segunda-feira

Cientistas conseguem criar a sensação de invisibilidade. Evocação de Platão


Como é que alguém pode provar quem é na realidade?
Será que eu mesmo sei quem sou?
Não tenho linguagem para minha realidade!”
(Max Frisch)

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Cientistas conseguem criar a sensação de invisibilidade




A invisibilidade é um mito antigo. Num dos diálogos da República, obra de Platão e uma das mais importantes da Grécia Antiga, o irmão do filósofo, Glauco, prevê que tanto uma pessoa justa como uma injusta sucumbiriam às possibilidades conferidas por este dom: “Nenhum homem iria manter as suas mãos longe daquilo que não é seu se conseguisse roubar em segurança o que lhe apetecesse num mercado, ou entrar numa casa e deitar-se com quem lhe desse prazer, ou matar alguém, ou libertar alguém da prisão, e sob todos os aspectos ser como um deus entre os homens.”
Há outros exemplos negativos, associados à invisibilidade, vindos da literatura: Frodo, o pequeno herói hobbit da trilogia de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, carrega consigo um anel que dá o poder da invisibilidade, mas que é maligno e corrompe quem o possui; o cientista que ficou para sempre invisível em O Homem Invisível, escrito por Herbert George Wells, torna-se um criminoso.
Mas mesmo com tantos avisos no imaginário colectivo, a ideia de se ser invisível continua a atrair. Nos últimos anos, os cientistas têm procurado aproveitar os conhecimentos sobre luz e óptica para tentarem fabricar materiais que sejam invisíveis, e têm feito alguns avanços.
Por isso, é importante tentar compreender os efeitos psicológicos de ficarmos invisíveis. Uma equipa de cientistas da Suécia foi investigar se, por um lado, é realmente possível termos a percepção de que o nosso corpo é invisível e, por outro, quais são os efeitos dessa percepção na nossa consciência social. Os resultados mostram que quando alguém se sente invisível fica mais calmo à frente de um público, segundo um artigo publicado agora na revista Scientific Reports.
“Sabemos que o cérebro está constantemente a construir a percepção do nosso corpo no espaço, ligando a informação de diferentes sentidos, como a visão, o toque e a propriocepção [o sentido que permite ter a noção da posição relativa das diferentes partes do corpo]”, explica ao PÚBLICO Arvid Guterstam, co-autor do estudo, do Departamento de Neurociências do Instituto Karolinska, na Suécia.
Para testar a sensação de invisibilidade, os cientistas tiveram de jogar com a percepção que cada um tem do seu corpo, criando uma ilusão. Experiências anteriores, em já se fez isso com sucesso, mostraram que se pode sentir que se tem uma mão de borracha, um corpo que é o de um manequim ou uma mão invisível. As experiências de agora, coordenadas por Henrik Ehrsson, também do Departamento de Neurociências do Instituto Karolinska, e que envolveram no total 125 participantes, foram mais longe: criaram a sensação de que todo o corpo estava invisível.
Como foram as experiências
Para criar a ilusão de invisibilidade, a equipa pediu a cada um dos participantes no estudo para ficar em pé, com uns óculos especiais na cabeça, que, em vez de lentes, tinham ecrãs. Estes óculos estavam ligados a duas câmaras que filmavam em tempo real, permitindo ao participante ver o que estava a ser filmado naquele instante. Em frente do participante, a cerca de um metro de distância, as duas câmaras encontravam-se à mesma altura dos seus olhos. Montadas em cima de um tripé, as câmaras estavam ainda apontadas para baixo. Como entre elas e o chão não havia nada, filmavam um espaço vazio.

Ao mesmo tempo, cada participante tinha de olhar para baixo, como se olhasse para o próprio corpo. Mas em vez do corpo, o que o participante via era aquilo que era transmitido pelas duas câmaras — ou seja, um espaço vazio.
Depois, um elemento da equipa de investigadores utilizava dois pincéis grandes ao mesmo tempo, para assim criar a ilusão da invisibilidade.
Numa sequência bem definida, com tempos exactos, esse investigador tocava com os pêlos de um dos pincéis na barriga do participante, depois no braço direito, no braço esquerdo, na perna e no pé direitos, e na perna e no pé esquerdos. Ao mesmo tempo, com o segundo pincel, fazia o gesto simétrico e simultâneo na região vazia por baixo das câmaras. O local onde passavam os pêlos do segundo pincel correspondia precisamente à posição da barriga, dos braços, das pernas e dos pés de um corpo imaginário que estivesse por baixo da câmara.
Deste modo, o participante sentia os pêlos do pincel a passarem-lhe pela barriga e pelos outros locais do corpo ao mesmo tempo que via nos óculos, pelas imagens das câmaras, o segundo pincel a tocar no lugar da barriga e das outras partes do corpo, como se houvesse ali um corpo invisível.
Depois desta experiência, os participantes responderam todos positivamente, num questionário, que sentiram ter um corpo invisível. “Na ilusão do corpo invisível, o cérebro funde a visão do movimento do pincel no meio do ar com a sensação do toque no corpo real do participante, que não está a ser visto. Os participantes fazem a ligação da sensação do toque a um local vazio, sentindo assim terem um corpo invisível naquela posição”, explica Arvid Guterstam, acrescentando que não estava a espera de que os resultados fossem tão evidentes. “Fiquei surpreendido ao ver que a ilusão funciona realmente”, frisa. “Se considerarmos que nascemos e vivemos toda a vida a sentir que temos um corpo sólido, é bastante surpreendente que o cérebro seja enganado numa questão de segundos e passe a aceitar um corpo invisível associado à ideia do ‘eu’.”
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