quarta-feira

Hoje somos todos "Estrangeiros"... Viva Camus e o regresso à normalidade

Image Hosted by ImageShack.us Ao amigo JAM.
Albert Camus
  • Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem.
O Estrangeiro Prefácio para "O Estrangeiro" por Albert Camus
O Estrangeiro de Camus é um livro extraordinário. Reflecte, em parte, a dinâmica do nosso tempo político, económico e social. Espelha o absurdo a que chegámos. E porquê?
É simples: "na nossa sociedade, qualquer homem que não chore no funeral de sua mãe, corre o risco de ser sentenciado à morte". A fórmula pode generalizar-se a todos os campos do social ao político, passando pela esfera cultural e simbólica que, afinal, nos norteia a acção.
Para o autor, o seu herói, o Sr. Meursault, é condenado porque não joga o jogo. Sob este aspecto, ele é estrangeiro para a sociedade em que vive; ele vaga na borda, nos subúrbios de uma vida privada, solitária e sensual. Quantos milhares de portugueses se reconhecem nesta triste constatação!? Nesta lógica do absurdo, feita de ausências de sentido para a vida...
Talvez por isso muitos de nós se sintam verdadeiros pedaços de "entulho social" por, precisamente, não jogar o jogo. O jogo dos medíocres.. que esperam, que bajulam, que obedecem, que elogiam a mediocridade, para que esta se sinta alimentada e consiga reproduzir o velho ciclo de multiplicação do absurdo em que Portugal, hoje, caiu..
E o que é que sucede a quem não quer jogar o jogo? A resposta é simples. Quem se recusa a mentir, perde e sai borda fora da sociedade. Será que é preciso ilustrar esta rotina com alguns exemplos, ou o leitor - amigo e paciente - já se lembrou de uma dúzia deles..., com outros tantos a aguardar vez na fila da memória!?
E quais a similitudes destas asserções com a nossa vida política? Também será necessário fazer um catálogo ou, de forma mais chique, mostrar o portfólio..
Como mero analista dos fenómenos sociais de pendor político, sinto que a minha sociedade está ameaçada. O risco social já não é pontual. E aqueles que não estão dispostos a esconder os seus sentimentos tendem a ser trucidados, então é por isso que temos de aprender todos a mentir, a obeceder cegamente aos comandos dos que estão em cima e olham cá para beixo, vomitando algumas ordens que, essas sim, são verdadeiro entulho social..
O entulho dos ressentidos instalados à lareira do Estado, vendo a pança inchar, tanto que já nem conseguem ver a ....para a satisfação das principais funções vitais dos rins. Com todas as provisões contadas, com a incerteza eliminada.
Será assim a vida da Universidade portuguesa? Acautelem as excepções, pfv.. Mas também não alarguem a percentagem dessa ínfima percentagem que escapa ao tal entulho.
Em suma: tudo isto vem a propósito do Sr. Meursault - que é um homem que cometeu um assassino, é pobre e diz o que pensa. Como se tivesse obstinado e vivesse uma paixão pelo absoluto e pela verdade.
E qual é a verdade política, económica e social em 2004/05? O que responderiam os cidadãos (empresários, trabalhadores, estudantes, reformados e o mais)??? Será que (ainda) sentem alguma coisa para dizer?
A minha verdade é comezinha: reler
O Estrangeiro como a história de um homem que, sem heroísmos, aceita morrer pela verdade. Será que ainda há homens assim? Dizem-me que a 20 de Fev. existem duas ofertas para mártires.. Uma da Lapa, outra do Caldas.
Lembro-me, hoje, de dois comparsas da política lusa que dinamizam o teatro de revista ao ar livre por esse Portugal fora. Ambos, além de se representarem a si e aos seus próprios interesses, pretendem transformar os portugueses naquele entulho social representado no Sr. Meursault.
O Sr. Meursault, está chateado, como se vê na imagem infra, e qualquer dia explode deixando fragmentos e estilhaços espetados por todo o lado. É que ele quer falar verdade, quer afirmar o que lhe vai na alma e no coração, e já está farto de lhe pedirem para continuar a mentir, só porque os actores principais o fazem.
Recebo agora um fax de Camus a dizer-me que, afinal, vai ter lugar uma reunião de portugueses dia 20 de Fevereiro. Camus pede-me que vá. E diz-me também para levar o meu quadro do absurdo de modo a que todos os portugueses possam aparecer nas urnas com o respectivo quadro debaixo do braço, como fazem os franceses com as baguetes de pão, que depois mastigam. Sim, porque cada português, tem, hoje, de ter o seu Camus, ou seja, o seu absurdo de estimação.
É um absurdo ainda bé-bé. Não chega a ter um ano, mas os estragos que fez, converte-o num octogenário. Pois é através dele que voltaremos novamente à normalidade. Uma normalidade com sol e um céu mais azul...
Com novos galos a cantar, fazendo as mesmas promessas que nunca se chegam a cumprir. Mas a esperança é sempre graciosa para os iniciados, que beneficiam de um estado de graça, cujas horas ainda não foram determinadas... Mas o relógio do tempo não pára. E a vida mingua.

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