Soares sofre de Forclusion
No passado recente dissemos aqui que a candidatura de Soares era despropositada, irrealista e até mesmo caricata. Padecia de projecto, de oportunidade e até de fundamento político. Não fora os comissários de campanha e a própria ilusão da realidade que o putativo "pai da democracia" se arrogava, Soares furtar-se-ia a esta humilhação: a maior humilhação política da sua vida que o irá, em boa parte, subtrair à história. Hoje Soares revelou aquilo que já aqui dissemos dele: tem maus figados, não sabe perder, não conseguiu digerir essa humilhante derrota. Naquele debate televisivo que opôs Soares a Cavaco apreciei a paciência que Cavaco teve para com ele, que só faltou ofendê-lo pessoalmente. Soares foi mesmo grosseiro, desceu à valeta e hoje, claro está, envergonhou-se por do outro lado Cavaco ter tido a temperança de Madre Teresa de Calcutá e nunca lhe respondeu à letra, qui ça para poupar Soares a um ataque cardiaco em pleno directo.
- Confesso que eu não teria tido aquela endurence psicológica que Cavaco demonstrou ter - revelando, ao mesmo tempo, que dominava as questões incomensuravelmente melhor do que Soares, que se fica sempre pelos prefácios que ele vai lendo nos intervalos das conversas e enquanto não adormece. Nem mesmo Sampaio lhe teria dado tanta rédea. Digo mesmo: se fosse com outro candidato - e tomando em linha de conta as ofensas que no plano pessoal Soares dirigiu a Cavaco nesse tal debate - o estúdio poderia ficar partido, porque os cinzeiros poderiam bem começar a voar. Cavaco percebeu isso, e deu o desconto ao homem que hoje demonstrou, mais uma vez, a sua faceta e carácter não cumprimentando o novel chefe de Estado empossado. Por outro lado, Soares fica portador duma dupla inveja, já que o sentimento que nutre por Cavaco ainda é mais agravado por Sampaio - a quem nunca creditou um tostão de credibilidade política. Bom, mas isto são peanuts e não explicam a verdadeira motivação e conduta - lamentáveis diga-se de passagem - do velho leão que hoje está ferido de morte.
- E como foi derrotado nas urnas e humilhado por M. Alegre - oriundo das suas próprias fileiras ideológicas e seu compagnon de route - essa derrota tem ainda um sabor mais amargo, mais humilhante e degrante no plano político. Se fosse a ele nem lá teria posto os pés, assim foi notado e tipificado de grosseiro. E bem!! Um pouco como aqueles "amigos" que temos e que por vezes fingem que não nos conhecem, mas representam a coisa tão mal-tão mal que só apetece nunca mais lhes passar cartão. Infelizmente, conheço alguns desses cromos, daí que este diagnóstico também se lhes dirige. It´s free. Vejamos porque razão estes cromos, que são uns pobres de espírito - na vida política e civil - actuam como actuam, reagem como reagem. O que os move a ser como são, afinal?? Problemas de infância? Uma personalidade tortuosa - que receberam duma herança genética problemática e agora reproduz ainda mais essa violência patogénica? Frustrações pessoais? Inveja? Soberba? Ira? Gula? Provavelmente, um pouco de todos estes pecados capitais.
- Como sabemos, foi Luís Vaz de Camões quem melhor descreveu a alma dos portugueses. E não foi por acaso que Os Lusíadas - terminam com a palavra-conceito que, infelizmente, melhor nos caracteriza - equanto personalidade colectiva. Diz ele: Sem à dita de Aquiles ter inveja. De facto, esta pecha não nos tem largado, é uma praga que vai aumentando o rancor no coração dos homens (sobretudo, nos mais pobres de espírito) e que acaba por ter reflexos na nossa personalidade colectiva, na forma de organizarmos a sociedade e a economia, o conhecimento, a produção, a ciência & tecnologia, a distribuição de bens e serviços que funcionalizam o tecido conjuntivo duma sociedade.
- É aqui que entra a psicopolítica - sempre presente em todos os nossos gestos, por acção e por omissão. Daí que este diagnóstico também se lhes dirige, no intuito de os ajudar a serem menos pacóvios, menos tontinhos, menos cínicos e menos dúplices - pois são sempre eles, os verdadeiros portadores deste rancôr que se apodera de seus corações - que sofrem e depois, quando se arrependem, fazem figuras ainda mais tristes. Alguns geram compaixão, numa palavra: dão pena.
- Avaliar a conduta narcísica e completamente egocêntrica de Soares, hoje na posse de Cavaco é apenas um reflexo desta sintomatologia mui nossa, infelizmente mui lusa que nos tem, sobremaneira, atrasado e subdesenvolvido. Por vezes mesmo até humilhado.
- Mas isto implica um 2º filtro de análise que clarificará ainda mais estes comportamentos pacóvios e estruturalmente invejosos por parte daqueles que cultivam esta provinciana maneira de ser e de estar na vida. E é curioso que este tipo de condutas emane daqueles que se dão ares de homens de pensamento livre, cosmopolitas, bem formados, bem intencionados, íntegros, solidários, altruístas quando, na realidade, não passam de pessoas sobranceiras, mal intencionadas, que recorrem à chantagem e à coacção psicológica, à gestão cirúrgica dos silêncios ensurdecedores, enfim, a uma multidão de fios comportamentais a fim de satisfazerem as suas miseráveis motivações, pulsões e demais chinesices típicas de gente pobre de espírito e dolosa.
- O termo que melhor enquadra esta conduta estrutural ainda tão enraizada na sociedade lusa é FORCLUSION, que reflecte esse espírito de rejeição psicológica que impende sobre um homem, um grupo, uma organização ou instituição. Embora seja mais visível e materializável quando se refere a um homem. Soares, quer se queira quer não, acabou hoje por preencher esse tipo de conduta mesquinha ao fazer mais uma birra egocêntrica ao não se disponibilizar para cumprimentar Cavaco no acto de investidura. Mais uma vez Soares foi igual a si próprio: um hom ressabiado.
- Forclusion foi, aliás, um conceito introduzido por Jacques Lacan na psicanálise, e designa precisamente essa rejeição pelo indivíduo de representações (políticas e sociais) que - por ele não estar no centro das atenções - (ele) acaba por não poder suportar. Foi isto, em rigor, que Soares hoje sentiu ao deslocar-se à AR para assistir de longe ao acto de investidura. Mas a Soares foi hoje interditada o direito à palavra. Ora quando esse processo impende sobre aquele sujeito/actor político que precisamente está habituado - diria mesmo rotinado - a ser o centro das atenções, o íman para onde todos eram atraídos - se vê hoje politicamente indiferenciado. É aí que sobrevem o tal sentimento de rejeição que, consoante os casos e o tipo de personalidade, é mais ou menos acentuando.
- Em alguns casos, esse tipo de rejeição desenvolve-se através de alucinações, e inscreve-se num conjunto de mecanismos de defesa - eles próprios geradores - de situações psicóticas, que depois abrem caminho a doenças mentais onde a relação entre o sujeito e realidade exterior é perturbada significativamente.
- Lembro-me, por exemplo, quando ainda frequentava a faculdade, de ter um professor que nos deixava sempre a dormir nas respectivas aulas, de ter a seguinte conduta 20 anos volvidos a Revolução de Abril. Trata-se de alguém que tinha sido ministro de Salazar e depois deixou de ser ministro, perdeu estatuto, condição social, financeira, etc. E com o passar dos anos esse sentimento de privação transformou-se num sentimento de castração. Era como se o dito cujo tivesse ficado sem "pilinha" ante o imenso sexo oposto que o esmagava. O homem em causa tinha tanta afeição pelo poder e pelo status que tudo aquilo lhe conferia uma importância desmesuarada e uma aura que jamais queria perder - volvidos os tais 20 anos depois de Abril - e ainda se supunha ministro de Salazar. E reagia em conformidade. Na conduta, nos tiques, nas palavras - tudo aquilo era um espectáculo decadente de forclusion, de recalcamento acentuado que, pura e simplesmente, se traduz em não aceitar a nova realidade e obedecer às novas regras do jogo. Infelizmente, ainda existe por aí este efeito de restolho - que depois se transmitiu a muito discípulo igualmente recalcado que também não soube lidar com a situação, embora procurem todos dar uma imagem de gente sóbria, solidária e aberta - quando, no fundo, não passam de ressabiados e vingativos homens que não souberam matar o "pai cultural" que tiveram - o segundo Salazar - que os formatou mentalmente e, ainda hoje, padecem desse mal que acaba por interferir sobremaneira com toda sua psico-comportamentalidade. São os novos bárbaros que andam por aí a quererem ser ministros e outras coisas que tais.
- Este pequeno exemplo compagina-se bem com a conduta de Soares na tomada de posse de Cavaco - e a conduta de muitas outras pessoas recalcadas que andam por aí a representar quem não são, com a máscara do dominó colada à cara mais parecem uns palhaços de circo.
- Por isso, o conselho, se me é permitido, que damos a Soares e aos demais casos que prefiguram este tipo de patologia, dentro e fora da política, dentro e fora da academia e da empresa, é o de esquecerem esses resíduos do passado, sem os quais os recalcamentos também não desaparecem. Só por essa via os recalcados conseguem desembaraçar-se desses recalcamentos que são avivados sempre que há festa na Ágora política, ié, no Parlamento em que Não há festa nem festança onde não vá a dona Constança... Para (re)citar le petit grand Tony Vitorino - que já conseguiu ser mais imparcial e justo do que marcelo, o que também não é difícil, convenhamos.
- No caso de Soares - que conhecemos em contexto eleitoral - em que disse as maiores barbaridades, teve as maiores omissões e lapsos, cometeu as maiores injustiças para com os seus concorrentes - e dado que a idade avançada era suposto dar-lhe alguma temperança e calo, veio a confirmar-se algo problemática. Isto porque o velho leão da democracia portuguesa (já ferido), foi afastado do território que dominava, dos satus de que gozava, das fêmeas e dos recursos alimentares que controlava. Tudo isto gera uma situação gritante de privação aguda com que alguns não sabem lidar. E quando assim é tem lugar a tal perda da função simbólica que impede ao sujeito medear a distância em relação às coisas e aos processos de socialização emergentes.
- Isto é tanto mais grave quanto a realidade se torna uma imagem. E estas, por vezes, geram delírios paranóicos que nos matam depois de já termos morrido. Quando não se reconhece isto não se percebe nada. Sobretudo em política.
- Esta reflexão é dedicada a dois grandes mestres do nosso tempo: a Jacques Lacan (autor do conceito Forclusion) e ao mestre dos mestres S. Freud (que o inspirou) - um intemporal que ainda hoje nos ajuda a perceber quem somos e porque somos, por vezes, tão anormais - por contraste com Sampaio - que é, como se sabe, demasiado "normal" para não dizer mediano - segundo os cronistas da conjuntura. Mas as nações precisam de outro tipo de matéria-prima humana. Precisamos, sobretudo, de menos normalidade e menos medalhas que já atascou o país, e mais excepcionalidade. Estaria o nosso tecido empresarial "bem lixado" - permita-se-me a expressão rude, se o empresariado luso fosse a atirar para o "normalóide". Ainda estaríamos a "importar" bananas da Madeira com Alberto J. Garden a colocar o visto nos cachos ali à saída duma qualquer fronteira arquipelágica. Regra geral, a normalidade política - seguindo o padrão luso dos últimos 10 anos - conduziu ao amarfanhamento da nossa alma colectiva - que ainda é, lamentavelmente, muito futeboleira, hiper-emotiva e autodestrutiva. Numa palavra, Portugal não pode nem deve converter-se num tique de carpideira que nos lentifica, que nos deixa a saudade do fado - que nos mata aos poucos e rouba energia para o essencial. Factores que nos afastaram da Europa a olhos vistos. E nem é preciso olhar para a treta dos Relatórios do PNUD que todos os anos dizem o mesmo, empurrando Portugal cada vez mais para a cauda da Europa. DE tal forma que já nem há cauda que aguente o nosso peso de pluma ultra-leve. É assim que vejo a última década com epicentro em Belém. Um lugar de representações socio-políticas que adiaram Portugal muitas décadas. E quando um rei é fraco, como diria o Luís Vaz, faz fraca a gente forte. Confesso ter as maiores expectativas relativamente a Cavaco. Talvez exageradas, resultado de quem está de sequeiro há uma década = 4380 dias. É muito dia, é muito discurso, é muita verborreia, é muita lágrima. E com isso muitos tugas morreram afogados nestes tanques do vazio de Portugal. E os que não morreram afogados agonizam hoje pelo trabalho de cifra que têm pela frente ao tentar decodificar montanhas de papéis que já nem vento os quer levar... Eis o preço a pagar quando as circunstâncias mandam e moldam as pessoas, e estas, coitadas, hesitam sempre entre não fazer nada e nada fazer. O resultado está aí: muitos colares e medalhas que atendem aos egos dos políticos - hoje cada vez mais afastados do Portugal real.
<< Home