domingo

A sociedade Tecnoberg - um tributo a René Armand Dreifuss

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  • Volvidos mais de dois meses sobre a tomada de posse do governo de Sócrates, é útil desenhar o mapa das intenções e das cores que fazem a cartografia do novo Portugal. Então emergiu um homem novo. Um estilo novo. Uma comunicação política diferente: mais austera, curta e incisiva. Contudo, será isto bastante para estruturar uma nova política? Há quem diga, como António Barreto (Público, 8/5/05) que a justiça deriva, a educação resvala, a segurança social afunda-se. As exportações diminuem. O défice agrava-se. E a corrupção continua. Todos o sentimos.
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  • Sendo ainda prematuro dispor dum juízo estabilizado governar, hoje, é estar imerso num processo de profundas e abrangentes inovações científicas e tecnológicas, e transformações políticas e societárias. A Europa, Portugal, estão também no epicentro desse “vendaval”. Soprado por uma perplexidade: o fim das certezas (académicas, intelectuais, políticas e partidárias).
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  • Determinando uma séria de mudanças em todos os domínios e manifestações da vida societária e estatal, entre os quais: aceleração tecnológica e reestruturação produtiva; formação de corporações estratégicas; criação de macromercados; formação de elites orgânicas globais; novas percepções geoeconómicas e geopolíticas. Tudo isto encerra hoje Portugal num “colete-de-forças” que exige uma reconfiguração societária somada à própria reformatação do Estado, dirigido por Sócrates.
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  • Ora, é neste fio da narrativa da modernidade que importa fixar a linha de rumo que o mapa orienta. Mas que mapa, se Portugal navega à vista!? Eis o que me preocupa: gerimos os tostões, não sabemos dos milhões. Temos palpites, mas não ideias nem projectos estruturantes. Se os temos são em baixa intensidade que não atinge aquela massa crítica necessária para fazer mutações tecnológicas sem rupturas sociaies. Elaboramos o diagnóstico (como A. Barreto), mas somos incapazes de ver além do horizonte e do zénite. Algum português, porventura, até do próprio governo, saberá responder a algumas daquelas linhas de força (mercados, tecnologias, elites)?
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  • Como sair deste círculo vicioso? Julgo, à cabeça, que Mariano Gago (ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) – que se entende bem com Sócrates, terá um papel fundamental na reconstrução nacional do capitalismo planetário. Ele sabe, como ninguém, que os break-throughs científicos é que impulsionam e condicionam uma extensa rearticulação do sistema produtivo mundial, alimentada, por seu turno, pela globalização tecnológica e pela (re)funcionalização do Estado.
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  • Sabendo isto, que fazer? Senão transformar as bases científico-tecnológicas do país, entronizar as escolas/universidades (capacitando-as em automatação, robótica, microelectrónica), enfim, integrando-as pelas telecomunicações de produção e consumo nacionais. Talvez assim Barreto possa depois dizer que as exportações estão a aumentar…
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  • Mas será o Estado, isoladamente, que fará esta transformação? Naturalmente, este complexo de funções carece da cooperação de outros agentes de transformação societal. Pois sabemos que o Estado não tem uma especial vocação para produzir informação em larga escala, designadamente naqueles eixos nucleares (Telecomunicações, Electrónica e Computação). Que, de nada servem, se não se acoplarem às Ciências Cognitivas, da Vida e do Espaço, aos Neomateriais, à Biotecnologia, à Optomatrônica, às Energias Alternativas, à Robótica, à Genética e aos Serviços e componentes “inteligentes” introduzidos no coração desta nova sociedade. É a este efeito de “montanha tecnológica” que podemos chamar a sociedade tecnoberg.
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  • Este conceito de Tecnobergs -foi, curiosamente, desenvolvido por um politólogo. René Armand Dreifuss, um dos mais brilhantes cientistas politicos da actualidade, falecido em Maio de 2003. Com um pensamento prolixo e apresentado com uma fina prospecção e ousadia, sempre pronto a enfrentar a verdade científica, mesmo que isso custe confrontar os fios que tecem as teias do poder. Envolvido nas múltiplas articulações que constituem o sistema de produção global, Dreifuss teve a lucidez de desvendar os vínculos que alimentam os interesses das diferentes corporações e a forma pela qual alimenta os pólos de desenvolvimento tecnológico e de produção à escala global. Dreifuss apresenta uma investigação rica e minuciosa acerca das mutações tecnológicas, situando dois conceitos-chave elaborado no seu livro - A era das perplexidades, já há uma década.
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  • Em que defendia que as valências das tecnologias informáticas, auxiliadas pelos satélites, gerariam a tal sociedade tecnoberg. Seria a potência - da teleinformática e dos satélites - que consubstanciaria o tal capacitador que alimenta e retroalimenta as diversas descobertas científicas, além de ser o suporte que viabiliza o novo modo de produção das novas organizações sociais da produção, que hoje está cada vez mais transnacionalizada e globalizada.
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  • Foi a partir desse duplo conceito - de alimentação e retroalimentação - que o politólogo Dreifuss reelaborou - com o auxílio dos sistemas de comunicação global - o significado das sociedades digitalizadas contemporâneas. Encurtando as distâncias do planeta, propiciando inovações nos domínios da mobilidade de bens, serviços, capitais e pessoas, agregando valor, valorizando grupos sociais de baixa condição socio-económica, mas também explicando as formas pelas quais os povos do eixo Sul-Sul (mais pobres) ficavam marginalizados no acesso a esses bens culturais que se tornaram hoje de primeira necessidade. Foi todo esse complexo capacitador que delineou um novo paradigma cognitivo e reformatou as configurações societárias.
  • Por fim, Dreifuss, o tal politólogo que os homens das chamadas ciências duras se habituaram a respeitar, retomou os conceitos de mundialização, globalização e planetarização. Revelando a forma dinâmica que esses fenómenos e tendências redesenham as configurações e as hierarquias de conhecimento, de produção e de poder nas organizações - hoje cada vez mais mutáveis e sofrendo esse efeito permanente (de montanha tecnológica) que contribui para a recomposição em virtude da investigação & desenvolvimento que as nações e as estratégias supranacionais levam a cabo.
  • Regressando à terra e ao universo de interesses e estratégias de ciência & tecnologia em Portugal, convém referir que sempre que Mariago Gago ocupa a pasta da Ciência & Tecnologia esta área (de fronteira) beneficia de um incremento. Não sendo Portugal um país rico (em capital e ideias), talvez fosse útil integrarmos todos estes sistemas de pesquisa científica e aplicação tecnológica globais criando, formal e informalmente, fusões científicas, tecnológicas e produtivas nestas áreas de fronteira. Eis o que deduzi da sua entrevista à TSF sábado último. Tais reformas passam por “limpar” a Universidade de elementos perniciosos ao sistema, que a bloqueiam e asfixiam. O sucesso das reformas do país passará por aqui. Pelo fio por onde flúem as condições de modernidade e de inovação, renovação e adaptação do parque científico-tecnológico e da malha humana de Portugal. O sucesso dependerá do conhecimento criado/acumulado e aplicado. Eis a commodity do séc. XXI.
  • Se tivéssemos que dedicar esta reflexão a alguém, seria a todos os investigadores que em Portugal se esforçam por fazer a diferença, nos domínios das ciências sociais e das ciências duras. E, por todos, em memória de René Armand Dreifuss, nosso colega, doutor ilustre em Ciência Política pela Universidade de Glasgow, e coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Foi alguém que acreditou na possibilidade de o homem transformar a realidade, como fez Miguel de Cervantes (no seu D. Quixote), submetê-la aos seus ideais. Por isso, vale bem a pena fazer aqui - singelamente - essa evocação. E fazemo-lo invocando algumas das suas últimas palavras:
  • Ser justo é uma condição ou avaliação que depende das estruturas internas do Estado, que, por sua vez, está sob constante pressão para mudar. O que é possível depende dos seus próprios recursos e da sua estrutura interna, cada vez menos contido na sua geografia, ou estabelecido por ela, balanceado contra os recursos, estruturas e posições de outros. Continuamos a lidar com o antigo, mas ainda actual e inevitável desafio: a questão do poder.
  • Afinal, como já assinalámos noutra reflexão (o Político e o Cientista, na linha de Max Weber) a responsabilidade do analista não é adivinhar o futuro, mas o de eleger alguns factos úteis à produção de uma interpretação de futuros possíveis. Isto é fazer prospectiva que, não raro, cai na ironia retrospectiva, já que ao olharmos para o que pode ser o futuro somos convidados a ver o passado numa perspectiva nova. Um pouco como comparar a globalização dos Descobrimentos com a actual fase planetária do fenómeno.
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  • Sendo certo que a construção dos saberes resulta sempre duma combinação: o economista pensa em termos de utilidade; o jurista em termos de conformidade da acção com as leis, o moralista com os princípios morais mas é o POLÍTICO que tem de se preocupar com tudo. Como? envolver a ciência com os cidadãos reforçando o processo democrático pelo método do consenso da conferência praticado em alguns países. A cidadania e a governança devem regular a globalização e ser as sentinelas da integração europeia e do alargamento e da emergência de novas formas de identidade cultural.
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  • Daí a necessidade da UE (e Portugal) promoverem estudos comparativos transnacionais de indicadores do desenvolvimento da investigação, e potenciá-los com as políticas públicas dos Estados gerando, assim, uma rede de investigação e conhecimento europeia. Casando tecnologia com humanismo.
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  • São estas novas tecnologias e as interacções que provocam as mudanças nos padrões económicos e sociais, segundo a clássica fórmula de destruição criativa do cientista J. Schumpeter. Contudo, esta panóplia de tecnologias e novas utilizações só é validada se houver retorno para as Ciências Sociais e Humanas (CSH). I.é., o estudo do ambiente, da saúde, da biologia entre outros territórios do saber, só é viável se forem criadas linhas de comunicação entre o triângulo estratégico: decisores políticos, cientistas e cidadãos. Sem esta multidisciplinaridade a cadeia de comando (e reconhecimento das populações) não funciona. Hoje nada se faz sem a soberania do conhecimento: a investigação, a inovação, o crescimento económico e a consequente melhoria da qualidade de vida em termos de saúde, ambiente e conforto.
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  • Mesmo assim são vagos e incertos esses benefícios a que estão associados riscos: desemprego, (in)segurança pessoal e global, novas doenças, terrorismo, info-exclusão, poluição e outros riscos transnacionais. Por um lado, existem os cientistas que possuem conhecimento e influência; e os decisores a quem cabe o exercício do poder; por outro, os cidadãos sobre quem recai o exercício daquele poder e influência. Apesar da dualidade, a realidade é mais complexa, já que a sociedade civil global vai colocando questões e dando respostas obrigando a rever o precário equilíbrio entre conhecimento e poder, ciência e sociedade bem como a viabilidade da noção de governança associada às políticas públicas.
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  • O discurso político, ao invés do discurso do cientista, tem de ser compreensível para as massas, o que não favorece a inovação e o experimentalismo. Assim, torna-se problemático ao político decidir o novo campo estratégico e conduzir as massas sociais para tipos de comportamentos adequados à nova fase da globalização competitiva. Mas não é impossível..
  • Enfim, a jogo continua e o ministro - (e o físico) Mariano Gago - sabe disto. A história nunca pára, apenas muda de direcção, talvez para encontrar uma nova maneira de ser inquietante. Uma nova maneira de racionalizar a perplexidade que todos os dias nos bate à porta de casa, da escola, da universidade, da empresa, do poder, da igreja, da comunidade e de todas as unidades que através dos tempos registam as velhas e as emergentes perplexidades.
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