O GRANDE FREITAS
O grande Amaral
O que pode levar um homem do centro-direita a marchar tão bruscamente para opções políticas de esquerda? Na arena doméstica e internacional, este player, senhor duma solidez cultural, jurídica e política invejáveis, tornou-se, essencialmente, dono de si próprio. Não obedece senão à sua própria consciência mas, pelo caminho, faz uns ajustes de contas. O primeiro dos quais com o seu próprio partido, e com o seu actual líder: o “Paulinho das feiras”, que começou a militar no PSD e, agora, volta a precisar dele para ser poder. O que é difícil, mesmo com a tanga do “Voto útil” que polui visualmente os ares de Lisboa e arredores. Freitas viu-se maltratado por esta geração do (ou das) Caldas. Foi maltratado política e pessoalmente. Interiorizou a injustiça, dela nasceu um ressentimento que agora ganha expressão sob a talentosa racionalidade que se justifica no voto no PS: Sócrates merece a confiança dos portugueses porque revelou ser um bom ministro; e PSL não a merece porque provou ser um mau PM. Eis a sentença. Claro como a água..
No passado recente, chocou o “politicamente correcto” com a sua posição de “esquerda”, condenando veementemente a invasão dos EUA no Iraque – feita à margem das regras do órgão maquiavélico do Conselho de Segurança da ONU. Virou à esquerda porque, segundo consta, a América neofascista de G. W. Bush, violou flagrantemente do Direito Internacional. E assim o “Grande Freitas”, que perdeu em 1986 as presidenciais para Mário Soares por uma unha negra, apareceu no auditório da opinião pública nacional servindo receitas que bem poderiam identificar-se com o Bloco de Esquerda de Louçã. O homem que sabe o que é o sorriso duma criança porque, apesar de não ter dado à luz, segundo consta, tem uma filha…
A heterodoxia de Freitas chocaria qualquer freira. Os de direita renegam-no; a esquerda chama-lhe “fascista” à boca pequena. Uma espécie de Salazar democratizado. Será sempre um intruso. Mas um intruso especial: Freitas teve a aura de ser o Presidente da Assembleia Geral da ONU, na altura com o apoio político do ex-maoista Durão Barroso, hoje super-Comissário bruxelense que em nada tem ajudado Portugal, que deixou a arder.
Mas isto são trocos. São os cêntimos da baixa política traduzida em meros ajustes de contas que só os grandes senadores da política nacional se permitem. Contudo, Freitas do Amaral tem o mérito de se declarar por uma opção clara. Define uma linha intelectual e estratégica, e age em conformidade política com ela. A clareza das suas posições e a sua expressão pública, são outras vantagens que fazem dele uma voz audível e citável.
Há dias num programa de TV, em que estiveram presentes outros membros e dirigentes partidários, lá estava Freitas a ser claro e, sobretudo, coerente consigo próprio. Mostrando que tem uma ideia para o país e não pactua com esta gente incompetente que subiu ao poder monarquicamente e anunciou o paraíso quando o país rasteja quase na falência. Pode zig-zaguear, mas não é hipócrita, muito menos traidor como outros que têm o papa numa mão e a maldade na outra, fazendo discursos católicos e citando Chardin (requentado) que hoje qualquer cidadão esclarecido ou académico mediano que tenha lido as sebentas de relações internacionais, entretanto desactualizadas, já não compra. Ora é contra estes “restolhos” da política à portuguesa que, por vezes, se reencontram nas mesmas páginas de revista, que Freitas se bate. O mesmo que jamais almoçaria com Portas – para dar conselhos e sugerir fazer isto ou aquilo. Freitas, ao invés, fez o pleno sentando-se à mesa entre Louçã e a Igreja Católica para equacionar a guerra ao Iraque.
Aí está Freitas no seu melhor. Surpreendendo tudo e todos, deixando a direita vexada e enfraquecida; e a esquerda confusa. Mas a razão profunda que pode levar o professor de Direito Administrativo a surpreender o real, com tanta realidade que mais parece ficção, em nosso entender, aponta para uma outra ordem de razões.
Vejamos: Freitas está de cativeiro da política há anos. Ou seja, há uma eternidade que ele não tem um papel de relevo na vida política nacional. Ele que foi, e é, um senador da República que ajudou a fundar e a consolidar. Ora são estas razões políticas, e morais, que o levaram ao inferno da política. Ao tal cativeiro e à privação d'água. Os políticos no activo, à esquerda e à direita, temem-no, por isso o aprisionam não o reintegrando na esfera política activa. Ele quer ser readmitido, mas o Paulinho das feiras é um dos principais óbices. A posição pública de Freitas - que visa puxar Sócrates para cima e ajudar o PS a ter uma maioria absoluta, mais não é do que uma racionalização política (e moral) daquele velho ressentimento, aguçado por uma jovem geração que assaltou o Largo do Caldas e o expulsou da história do partido e, também, da biografia política do País – de que é parte – juntamente com Adelino Amaro da Costa e Sá Carneiro.
Dito isto, estamos em condições de perspectivar a posição de Freitas do Amaral numa espécie de Traição dos intelectuais (?), reflectindo uma mobilização dos homens de letras que querem alterar a sociedade em que vivem. Ou seja, Freitas do Amaral quer evadir-se do cativeiro a que o PP o votou (e humilhou). Freitas quer, agora, partilhar a dor do povo da rua sem, contudo, deixar de ser o intelectual ilustre que é, sempre citável sem nunca olhar os outros como formigas ou tratá-los por professor. Professor é “só ele” – ponto final!
Confesso que aprecio a sua rebeldia e imprevisibilidade. Admiro a sua coragem e a sua determinação. Especialmente, no momento particular da guerra do Iraque em que era mais fácil estar do lado dos vencedores, Freitas pôs-se do lado dos mais fracos, em nome duma verdade e duma ideia de justiça, que é a dele e a de muitos que pensam como ele. O tempo deu-lhe razão. Afinal, o senhor G-W. Bush acabou por necessitar da ajuda da ONU e do suporte da França e da Alemanha.
Será isto traição? Perante quem? Às ideologias? Julgo que estas categorias do pensamento são, hoje, manifestamente redutoras, senão mesmo anacrónicas. Hoje, o mundo e as pessoas comparam índices de produtividade em função de factores de modernidade e de desenvolvimento, e não em função de ideologias. Julgo mesmo que a posição de Freitas do Amaral contribui decisivamente para os portugueses aderirem em massa ao voto de 20 de Fevereiro. Freitas tem, já, esse mérito de catalizador, chamando as pessoas a participar e, nesse sentido, é mais um inestimável contributo que dá à democracia. Com ele a abstenção, sempre crónica, tende a diminuir significativamente. O que é positivo.
Nesta perspectiva – será legítimo considerá-lo como um traidor? O seu compromisso de homem livre, a forma sólida e coerente com que defende as suas ideias e ideais, que só são aparentemente contraditórias, traduz um compromisso: o da verdade – que é a sua. A sua verdade política e emocional, espelhando a sua herança racionalista, evita que se deixe levar pelas emoções dos figurantes que procuram governar pelo recurso ao psicodrama, iludindo as massas com as luzes dos congressos – que cegam mais do que iluminam.
É certo que se poderá transformar num ódio ideológico, ante a ausência de cisões maiores (guerras civis ou conflitos religiosos) na sociedade portuguesa. Traidor(es) são aqueles que abandonam a condução do País quando com ele tinham um compromisso solena de cumprir uma legislatura. E isto tanto se aplica ao Senhor Barroso como ao engº Gueterres anos antes. Ambos deveriam estar impedidos de participar, directa ou indirectamente, na vida política da nação, pela turbulência e caos que geraram no país.
Em síntese: o prof. Freitas do Amaral, está em desforra consigo próprio. Só que como não é um actor que actua no interior do sistema político teve, agora, a especial oportunidade de telecomandar Sócrates ajudando o PS a ganhar a maioria absoluta e, de caminho, vingar-se deste PP e deste PsD. Que, como alguém diria (directamente dos céus - que não mentem), não interessam nem ao menino Jesus. Sem ofensa para Deus, evidentemente…
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