sábado

Os livros não lidos e as bonecas não brincadas..

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  • Tenho um amigo muito sui generis. Tamanha é a sua sensibilidade que a 300 m. de distância antes que alguém lhe pergunte como correu o dia, já ele está a defender-se, colocando 5 questões ao interlocutor para evitar ter de responder a alguma pergunta que incialmente lhe colocaram. É estranho, mas compreendo. Lá no fundo, no fundo, recorrendo a Freud e a C. Jung, compreendo, compreendo perfeitamente. Vem nos livros da especialidade, está inscrito na ordem natural da vida e das coisas.
  • Mas o ponto que aqui ressalto não é o carácter atípico da personalidade desse amigo. Profundamente inteligente, culto e erudito. Até sabe música clássica e tudo. Mas desconheço se toca piano. Apesar de falar bem francês, e é excelente a traduzir, até chinês, janonês e mirandês. E, mais recentemente, tem-se dedicado à descodificação (não do Código Da Vinci, que é uma farsa pegada que os bébes de símbolos estão a adorar) mas à desmontagem, peça por peça, do socratês: que é um nova linguagem cifrada que promete sem dar, mostra com ilusões, e faz aparecer Ferraris onde existem campanários, tipo Luís de Matos, esse grande ilusionólogo.
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  • Ora esse amigo, muito especial, excepcionalmente especial, volta não volta, sugere-me alguns títulos que vejo se valem a pena comprar. E foi desta necessidade que dei comigo a pensar uma coisa que se me afigura de valor e de contornos mais vastos, e é a seguinte:
  • Porque razão temos tanta necessidade de andar sempre a comprar livros. Aqueles que os comprarm, é claro! Porque razão, dizia, compramos mais livros do que aqueles que conseguimos verdadeiramente ler?? Isto sempre me intrigou. Um pouco como aquele outro amigo que "viajava" de mulher em mulher, como quem muda de camisa - numa espiral de conquista que, afinal, só o angustiava ainda mais. Além dos conflitos emocionais que ia somando e que hoje, a bater nos quarentas, se encontrava no meio do vazio que contrastava com a memória de dezenas de relações frustradas. Eis um exemplo de multidão solitária..
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  • Pensei, pensei, pensei e cheguei a esta comezinha conclusão. Ora vejam: o homem é um "bicho" permanentemente insatisfeito, logo a sua alma anda sempre numa agitação turbulenta em busca do tal infinito. Vai daí ter pensado, salvo melhor juízo, que essa infinita busca decorre do medo da perenidade. E para compensar esse receio da alma e da existência é que nos tentamos erguer acima dessas dobras do tempo que em nos desgastam, nos arrumam e, por fim, definitivamente, nos matam. Daí a importância, creio, de andarmos sempre a comprar mais livros do que aqueles que na realidade lemos.
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  • Todavia, isto não se aplica aqueles que não têm muitos recursos para o fazer. E neste terreno a Internet também não é um sucedâneo definitivo, apesar de ajudar. Mas tudo isto contrasta com a quantidade de livros que, por xemplo, Agostinho da Silva tinha em sua casa. Se tinha uma centena deles já era muito... O que me leva a outra questão: ser culto, erudito, sage e o mais não decorre do facto de se possuir muitos (ou poucos) livros.
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  • Bom, vem isto tudo a propósito do seguinte: preciso de fazer uma aquisição deles na Net. Mas não sei ainda que títulos comprar. Ora, desconhecendo-se a provisão dos títulos a adquirir e os cobres necessários para os comprar, pergunto: como é que se obtém aquilo que não se sabe ainda o que é?
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  • De facto, respirar é bem mais fácil. É bom gozar do O2 de borla, por enquanto.. Como diria o escritor brasileiro, Drumond de Andrade: a pior coisa do mundo é a boneca não brincada. Eis o que penso dos livros que, por qualquer "luxúria", ainda não pudémos ver, tocar, sentir ou ler. E o mesmo se diga em relação às pessoas - independentemente de serem nossas amigas ou não... Até porque a amizade é dos conceitos mais relativos (e relativizados) que conheço desde que nasci.
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