Portugal da Tabacaria - sem Metafísica
- Ver Sócrates no Parlamento a anunciar o pacote de medidas que conduzem à subida geral dos preços, deixou um traço de surrealismo político que aqui se regista. Lembrei-me logo dos portugueses mais pobres. O que pensariam eles ao ver ali na AR, aquele senhor bem vestido e bem-falante, qual designer de moda, cultor do estilo franco-italiano e com o corte de cabelo à G. Clooney!? Eis algumas conclusões a que chegaram: a vida em Portugal é uma espécie de cinema dos pobres. Estão permanentemente às escuras e sem intervalo. E como não têm lenço de papel assoam-se ao jornal.
- O desemprego, a info-exclusão social, a falta de empreendedorismo (produtividade e competitividade) juntam-se ao desencanto, miséria e à fome. Tudo é mais do que uma mera de falta de apetite. O problema estrutural da pobreza em Portugal, dirão outros, decorre do facto de os pobres não terem dinheiro. Ao invés, os ricos querem mais para terem mais, os pobres querem mais para terem menos. Eis o balanço daquele conjunto de medidas de agravamento fiscal que fere a competitividade das empresas e aleija ainda mais a carestia das famílias e das pessoas individualmente.
- Outra leitura do problema resume-se ao seguinte: não se percebe como é que a classe média-baixa, com filhos (pagando a prestação da casa e do carro), alguns doentes e miseráveis, consegue ainda arranjar tempo para andar a pedir esmola. Ante este cenário depressivo em que os portugueses vivem já há algum tempo, ou seja, desde Guterres (cuja sombra persegue Sócrates), Cavaco (cuja sombra persegue Durão, especialista em fazer novos amigos, todos multimilionários) e Santana (que se ensombra a si próprio - e anda por aí a inflacionar a estatística do desemprego) dá vontade de dizer que os pobres em Portugal nunca têm jantares de negócios.
- A verdade é que não têm negócios, e não raro, nem sequer jantares. Outro pobre da zona Euro, atingido quase mortalmente pelo IVA, IRS e o mais, dirá: como os ricos nem sempre são felizes, os pobres não têm razões para os invejar. Nos EUA, por exemplo, alguns pedintes já aceitam cartões de crédito. Mas muitos têm o cuidado de advertir, com o dedo em riste, que ser pobre não é uma virtude! E quanto mais pobres e miseráveis as pessoas são em Portugal, menos miseráveis se tornam na escala mundial. Também aqui a pobreza merece análise (estatística) comparativa.
- Mas adiante, dirá outro actor desta cena impressionista: Portugal está tão mal, tão mal e os pobres têm tanto azar que quando chove sopa dos céus só têm garfos nas mãos. Enfim, os pobres, especialmente em Portugal, não sofrem da tentação da carne. Agora, dirão outros, é a falta dela.
- O leitor já percebeu que estamos perante o “Portugal dos pequeninos”. Qual versão de BD comercializada na Feira da Ladra. Eis a imagem social de Portugal. Outro actor deste teatro reclamará ainda: se um indivíduo pode ser preso por mendicidade, por maioria de razão, deveria ser preso por mediocridade. E aponta o dedo aos três últimos primeiros-ministros. Mas a coisa agrava-se porque nem aqui a lei da compensação funciona para o lado mais fraco: os pobres têm doenças estranhas, nunca diagnosticadas e os ricos têm dinheiro para os remédios.
- Ouvi tudo isto da boca destes amigos que desabafavam após terem ouvido Sócrates, com uma singular espessura política, no Parlamento. A Espanha é agora o diamante do mundo. Portugal é o carvão. Um é o sol que reina Terra; o outro uma nódoa no céu. E quando as coisas não andam bem, do que se precisa é de um pensador, o homem que tem uma doutrina que ilumine as ideias e guie a acção. Logo, é um disparate tocar stradivarius quando Roma (perdão Portugal) está a arder (cujo rastilho foi ateado por Durão), embora haja toda a razão para que se estude hidráulica durante o incêndio.
- Depois disto fui reler Pessoa na Tabacaria: Fiz de mim o que não soube, E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pregada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. Deitei fora a máscara e dormi no vestiário, Como um cão tolerado pela gerência. Ora eu que não sou sublime fiquei triste, quase chorei e pensei (como O´Neill): andamos engravatados todo o ano e assoamo-nos à gravata por engano. Tropecei, caí e esbarrei (não contra o Esteves) mas com Portugal (já sem metafísica)!
Dedicado a três amigos que ontem me ajudaram a representar. Uma representação que até parecia realidade. A três amigos que vêem, ouvem, pensam e sentem:
- José Adelino Maltez - fala por si e já é íntimo dos deuses, mas não partilha connosco o telemóvel de Deus...
- Fernando Ferreira - que peca por não saber o valor que tem: pensa mas não escreve; concebe mas não fala. Fala mas não executa. E é uma pena, milhares delas a voar... Será que ele sabe do valor que tem, ou não quer saber porque é branquinho e cora facilmente?! Seja como for, é um camaleão a pensar... Lento mas sólido. Vemo-lo infra, de perfil, translúcido quando chega a Campo de Ourique. Dantes não usava chapéu nem bigode...
- Alexandre Sá - um filósofo perdido em Coimbra (ainda pouco democrática) - terra de juristas, médicos e muito feridos.
- Este aqui sou eu. Julgo que me estou a ver ao espelho, mas é um retrato do meu "bloganço". Ao vento... Ao lado, estamos nós os três no Stick a jantar para enganar a barriga... O que a gente quer mesmo é conspirar de quando em vez... Conspirar contra os "restolhos" que restam e a favor do futuro.
Isto aqui é para eles - com um abraço amigo do Alberto...
- Da Amizade
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