A tentação conjuntural do primeiro-ministro
Nota prévia:
É sabido que a entrada em acção da chamada Globalização Competitiva (GC) veio ainda baralhar mais as regras do jogo politico e económico. E a dificuldade acrescida reside na identificação das actuais condições operatórias do Estado nacional: o instrumento político-institucional e estratégico central na orientação das sociedades desenvolvids, e foi em relação a ele que se formaram toneladas de expectativas e redes de interesses organizados (alguns clientelares que brotam dos próprios partidos do poder) que agravaram ainda mais o estado da arte. Da tal conjuntura - que hoje quase se confunde com a estrutura, uma vez que até estas categorias da história dos Anais de F. Braudel e de M. Block também está hoje algo desmanchada e inoperacional. Os políticos governam mas já não controlam a par e passo a realidade que pretendem programar; a economia parece-se cada vez mais com uma enguia, segue leis próprias, assume comportamentos que ninguém prevê, segue o seu caminho e não passa cartão aos políticos que a desejam monitorizar. O resultado é uma incapacidade crescente de racionalizar as relações que se estabelecem entre a política e a economia, o poder e a competitividade dos factores de produção. Que ora nos tornam atractivos ora nos tornam respulsivos em face do investimentos exteriores e do conjunto dos operadores económicos e financeiros internacionais. No fundo, a perda de eficácia das condições operatórias do Estado nacional relativamente aos mercados, aos contratos, aos equilíbrios sociais (relação com os sindicatos) e em relação à circulação da globalidade dos factores produtivos que atraem e fixam capitais e consolidam as actividades económicas no quadro do exercício da soberania nacional, perdeu-se irremediavelmente relativamente ao passado recente. Na prática, e é isto que me suscita o artigo do economista César das Neves, a política tem um novo problema na economia, dado que as estratégias e as medidas que aquela estabelece para esta derivam cada vez mais de modelos sem correlação com a realidade - que ao mudar - já que tudo é composto de mudança como diria Camões - os modelos velhos ainda ficam mais falhos de previsão. Mas além do problema político e económico, como o articulista sistematiza infra, temos, creio, um outro problema: não dispomos de modelos de análise utilizáveis, ou seja, credíveis para medir a crise da política e da economia e, ao mesmo tempo, pensar em novos instrumentos de análise que possam - em segurança - substituir os anteriores sem agravar ainda mais o estado em que já nos encontramos. Resta-nos, pois, pedir que cada ministro faça um milagre. Mas esperemos que cada um deles não siga aqui o modelo de comportamento da srª ministra da Kultura que pretende regular o sector esperando que os agentes culturais privados - reporto-me ao caso Joe Berardo - orientem as suas vidas e racionalisem os seus interesses através de doações, ainda que a pedido da srª ministra da pasta - que não se percebe bem de como ainda não houve um milagre que a substituisse. Creio que hoje a economia pede muito aos políticos, que são uns desgraçados nas suas mãos. Mas o problema-mor - é quando os políticos são uns desgraçados, independemente da economia. É aqui que a globalização se torna perigosa. E pior do que um erro - pior se torna persistir nele; e pior do que isto é fingir que não se vê o erro. Até porque mesmo quando viramos costas ao touro ele não desaparece só pelo simples facto de que o deixamos de ver. Dantes, quando estávamos aflitos, recorríamos a tio Keynes ou ao tio Schumpeter - consoante a natureza do governo e a configuração e dimensão do problema a fim de estabelecer a rota de equilíbrio na evolução das economias. Em geral as primeiras regulavam desvios de curto prazo e dentro de espaços nacionais/Estados; as segundas - do tio Schumpeter - de quem o recém-falecido Peter Drucker dizia que era um mulherengo do piorio - regulavam os fluxos dos mercados internacionais mas integrados nos mercados regionais mais vastos. Hoje a GC dificulta a combinação destas estratégias mistas - por isso faz dos ministros uns "paus mandados", uns seres insignificantes da economia invisível que cada vez mais está omnipresente. Hoje parece-nos mais adequado recuperar mais o tio Schumpeter - já que o mundo actual é caracterizado por mudanças tecnológicas de tipo estrutural, que se desenvolvem no médio e no longo prazos, embora percam eficácia no curto prazo e dentro de espaços económicos mais exíguos, como o Estado nacional - a quem hoje se pede níveis de modernização e de coesão social (nessa tal quadratura do círculo) a que os políticos hoje já não conseguem atender. Daí o desvario e o reconhecimento de impotência gerado pela tal GC. Dantes a política e a economia eram amigas, amantes e cúmplices. Hoje só fazem aquilo que cada uma quer e já não há qualquer amor ou sedução entre elas. O ódio, o rancôr, a maledeciência - como em certos blogs da soit disant intelectualidade canina - substituiu aquele velho namoro que existia entre Política e Economia desfeito com a Globaliação Competitiva (GC).
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A tentação conjuntural do primeiro-ministro
João César das Neves
Professor universitário
Uma das maiores injustiças políticas da actualidade é a responsabilização do Governo pelo andamento da economia. Quando a conjuntura está má, as democracias costumam, não só exigir curas ao Executivo, mas atacá-lo se a situação se mantém. Embora sem provas, ninguém tem dúvidas de que os ministros são os causadores da estagnação, desemprego e atraso nacional. Isto, além de arbitrário, gera acções perversas que aprofundam a crise.
Nunca passaria pela cabeça incriminar políticos pelos eclipses ou pelo clima. Ora a situação do ciclo económico é pouco mais controlável que esses fenómenos naturais. O comportamento da produção, a complexa interacção de mercado, a influência de choques internacionais, os erros antigos, os imponderáveis das expectativas e tantos outros elementos fazem das flutuações económicas um dos temas mais intrincados e imponderáveis da vida moderna. Acusar disso os ministros é rematada tolice.
Em boa medida a culpa é deles. Os responsáveis gostam de acreditar na eficácia do seu poder e de usar os louros nas épocas de prosperidade. Raramente têm a humildade de confessar impotência perante o majestoso mecanismo da realidade. Por outro lado, a ideologia dominante, voluntarista e manipuladora, também contribui para esta situação. Assumindo o ser humano na cabine de controlo do seu destino, recusa-se a admitir a fragilidade dos nossos sofisticados instrumentos.
A evidência mostra que os ciclos se desenrolam pachorrentamente por cima de governantes competentes e incompetentes, através de políticas engenhosas e trapalhonas. Claro que as medidas têm efeitos, mas raramente mudam o enquadramento. O desemprego aumenta, apesar da maestria dos senhores ministros das Finanças e Economia. A crise um dia virá a melhorar, independentemente da sua eloquência e destreza. Quantos azelhas se viram consagrados como "génios da finança" pelo acaso da volatilidade? Quantos grandes governantes fizeram maravilhas ignoradas debaixo das dificuldades, sendo desprezados por maus resultados? O Governo não pode fazer crescer o produto, criar empregos, fomentar desenvolvimento. Quem trata disso são as empresas e trabalhadores, mercados e consumidores. Esta afirmação não é uma opinião político-ideológica, mas uma constatação objectiva. Tal como não é o Governo que cura doentes ou ensina alunos, também não lhe cabe produzir e vender. Ele tem, sem dúvida, uma função primordial, competindo-lhe governar, dirigir, orientar. Mas não fazer.
Um ministro nunca é, nunca pode ser, empresário. Porque não sabe, não vive, não sofre no meio mercantil. Aliás, se fosse um bom empresário, nunca iria perder tempo e dinheiro para a política. O mundo dos mercados é o oposto da realidade governamental. Os contratos comerciais nada têm a ver com lutas partidárias. A estratégia de mercado é oposta à táctica eleitoral. O segredo é a alma do negócio e a morte do político.
Mas, pressionados pelo jogo mediático, os ministros vêem-se na necessidade de assumir a responsabilidade da conjuntura, assim alimentando muitos erros. Quem pode censurá-los? Prometer criar milhares de postos de trabalho é tão tonto quanto assegurar centenas de dias de chuva. Mas se não o fizer, o político é triturado. Até porque, ao contrário da pluviosidade, na economia parece mesmo que se pode cumprir o propósito. O Governo consegue empregar pessoas ou subsidiar contratações, e assim proclamar o seu sucesso. Mas esconde que isso é pago com impostos que, por sua vez, arruínam empresas e deprimem a economia. O número líquido de empregos criados é sempre muito menor do que parece e frequentemente negativo. O jogo político desenrola-se à custa do agravamento do ciclo.
Também os famigerados Planos, de Desenvolvimento, Emprego, Tecnologia ou Fomento, sofrem do mesmo óbice. Quando se destinam a cumprir funções do Estado (criar infra-estruturas indispensáveis, prestar serviços públicos, afirmar a imagem nacional) são instrumentos preciosos. Mas esses raramente têm o brilho e influência que ganha eleições. Por isso a tentação para fingir que se empurra a economia é muito grande. Aí, o ministro deixa de fazer o que pode para estragar o que lhe escapa.
A actual situação nacional mostra isto bem. O melhor que o Estado pode fazer pela crise é poupar, omitir, encolher, emagrecer. Mas o país acusará o Governo se ele não fingir controlar a situação, estragando-a ainda mais. Terá o primeiro-ministro força para resistir?
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