António Vitorino reabre o dossier "Energia" em Portugal. E bem!!!
Nota prévia:
António Vitornio faz mais uma reentrada no dossier "Nuclear" em Portugal. Não sabemos se é Sócrates quem lhe pede, se é Vitorino que se voluntaria. Seja como fôr é de homem, já que Vitorino despede-se de dois preconceitos que são, aliás, mui saloios na nossa praça analítica e no exíguo mercado de ideias: não receia discutir o nuclear em Portugal; e depois também não receia dizer à rapaziada do conceito eco-fundamentalista que as suas ideias já eram intragáveis e subdesenvolvimentistas na década de 70. Não vem mal ao mundo discutir esta opção, e, se possível, quantificá-la e clarificá-la, salvo se os abafadores do costume, desta feita de esquerda e ecologistas entre outros reacças disfarçados de conservadores e monárquicos (brancos, pretos, amarelos e azúis), queiram abafar o assunto no burgo sob a capa de que são eles os germens salvíficos do planeta. Em português corrente, a leitura de Vitorino é, de facto, a mais realista e a que acautela melhor os interesses estratégicos de Portugal em matéria de política energética. Vale a pena ouvi-lo e meditá-lo com atenção, pois ele é o termómetro do regime, e através dele também se consegue perscrutar o batimento cardiaco de Sócrates. Nem que para isso tenha de mandar às malvas alguns conservadores de aviário que vivem dos rendimentos da antiglobalização e que pululam (dentro e fora do governo) a quem Vitorino possa também sugerir um repasto de ervas doces ali na Serra da Arrábida aos ditos - ecofundamentalistas do costume. Com eles as caravelas das Navegações (ainda) estariam amarradas em Belém - olhando temeratamente para a barra do Tejo. Em rigor, esses ecofundamentalistas opõem-se a tudo, até a eles próprios, e parece que já nem comem só para não...
Segurança humana
António Vitorino
Jurista
A referência à "segurança" constitui hoje um tema obrigatório da nossa vida pública. Reportamo-nos normalmente à segurança de pessoas e bens face a um sem-número de ameaças ou riscos potenciais: desde a proliferação de armas de destruição maciça até às ameaças de pandemias, passando pela acção do crime organizado ou dos grupos terroristas.
Pode dizer-se que há um crescente sentimento de insegurança, potenciado, aliás, pelo próprio processo de globalização que vai derrubando referenciais clássicos de estabilidade.
A deslocalização de empresas representa uma ameaça à segurança dos postos de trabalho nos países desenvolvidos tanto quanto a globalização comunicacional nos aproxima das catástrofes naturais ou dos actos de terror que fazem realçar as nossas próprias vulnerabilidades quotidianas.
A ideia de segurança humana anda, assim, intimamente associada à ideia de desenvolvimento sustentável.
No fundo, muitos dos riscos e ameaças com que estamos confrontados resultam, directa ou indirectamente, da nossa própria acção, individual ou colectiva e, nessa medida, podem e devem ser prevenidos.
A consciência dos riscos e das ameaças à segurança humana é, pois, o primeiro passo para esconjurar fantasmas e prevenir roturas sérias nas nossas próprias sociedades.
Estas considerações vêm a propósito de uma iniciativa da Comissão Europeia divulgada esta semana sobre segurança do aprovisionamento energético na Europa.
Neste momento as necessidades energéticas da Europa dependem em cerca de 50% de fontes externas e os relatórios oficiais apontam para que esta dependência tende a aumentar significativamente nas próximas décadas (estima-se que em 2030 a dependência em petróleo seja de cerca de 90% e em gás de cerca de 70%).
Esta realidade coloca em simultâneo um problema económico e um problema político.
Do ponto de vista económico, torna-se evidente que a capacidade competitiva da Europa e a qualidade de vida dos seus cidadãos dependerão cada vez mais de factores externos ao próprio livre-arbítrio dos europeus.
Ora, sabendo que certas regiões fornecedoras de energia, desde o Irão à Nigéria, passando pela Arábia Saudita, pela Ásia Central ou pelo Iraque, são caracterizadas por profunda instabilidade política e social que não tenderá a diminuir, é bem natural que as empresas e os cidadãos não possam deixar de integrar nos seus cálculos futuros o impacto exponencial dos previsíveis aumentos de preços dessas fontes energéticas no nosso modelo produtivo e nas nossas próprias condições de vida quotidianas.
O que passa tanto pela inovação tecnológica a introduzir nos processos produtivos tendo em vista controlar as necessidades energéticas como pela nossa maneira de usarmos - e abusarmos - da viatura individual.
Daí que quando falamos de segurança de aprovisionamento tenhamos em simultâneo que equacionar a temática da poupança energética sem a qual uma estratégia de garantia de abastecimento resulta sempre comprometida nas suas próprias finalidades.
Do ponto de vista político, o desafio que se coloca é o de integrar com consistência a política energética no âmbito mais vasto da política externa europeia.
Com efeito, resulta evidente que conjuntamente os países europeus terão sempre melhores condições para contratualizarem com os países de origem condições e garantias de abastecimento que melhor satisfaçam todos os interesses em presença e simultaneamente confiram um horizonte de estabilidade e de previsibilidade necessário às empresas e aos cidadãos.
Mas para que esta voz comum na ordem externa possa efectivamente corresponder às necessidades da economia europeia torna-se indispensável assumir com rigor e credibilidade uma estratégia consequente de inovação tecnológica e de implementação de energias alternativas, de molde a negociar com base em posições de razoabilidade e não numa postura de voragem energética que pode ser fonte de novas desigualdades à escala global.
É que convém não esquecer que as necessidades energéticas das potências económicas emergentes como a China e a Índia também estarão presentes no mercado e aos seus cidadãos também assiste de pleno o direito de beneficiarem da segurança humana de que tanto falamos no Ocidente...
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