terça-feira

Guterres vs Barroso vis-à-vis as presidenciais que não existiram

Nota prévia:

- Guterres, podendo ser PR abdicou.
- Barroso, nunca o podendo ser tentou, e só foi travado nesse impulso porque não suportaria o peso da acusação pública de ter empregado um dos seus filhos no BdP em violação grosseira das boas regras, da ética e da meritocracia.

- Guterres é um político com alma de estadista; Barroso não passa dum líder de facção oportunista que nunca hesitou em desertar de S. Bento desde que isso lhe trouxesse benefícios pessoais. 


De comum estes dois homens públicos, Guterres e Barroso, têm a circunstância de terem servido duas grandes organizações internacionais: o Alto Comissariado dos Refugiados da ONU e a Comissão Europeia. Não vou aqui discutir o prestígio que cada um deles deixou nas instâncias por que passou, embora seja manifestamente objectivo que o papel de Guterres é apreciado por todos e o de Barroso só ganha absolvição junto de familiares directos e antigos assessores ou adjuntos. 

Outro aspecto comum a ambos foi o facto de terem sido ambos PM de Portugal, só que Guterres renunciou ao cargo de PM na sequência de uma derrota nas eleições autárquicas, em 2002, evocando o "pântano"; e Barroso, literalmente, decidiu desertar de Portugal deixando o Executivo nas mãos de um "doidivanas" que não tinha a mínima preparação para o desempenho da função, como se Portugal fosse uma monarquia. Talvez por essa razão Jorge Sampaio, então PR, e preocupado com o "regular funcionamento das instituições", tivesse sido obrigado a dissolver a AR e a demitir aquele pseudo-governo dirigido por Santana Lopes, que foi o efeito colateral máximo pelo facto de Barroso ter desertado para Bruxelas em nome duma vaidade, ambição e interesse pessoal em fazer carreira e não, verdadeiramente, em servir Portugal. 

O resultado dessa ambição desmedida, que só penalizou Portugal, é bem conhecido, a Europa ficou de joelhos perante o directório alemão e as periferias da UE, entre as quais se encontra Portugal, ficaram cada vez mais periféricas e subdesenvolvidas, agravando o fosso entre os índices de desenvolvimento de Portugal com os restantes países da UE. 

Dito isto, há uma outra razão, que é de monta, que serve para distinguir o carácter e a dimensão destes dois homens públicos e que se resume da seguinte forma: António Guterres, que teria o "trono" de Belém no bolso se se candidatasse nestas eleições presidenciais, congregando toda a família política da esquerda, do centro e com grande capacidade de penetração sociológica nas bases de apoio do eleitorado conservador de direita (incluindo católicos) - decidiu não o fazer. Ou seja, Guterres sabendo antecipadamente que teria o Portugal profundo a seus pés para conquistar Belém, resolveu abdicar dessa vitória previsível em nome de juízo pessoal, duma opção deliberada de querer reservar para si alguma privacidade que o exercício de um cargo público exigente e ao mais alto nível não permite gozar.

Ao invés de tudo isto, Barroso tentou perfilar-se nessa corrida a Belém. Fê-lo mediante declarações públicas totalmente alinhadas com o Governo da extrema direita e neoliberal, assente na coligação pafiosa da dupla de meliantes de Pedro e Paulo. Para o efeito, e com o intuito de agradar à Paf, disse até  que "o caldo estaria entornado" caso o orçamento de Estado para 2014 não fosse aprovado pelo Tribunal Constitucional, dando assim sequência às medidas de austeridade, indo muito além da Troika. De seguida, chegou até a partilhar o valor de um prémio concedido pelo Príncipe das  Astúrias por um liceu onde estudou, o Liceu Camões, que está a ruir de podre - e a que o ex-ministro da Educação, Nuno Crasso, foi incapaz de restaurar. 

Para agravar a situação pessoal, política e ética de Durão Barroso - o país ficou a saber que ele pressionou e/ou usou do seu estatuto de presidente da CE para traficar influências junto do Banco de Portugal, ou do próprio Governador, carlos Costa (ou do staff próximo dele), para empregar um dos seus filhos, que não tinha manifestamente o perfil nem o cv para o efeito. E esta parece ter sido a razão substancial que ditou a sua não entrada na corrida presidencial, pois se o fizesse teria de contar com essa acusação de peso contra si, e que seria politicamente mortal, especialmente num estado republicano, onde supostamente os concursos públicos são regidos por regras que devem atender ao mérito e à transparência na seriação dos candidatos, e não sucumbir ao compadrio, ao tráfico de influências e ao nepotismo nas instituições públicas ou para-públicas.

Eis a pequena grande diferença  entre estes dois homens públicos: 

1) Guterres é um político com dimensão de estadista; Barroso nunca passou dum líder de facção oportunista que preteriu o interesse nacional em nome da sua desmedida ambição pessoal; 

2) Guterres, é animado pela ética de convicção (kantiana); Barroso, é um radical de esquerda que inverteu à direita neo-maquiavélica para granjear prestigio internacional, e só pensa na moral de responsabilidade (o poder pelo poder);

3) Guterres - podendo ser PR e tendo a maioria dos eleitores a seus pés, decidiu abdicar não se candidatando a Belém para fazer um intervalo regenerador da política; Barroso - sabendo que teria a maior dificuldade em conquistar o Palácio Rosa, ensaiou várias aproximações à eleição, até perceber que o povo português, mais do que o eleitorado, já não o podia ver. 

Em suma: Guterres passará à história de Portugal como alguém que procurou humanizar a sociedade portuguesa, que pôs as pessoas à frente dos números e apostou, como nenhum outro político, na Investigação e na C & T; Barroso, ao invés, será recordado numa nota de-roda-pé nos livros de história onde se dirá dele que tinha uma ambição desmedida, tão grande que, um dia, e a mando de G.W.Bush e Tony Blair, inventou uma invasão ao Iraque para encontrar as supostas armas nucleares e químicas - que a Agência Internacional de Energia - nunca encontrou. O efeito perverso dessa guerra foi o despoletar do terrorismo globalitário cujos reflexos conhecemos hoje no centro da Europa pelo mão do Daesh, e de que França tem sido a principal vítima. 

Esta poderia bem ser um resumo da eleição presidencial que não chegou a acontecer. Por um lado, porque Guterres quis privacidade e descansar um pouco do ritmo de vida pública que tem levado; por outro, porque barroso teve medo dos custos políticos e pessoais de ter empregado o filho no BdP à custa da legalidade, da ética e das regras de transparência e da meritocracia que um concurso público exigiria, tanto mais para o BdP, que é, ou deveria ser, o regulador eficaz, eficiente e isento do sector bancário em Portugal. E há muito que se percebeu que não é, e com custos gravosos para todos os portugueses. 

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