caso, são os deputados como já se percebeu. Era suposto, ante a crise múltipla que o país atravessa, dado que são as finanças, a economia e o tecido conjuntivo da sociedade que estão em profunda ruptura e recessão, tivesse uma atitude sublime e invectivasse a sociedade da abundância fácil e elevasse os valores calvinistas identificados por Weber, ou seja, o trabalho, a poupança, o investimento, o lucro, tudo factores que teriam conduzido Portugal para outros destinos que não a ditadura dos mercados e os níveis de dependência conhecidos neste dramático contexto de globalização competitiva em que nos quadramos. Era suposto tudo isto, mas não, o que a (x)chusma de deputados faz é evadir-se da realidade, regressar a casa, beber nas origens, apanhar o avião, sol, praia, cocktails lusotropicais e muitas, muitas outras coisas que são boas e que a vida só concede aos mais afortunados. Hoje quando acordei a ouvir o que a TSF tinha para me dizer - pela boca do sr. deputado Vitalino Canas - vice-presidente do grupo parlamentar do PS - foi incrível: 50 deputados do PSD zarparam e 49 do PS seguiram-lhe as pisadas.. Não importa quem seguiu quem, um pouco como saber quem despediu primeiro o ex-Director-Geral da PJ - se o ministro Costa (que é um cadável adiado) ou o próprio director que ripou primeiro do colt a sua própria demissão). Será que foram todos para a mesma estância balnear de férias? Carcavelos, Parede - que dantes fazia muito bem aos ossos - por causa do iodo... Penso-penso, penso e não consigo identificar esses destinos "turísticús". Não queria acreditar no que ouvia, por ente encómios e lamentos do tipo: "logo se vê", "tem de se apurar responsabilidades", "lamento", "logo se vê" e "lamentos" - tudo palavras e expressões do sr. deputado Vitalino Conas. Confesso que com tanto pragmatismo Portugal vai longe com estes exemplos cimeiros que a nação que legisla oferece à outra parte da nação que trabalha. No mínimo, é exemplar. É uma peça política digna de museu politológico. Pelo menos, há que dizê-lo, nunca ninguém, dentro e fora de "portas" (esta não é nenhuma indirecta para Paulo portas..) poderá ser acusado de falta de "mobilidade" socioprofissional: os deputados partiram, foram para lá, e lá estão. São um grupo animado pelo bom salário, pela preguiça e improdutividade e, agora, também pela ausência colectiva. É o chamado efeito A.Preto, que um dia se recusou comparecer ao Ministério Público - acusado que vinha de actos de corrupção no famoso caso do jogo da mala levantado pelo Expresso - a pretexto duma fleubite no punho que o impedia de assinar. Melhor do que isto não há, e a nação percebeu acto contínuo sobre quem falamos, quem é, na realidade, esta gente e da ideia que têm e fazem para Portugal. Estamos, na prática, com este péssimo exemplo da chusma de deputados da nação, perante uma "multidão solitária", um conglomerado de homens unidimensionais numa sociedade a cores e a várias dimensões num país profundamente desigual e assimétrico, agora ainda mais com estes exemplos. Uma multidão de homens que detém um conjunto de funções integrados numa rede cujo o efeito é conseguir manipular as coisas dos seus semelhantes. São estes homens "heter-determinados", como lhes chamou David Riesman, que ora zarparam do hemiciclo a meio da semana para porem os nababos de molho.
Estamos, portanto, perante a chamada multidão solitária: sabemos que eles - os deputados existem - só que não estão lá. Como português, como simples cidadão deste país que amo Portugal, confesso que me sinto enxovalhado com esta conduta e esta prática orquestrada, disciplinada que tem o condão de remeter Portugal para o fim da "estória". Como português estes caminhos só podem traduzir a tal fuga do pensamento que aqui há dias recuperámos do Heideger. Ainda se esta fuga para a frente revelasse um caminho para a liberdade ou para a libertação, mas não!! Muitos deles, no avião, no barco, no comboio até estão, sem o saber, a potenciar as suas possibilidades de acidente ou de morte natural pela excitação de mais uma Páscoa - embora saiba que esta gente lava as mãos como Pilatos, e só se reportam a Jesus Cristo em vésperas de eleições. São, de facto, uma xusma que não interessa a ninguém. Quando recebo mensagens por sms por parte do PSD e assinadas virtualmente pelo actual Secretário-Geral do partido, o sr. deputado Marques Mendes (alertando-me para pagar as cotas a fim de poder votar nas directas), pessoa que muito estimo e pelo esforço de visibilidade que está a tentar dar de si, o que não é fácil, dá-me vontade de rir. Uma risada que sugere que párem com a porcaria das mensagens, porque as mesmas dispersam-me o raciocínio além de saber "quem sou eu" e "quem são eles". E se escrevo sobre o assunto é apenas porque devo esse tributo à sociologia da compreenção, para que fique melhor descodificado estas motivações dos homens que era suposto estarem a postos e legislarem com competência e brio, respondendo sempre à chamada. Mas não, fazer boas leis não está no seu horizonte, no seu horizonte e zenite está sim o Algarve, o Brasil e o raio que os parta...
Na espantosa mutação social e até civilziacional que julgo estarmos a atravessar, olho para estes 99 gatos-pingados e penso que se trata de pessoas completamente desinteressadas e desinteressantes, espectadores da sua própria decadência, homens perdidos que jamais deveriam estar onde estão. Mesmo a pretexto de fleubites e conexos... São os homens do cálculo e do calculismo, não da reflexão nem do pensamento. Conheço-os à légua, cheiro-os à distância, e antes de falarem sei o que querem, adinho o que dizem, como dizem e porque o dizem. Os políticos, hoje, são demasiado amadores e previsíveis. Também aqui pulula o efeito-Preto: é tudo demasiado previsível, evidente, amador, obtuso.
Em suma: vivemos o síndrome da multidão solitária do Marcuse e do D. Riesman. Sabemos que eles - os deputados - existem, só que não estão lá.
Um pouco como as massas monetárias nas malas pretas, amarelas, azúis, elas existem só que não estão lá... Nas nossas contas. E agora vou-me embora, porque também tenho de apanhar o abião para o Brasil... E sigo pela via mais cara: Pedras Rubras.
  • Este post é dedicado a dois filósofos e sociólogos do nosso tempo. A Herbert Marcuse e a David Riesman - autor do conceito - multidão solitária - que ora explica a execrável conduta dos senhores deputados. Este artigo foi feito com base em alguns conhecimentos desses dois legados, razão por que os homenageamos aqui. Este quadro é a mais recente criação do artista plástico John dos Passos, um pintor da nova vaga que veio da António Arroio e se radicou em N. Y., e Conadá. Depois, compulsivamente, teve de regressar à pátria e deslumbrou-se pelos Passos Perdidos da Assembleia da Repúbica, e assim foi baptizado em homenagem ao espaço que tanto o atraiu: a AR, excepto na Páscoa, Natal, Carnaval (lembram-se do Carnaval e das maldades de Cavaco..., lembra-se Jumento!!) e noutras épocas festivas. As demais - tanto faz, pois estarem ou não estarem a "merda" é a mesma (com aspas). Por isso, dedicamos esta criação ao seu representante-mor, o sr. deputado Vitalino Conas e pelas suas tão garbosas quanto dúbias declarações à TSF - e por intermédio deste a todos os deputados faltosos e pelo "belo" exemplo de "mobilidade" de Recursos Humanos que dão ao país. Especialmente nesta conjuntura social e económica. Pedimos desculpa por utilizar a palavra "merda" - que é um conceito emergente na sociologia política e aguarda adequada codificação e acolhimento pelos manuais do sector. O projecto semântico está em estudo, e logo-logo os reitores do Conselho Nacional de Avaliação, os tais "avaliólogos" - eu digo "restolhos" - , irão pronunciar-se. O que disserem nessa sede é lei. É aí que tiraremos as aspas à merda, ou então mandamos as aspas à merda, ou a merda às aspas, ou, em ultamio ratio, mandamos a merda à merda...