O último alfaiate do Chiado
Nota prévia: Já não é fácil encontrar um sapateiro nas cidades, cujo espaço cheira a cola e deixa uma grande "pedrada" (quer pelo cheiro da cola, quer pelas memórias que evoca); uma drogaria com os seus cheiros específicos. Com o alfaiate será mais ou menos o mesmo. O tempo é um cavalo, como diria uma amiga, e um cavalo com pressa muda muitas coisas ao mesmo tempo, especialmente num mundo de profissões que há muito se encontra em profunda mutação.
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A mulher está sentada num banco de madeira junto à janela do edifício no primeiro andar da Rua Anchieta, bem no coração do Chiado, em Lisboa. Curvada para a frente e com os óculos a escorregar-lhe para a ponta do nariz, pega numa linha, enfia na agulha e começa a coser, em gestos elegantes e treinados, a manga de um fato. O tecido que ela segura com os dedos curtos e roliços é o que realmente importa, mas os olhos do repórter fogem para o acessório. Estampadas na camisola da costureira estão duas palavras que são a antítese perfeita deste espaço: Zara Woman. É que as peças que daqui saem são para cavalheiros distintos, dispostos a pagar entre 1200 e mais de 5000 euros por um fato. Nem vestígio do pronto a vestir quase instantâneo e a preço de saldo do gigante espanhol da fast fashion. Contra um bom fato, não há argumentos.
João Ribeiro, 65 anos, é o mestre da Alfaiataria Piccadilly, que quase parece saída da londrina Savile Row, meca dos fatos por medida. A casa tem quase um século de história. Por lá andou, por exemplo, Aquilino Ribeiro, conhecido por ter os bolsos sempre deformados devido ao excesso de coisas que neles enfiava. Mas se não fosse este alfaiate, natural de uma pequena aldeia alentejana, a Piccadilly já teria desaparecido. Há três anos, quando as anteriores instalações, num primeiro andar da Rua de São Nicolau, ali bem perto, foram ocupadas por uma loja de uma cadeia de sanduíches, foi ele que resgatou a histórica casa da morte certa.(...)
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