Requiem pelo bloco central - por Pedro Bacelar de Vasconcelos -
Nota prévia: Esta reflexão representa, porventura, uma das mais estruturadas e consistentes defesas do fim do centrão dos interesses na vida pública nacional e, de caminho, um incitamento ao PS para ouvir les uns et les autres e, no final, jogar com ambos no quadro parlamentar e, assim, governar.
- Se no plano da teoria política pura o apelo intelectual é sedutor, já ao nível da realidade a teoria pode ser outra. Ainda assim, e não obstante a inteligência com que este artigo é escrito, peça a peça, Pedro Bacelar de Vasconcelos acaba por não dizer, em concreto, como é que o PS de A.Costa deverá formar governo, e aquela sua expressão - "sem interlocutores privilegiados" - (no último parágrafo do artigo, o bold a amarelo é nosso) - revela-se tão ambígua quanto perigosa, já que ninguém de bom senso está a ver o PS a desenvolver, em simultâneo, acordos de incidência parlamentar com o BE e CDU, e trazendo atado à trela do Largo do Rato o laranjal da Lapa e o seu apêndice do Largo do Caldas, dirigido pelo partido do táxi, que hoje deve valer uns 6% dos votos, que cabem num Smart. O que seria um molotov a explodir a qualquer momento.
- O Direito (mesmo no seu ramo Constitucional) não deixa de ser uma expressão da visão política do seu autor, da sua cosmovisão, da sua vontade e motivação, um sub-produto da força ou da correlação de forças políticas que, num dado momento, se instalam numa determinada unidade política. E é também isto que esta reflexão inteligente deste constitucionalista reflecte.
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Segundo um comunicado emitido na noite de terça-feira, o senhor Presidente da República "encarregou" Passos Coelho de conversar com o PS para criar condições que garantam a formação de um "Governo estável e duradouro". No mínimo, diríamos que é uma incumbência bizarra. Porque o sistema de governo de base parlamentar consagrado pela nossa Constituição atribui essa tarefa ao partido vencedor nas eleições legislativas. Ao Presidente da República apenas compete, em primeiro lugar, que aguarde a contagem de todos os votos. Segundo, ouvir o que têm para lhe dizer todos os partidos políticos representados na Assembleia da República. Terceiro, ponderar se o nome que lhe foi proposto corresponde ao sentido da vontade democrática expressa nos resultados eleitorais e se tem o indispensável apoio parlamentar. E, uma vez concluído esse processo, nomear por fim o primeiro-ministro que preencha as condições requeridas.
Provavelmente, esta diligência presidencial extemporânea foi executada a pedido da própria coligação de Direita que agora se confronta com o fracasso da estratégia que adotou. Porque, se aquilo que efetivamente preocupa o Presidente é assegurar uma governação "estável e duradoura", nessa caso, pareceria mais lógico e racional que ele começasse por condenar a precipitação do PSD e CDS em fechar já um compromisso de Governo que, além de minoritário, só pode restringir o leque de opções capaz de assegurar a aprovação do Parlamento.
Mas a lógica é outra. Cavaco Silva e Passos Coelho gostavam de ressuscitar o cadáver do bloco central, depois de terem assinado a certidão de óbito há quatro anos e meio, em 2011. Nem a circunstância de o programa de estabilidade chumbado na Assembleia da República ter a bênção prévia da Europa e da Alemanha impediram o PSD de negociar uma aliança negativa com o PCP e o Bloco de Esquerda para precipitar as eleições legislativas antecipadas que entronaram o Governo da Direita mais radical de toda a história da nossa democracia. Um Governo que se arrastou, moribundo, ao longo dos dois últimos anos, graças à empenhada benevolência presidencial, e que por puro oportunismo criou expressamente para esta campanha eleitoral a ficção dos "cofres cheios" e da "recuperação económica", do fim dos cortes nos salários e nas pensões, e de um cínico empenhamento em combater as desigualdades que sempre promoveu. Um paraíso que desapareceu mal foram conhecidos os magros resultados eleitorais, para reaparecerem as graves dificuldades que o Governo da Direita se encarregou de agravar. E perante a nova realidade, veio o apelo aos consensos de que se esqueceram ao longo de toda a legislatura e a dramatização do "sentido de responsabilidade" com que procuram estrangular o PS, tal como a Direita europeia liquidou os socialistas gregos, numa Grécia apenas poupada à expulsão do euro graças à solidariedade dos socialistas europeus e à corajosa lucidez de Tsipras.
Na decapitação do PS, residia a derradeira esperança da coligação de Direita e dos seus aliados e servidores. Mas enganaram-se. O Parlamento tornou-se agora o centro da nossa vida democrática. Cada um dos eleitos é responsável pelo cumprimento do mandato que recebeu e a satisfação dos compromissos que assumiu perante os eleitores. A vocação dos socialistas não é servir de muleta à Direita nem de bode expiatório à Esquerda. Estarão no centro dos debates e da construção de soluções, sem interlocutores privilegiados, porque o Parlamento é, por definição constitucional, "a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses".
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