domingo

Metamorfose do Poder - de Alexandre Franco de Sá.

Image Hosted by ImageShack.us> Image Hosted by ImageShack.us Autor: Alexandre Franco de Sá. "Torna-se então possível dizer que, numa sociedade despolitizada, o poder soberano desaparece não enquanto poder, mas apenas enquanto soberano, ou seja, que o poder soberano se transforma numa nova forma de poder" (…). Ler esta reflexão de filosofia política de 120 págs. é uma compensação para alma, um alimento para o espírito. Tentarei explicitar porquê. Além da escrita ser fluente e estimulante, o autor prenda-nos com um conjunto de 4 ensaios que nos obrigam a olhar o passado à luz do presente, como quem olha a história no espelho retrovisor e reencontra nela sempre novas reinterpretações. Como se o passado, tal como o presente, tivesse em permanente dialéctica, e se movesse em direcção ao futuro como um míssil balístico intercontinental/ICMB. Vejamos como e porquê: • Soberania e Poder Total (Carl Schmitt e uma reflexão sobre o futuro) • Um olhar Teológico-Político sobre o Liberalismo Político Contemporâneo • Sobre a Terra e sobre o Mar (reflexões sobre a criminalização da guerra) e • Despolitização e Poder (que nos fala do declínio da soberania) Eis os quatro ensaios de que nos fala, criticamente, o autor, que é um filósofo prolixo e ensina essa arte e techné na Universidade de Coimbra, porque Lisboa acha que os tem em demasia. Como cultor da Ciência Política e das Relações Internacionais, confesso ter aprendido muito com estes ensaios – que se lêm num fôlego de cortar a respiração. As três dimensões (conhecidas) do tempo estão lá. Partilharei aqui com o ciber-leitor algumas notas avulsas, que mais não são do que quasi-reflexões alinhadas sem grande pensar. A dada altura, diz o autor: "E se a ausência do poder não for senão um modo particular da sua manifestação, então aquilo que é hoje apresentado, de acordo com a narrativa de uma tradição da liberdade, como um desaparecimento do poder, na sua coerção e violência, consistirá afinal numa sua metamorfose, numa transformação intrínseca pela qual ele aparece sob a forma do seu desaparecimento e da sua ausência”. É, pois, pela exploração dessa equação, reflexo de pensar o próprio pensamento político, que se inscreve aquilo que o autor designa "metamorfose do poder", que obriga a uma dialéctica permanente e transtemporal no pensar dos fenómenos políticos globais. A paz e a guerra inscrevem-se nesse quadro. Que foi, como é sabido, magistralmente reflectido no Paix et Guerre entre les Nations do maior cronista da conjuntura do pós Guerra-Fria que foi Raymond Aron. Mas foi essa subtil consideração do autor, que me recordou uma outra igualmente fecunda. Com efeito, o poder, uma vez que é sempre dele que se trata, assume sempre várias caras, como a face de janus. De um lado, surgem os que os têm, do outro os que não o têm. Mas esta ambivalência leva-nos a pensar que o poder era um assunto exlusivamente político. Supomos agora que também é um assunto ideológico, que se insinua por todo o lado, por onde não é inteiramente captado, nas instituições, no ensino e o mais. Mas ele, em síntese, é sempre um. Sucede, porém, que ele é, hoje, plural e emerge duma miríade de chefes, aparelhos, pressões, neocorporações que se autorizam entre si para impor um discurso de qualquer poder. Assim, podemos supor que o poder está presente nos mecanismos mais variados e subtis: na comunicação social, e não apenas no Estado, nas modas, nas correntes de pensamento, nas informações, nos jogos de “futebolítica”, nos espectáculos, nas relações privadas, por vezes pouco familiares. .. Bem como no conjunto das forças libertadoras que depois o contestam, já com outro discurso de poder. O poder é eterno, e se fizermos hoje uma revolução para o perseguir e lhe pôr termo, veremos que ele amanhã germina e renasce sob outra forma, servindo outros vested interests, ocultando outras ideologias para, de novo, ser ubíquo e absoluto, e, pela linguagem, controlar totalmente um espaço e um tempo. Nesse sentido, a linguagem do poder é a própria legislação, a língua serve apenas de veículo do seu código – mas que não se esgota na mensagem que engendra, podendo sobreviver a ela, com uma ressonância por vezes terrível, como decorreu da vida e obra de Carl Schmitt, que o autor estuda em profundidade. Assim como Heidegger e Ernest Jünger (O Trabalhador). Depois, o autor oferece-nos a dinâmica da contradição entre o princípio da representação (originariamente monárquico) definindo, nessa instância, quem era o inimigo a eliminar e dispondo da vida daqueles que representa; de seguida, com o aprofundamento do Estado moderno, emerge o princípio da identidade – aproximando mais uns e outros, representantes e representados. E foram estes dois princípios que estruturaram o movimento histórico que originou o Estado moderno, com a passagem da configuração da monarquia absoluta para a democracia liberal. Ao "L’Etat c’est moi" passou a dizer-se "L’Etat cést nous", mesmo que no final o resultado seja similar. Outra ideia que aqui recolhemos, sem qualquer preocupação sistemática, mas que atravessa os quatro ensaios reunidos neste fecundo livro, é a de que a tese schmittiana afirma a “sucessão entre o poder soberano (hoje em crise) com o poder total”. Talvez seja esta a ideia (mais forte) que o autor quer afirmar e lançar à discussão. Será que olhando para a história política do pós Guerra-Fria – poderemos encontrar no poder e no comportamento estratégico dos EUA – uma justificação daquela teorização (schmittiana)!? E a definição pela linguagem de G. W. Bush – acerca do “eixo do mal” – não será - também ela - um vector fértil daquela teoria? Mesmo que a história não se repita, o impulso de poder é sempre o mesmo, e a história prenda-nos com similitudes que importa não perder de vista, sob pena de sermos tragicamente ingénuos. É assim que o autor, Alexandre Franco de Sá, estrutura o raciocínio: há um Estado absoluto (sécs. XVII e XVIII); um Estado neutro/liberal (séc. XIX); e um Estado total que marca (perigosamente) a nossa contemporaneidade. Nessa óptica, o autor pergunta se valerá a pena retomar este movimento dialéctico que implica considerar a nossa actual situação política – à luz das lentes schmittianas – já que, segundo se defende, a sucessão entre monarquia absoluta e democracia liberal são um reflexo do Estado total. Além da perspectiva teológico-política sobre o liberalismo contemporâneo, a criminalização da guerra e a despolitização e poder, que o autor aprofunda e que aqui não interpretamos, gostaríamos, contudo, de deixar uma tipologia alternativa para explicar e arrumar as mutações do Estado ao longo da sua genealogia que, em nosso entender, não se reduz à tipologia limitada em que o autor (Carl Schmitt) - é transformado. Doravante, passaria a ser um homem perigoso (pelas suas ligações ao regime nazi) e, por isso, pouco recomendável. Sem querer tirar razão a esta comezinha realidade, justificada (e condenada) pelos factos, também não se deve cair no pólo oposto em que muitas vezes a Academia, designadamente na sua mátria (que é Coimbra), incorre. Fazendo-o - senão por inveja de quem faz melhor, pelo menos por quem pensa e faz diferente, rejeitando, em qualquer dos casos, aquilo que vem matando a universidade portuguesa: o seu espírito endogâmico – excluindo dela os seus melhores filhos que, não raro, têm de buscar no exterior aquilo que a terra mãe lhes nega. Dito isto, que é tão pouco, fica aqui uma nota de reflexão crítica para que um dia, talvez, os “amantes” e os cultores de C. Schmitt, em cuja escola de pensamento não me situo (embora admita que o actual Portugal político viva – nos últimos 6 meses, um terrível “estado de excepção” que nos leva a uma guerra civil oculta). Daí a utilidade em pensarmos o Estado – e as suas mutações – através das seguintes fases: 1) O Estado-Poder ou soberano – em que se libertou da tutela da igreja e legitimou o poder centralizado. Foi a fase em que a dinastia vinha antes da nação; 2) O Estado comercial – visto como uma entidade económica, em linha com a dinâmica do mercado livre (emergente) e enquadrado no seu interior por fronteiras e pautas aduaneiras, e com os “olhos” postos em África para daí extrair as melhores matérias-primas para mais rapidamente desenvolver e modernizar as respectivas metrópoles; 3) O Estado liberal – fundado sobre o direito e a constituição, garantindo direitos jurídicos objectivos (e subjectivos) de molde a reconhecer as pretensões dos cidadãos; 4) O Estado nacional – visto enquanto comunidade popular natural, com uma origem e memória comuns, reais ou imaginárias; 5) E a mutação emergente – que à falta de melhor definição podemos designar de Estado-rede – que hoje, aproveitando as tecnologias disponíveis – vigora no sistema europeu de Estados que se relacionam à escala global. É a esse novo estádio que poderemos chamar de “imperialismo federativo” – que se distingue de todas as formas políticas precedentes. Precisamente, por amalgamar a mundialização dos mercados, das tecnologias e dos capitais – deixando, naturalmente, muitas pessoas excluídas desse processo (ainda pouco integrativo) – a que temos vindo a chamar de globalização infeliz. Ora o problema reside nesta última configuração (emergente), dado que o sistema europeu contemporâneo ainda não conseguiu resolver as dificuldades geradas por esta nova mutação política, quer no plano das suas implicações estratégicas, quer na afirmação do seu poder – visto agora na simples gestão dos equilíbrios sociais (domésticos) – que se agravam com as novas condições de eficácia em sistemas abertos e ultra-competitivos. De facto, a globalização é, hoje, o decisor oculto que mais intensamente perturba o funcionamento das instituições (públicas e privadas), e está fortemente dependente da mobilidade dos vectores (risco, domínio, capitalização, competição) que acabam por formatar as configurações de poder em gestação que, nos domínios económico, político, militar, tecnológico e até religioso e cultural, se submetem aos novos cálculos de custos/benefícios. Em suma: estamos perante um livro que nos deixa um mar de pensamentos, de pistas e de reflexões – que, em parte, estão na origem da crise europeia, e que, directa ou indirectamente, condicionam o futuro das relações transatlânticas, e até dos europeus consigo próprios, visto que estes também estão em busca duma nova (velha) Europa que, afinal, dependerá do que for a definição dos interesses norte-americanos. Ora é este novo sistema de relações globais que o Sr. C. Schmitt não pode analisar. Não tem história, não tem mundo, nem, já, teorização suficientemente ampla para poder enquadrar este novo sistema (de acção e de pensamento) inerente ao funcionamento das entidades globais com grande mobilidade, que apresentam poderes hiper-especializados mais poderosos (e ocultos) do que os dos próprios Estados que aquele teórico do “estado de excepção” analisou. O que amputa um dos atributos nucleares do Estado, a soberania, como poder superior dentro das suas fronteiras, como o poder de fazer as leis, e como pólo único de apoio e lealdade dos cidadãos (que hoje obedecem a um sistema múltiplo de fidelidades). Mais que não seja, pelo pedinchar do subsídio comunitário para concluir uma rodovia, um cemitério ou um parque de estacionamento que, supostamente, fará de Portugal um país próspero e feliz, apesar de dependente... Ora é esta lógica estratégica que escapa por completo aos parâmetros daquele pensador, que contrasta hoje com o novo modelo político de afirmação do poder – onde o mercado nacional é secundarizado relativamente à dinâmica dos mercados mundiais, sem possibilidades de recurso ao “estado de excepção” ou ao recurso aos velhos proteccionismos. Diria, portanto, que a crise gerada por esta mutação do conceito de Estado em contexto de globalização competitiva, será mais intensa naquelas formas de poder político e naquelas sociedades onde o processo de mutação é mais lento, exigindo uma alteração mais radical dos padrões culturais e filosóficos estabelecidos. Por contraponto, onde a crise for mais intensa será também maior a instabilidade interna (mitigando uma crise de mobilização com uma profunda crise de legitimidade, para colher o exemplo no actual momento político português), sendo aqui menor o poder efectivo, porque menor também é a autoridade dos agentes que nos (des)governam. O que também significa que será mais vulnerável a aliança em que a actual maioria dos interesses, feita do oportunismo dos negócios e da obsessão do poder – pelo poder – que faz de Portugal um país adiado todo o ano que se (vai) "assoando à gravata por engano", como diria o grande A. O’Neil. Consequentemente, a crise do Estado é interna e estratégica, é democrática e social, porque atinge, na sua profundidade, os sistemas de protecção social na Europa. Eis a litografia que nos pode dar uma meta-narrativa do actual estado da arte do Portugal contemporâneo, à beira da tradição e da revolução, da mudança e da continuidade mas, no in between, sempre adiado e à beira de um estado de nervos sem já dinheiro para a consulta do psiquiatra e, muito menos, para os medicamentos receitados... Julgo, para concluir, que se C. Schmitt hoje fosse vivo, também gostaria de integrar esta nota na sua gramática política. É que a crise do Estado, ou melhor, da prerrogativa soberana que sempre acompanhou o seu código genético, não é idêntica em todas as regiões do mundo, ainda que os factores que a geram sejam universais. E são estas diferenças locais que formam configurações políticas diferenciadas, hoje determinantes na avaliação estratégica conduzida pela tabela de oportunidades que integram os processos de mudança e de transformação social. Já que as condições competitivas e de aproveitamento de oportunidades não são (mais) iguais para todos. Se o autor pudesse ressuscitar, não me admiraria que voltasse imediatamente a morrer, justamente porque seria confrontado com uma taxa de desemprego alemã (ou de qualquer outro país da região) que, tradicionalmente, mantinha todos os indicadores de desenvolvimento humano num patamar muito elevado. Mesmo no plano da filosofia política pura (e aplicada), já que não há nada mais prático do que uma boa teoria, como diria Kant, julgamos que quer Maquiavel, quer Espinosa, conseguem ser, hoje, (ainda) mais contemporâneos do que aquele autor “maldito”, apesar de cronologicamente termos de recuar 500 anos. Ou seja, se fizermos um exercício simplista do tipo – analisar as condições políticas actuais – à luz do esquema mental daqueles dois filósofos da Idade Moderna, concluímos duas coisas: 1) com Maquiavel aprendemos que os agentes políticos têm de aprender a controlar as suas próprias expectativas de poder – abusando (menos) da credulidade da colectividade, sob pena do exercício do poder não se adensar perante um défice de execução, agravado por um défice de financiamento (estrutural) – que Maquiavel sempre aconselhou ao Príncipe – no âmbito da gestão do seu sistema de promessas; 2) com Espinosa – aprendemos que os profetas – da política – têm de ter as maiores cautelas no sistema de previsões (que hoje os figurantes da política propositadamente fazem para ganhar eleições) e depois, logo se vê… Em ambos reside um traço de pensamento comum: é que o povo, mesmo desconfiando daquelas promessas, e não aceitando aquelas falsas previsões (de crescimento económico que do Dr. Bagão nos quer “vender”), também já não está disposto a comportar-se como aquelas ovelhas que acodem em rebanho, obedecendo cegamente ao cão que, por sua vez, obedece ao assobio do pastor. Dito isto, já estamos em condições de concluir pela crise do Estado soberano (que é um tema nuclear da Metamorfose do Poder de Alexandre Sá) – desta vez recorrendo mais a Maquiavel e a Espinosa, do que a Schmitt, mesmo que isso lhe custe 5 séculos de história e, necessariamente, de liberdade. A noção de risco parece, pois, ser aquela que hoje serve de contraponto à imposição do velho Leviatão, que julga, ainda, ser o único produtor de modernidade e de racionalidade da história. Quando, na verdade, já não produz nem uma coisa nem outra. Ora, não estando o Estado em condições de garantir esse pilotar do sentido da história, cabe perguntar ao autor (com uma amizade já velha), que felizmente reencontrei, onde é que nós – portugueses de Portugal e além-mar – vamos desencantar essa racionalidade que nos falta, e de que parece depender duas outras linhas de acção política (distintas): a liberdade e, por fim, a felicidade. Por outras palavras: o desafio cimeiro com que estamos confrontados parece entroncar numa outra metamorfose do poder. Que consiste em equacionar, como alternativa ao Estado homogéneo universal (que nos prometeram), com base na ambição hegeliana (que perdeu totalmente esse projecto de domínio mundial e de troca de obediência por segurança), outras configurações de poder e de modelo político de sociedade, com outros modos de regulação política, e, também, outros modos de entender o Risco, a Conflitualidade, o Desenvolvimento, a Justiça e a Liberdade? É aqui que voltamos ao início, ou seja, às condições de base da globalização competitiva – que hoje nos impossibilita de continuar a pagar ao Estado serviços que ele não dá; pagar aos políticos qualidade que eles não têm e o mais que lhes assegurava um conjunto de poderes e de privilégios conexos a essa renda de dominação, ditada pela velha supremacia – que hoje é uma miragem É, portanto, com esta nota de incerteza e com um abraço de amizade, que aqui deixo ao filósofo e ao docente universitário – Alexandre Franco de Sá – estas pequenas reflexões, mais ou menos desafiantes. Tão desafiantes quanto perplexizantes, já que estamos no III milénio, e para entender o mundo em que estamos, parece que temos de recuar 500 anos para, ao tempo da gesta dos Descobrimentos, reconstituir algumas reflexões de Maquiavel e de Espinosa. Porque se não o fizermos, i.é, se não soubermos ser leões para descobrir as armadilhas; nem raposa para ver se há lobo, acabamos na boca dos espanhóis e da Europa – cujo discurso e acção (económica, cultural e política) é tão silencioso quanto oculto em relação aos nossos próprios interesses, apesar de berrarmos e sermos prolixos em promessas e profecias que já ninguém cumpre ou acredita. Será por causa dos políticos que temos? Será por desconhecerem por completo (salvo o Maria Carrilho com os seus imperceptíveis jogos de racionalidade made in France), os filósofos que levaram para história novidade ao pensamento? E nós, onde estamos!? E para onde vamos? "Eu cá pra mim", vou ler mais uns filósofos que já esqueci com tanta poluição emitida pelos nossos figurantes da política espectáculo, com o fito de não me deixar enganar tão fácilmente... Mesmo que alguns políticos, tenham a mania que são filós..
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