Na morte de Miguel Galvão Teles - por Eurico Heitor Consciência -
Na morte de Miguel Galvão
Teles
A inteligência é uma coisa
fascinante. Recordarei sempre os aceleradíssimos discursos revolucionários
(d’antes do 25 de Abril) de Orlando de Carvalho, que foi Professor Catedrático da
Faculdade de Direito de Coimbra. Todos os ouvintes se calavam e sorriam e
praticavam o exercício de descobrir que palavras é que tinham já sido omitidas
e quantas mais seriam ultrapassadas. Porque o pensamento do Prof. Orlando de
Carvalho era tão rápido que as suas palavras não conseguiam acompanhá-lo. Eram
atropeladas pelo pensamento.
Outro extraordinário pensador,
que fez um exame de mestrado comigo, foi o Prof. Mota Pinto. Esse, o que foi
vice-primeiro ministro no Bloco Central, e que tanto lamentei que tivesse
cedido à tentação da política – que o matou - , perdendo-se um notável
Professor.
A segundos do começo do exame de
Filosofia do Direito queixei-me ao Mota Pinto: Não consegui entender o Cabral de Moncada naquelas 90 páginas…
Atalhou-me: Ó pá, coisa simples: quer dizer ele que… (e falou mais um minuto).
- Cala-te, não digas mais nada, para não me baralhares, porque com o que
me acabas de ensinar já me governarei…
E bem. Governei-me. A diferença
entre uma inteligência fulgurante e… Em menos de 3 minutos, Mota Pinto
ensinou-me o que eu não lograra perceber com horas de leitura!
Há anos, tive como adversário num
processo o Professor Raúl Ventura. Tinha sido Ministro do Salazar ou do Caetano
e era distinguido Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, com
vasta obra publicada.
No decurso do Julgamento, quem soubesse que um dos
Advogados era Professor Catedrático mas
não soubesse qual deles é que era o
Professor juraria
que era eu – dada a extraordinária modéstia
de que se revestiam as intervenções do Prof. Raúl Ventura. Falava como quem
está sempre a pedir desculpa por falar. Espantoso modelo de humildade (aparente
que tivesse sido).
Outro humilde sábio foi Miguel Galvão
Teles. Integrámos durante três anos a 2ª Secção do Conselho Superior da Ordem
dos Advogados (a que também pertencia Rui Machete, agora Ministro dos Negócios
Estrangeiros). E fizemos reuniões em Abrantes. Pelo menos três, que me lembre.
O Miguel gostava muito de vir a Abrantes.
O Miguel tinha uma figura
singular, com um cabelo invulgarmente forte e abundante, e foi durante muitos
anos Presidente da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal. Várias
vezes, em lugares públicos, reparei que as pessoas mostravam reconhecê-lo –
como Presidente ou ex- presidente do Sporting.
Não podiam ter outra referência
dele. Não sabiam do extraordinário jurista que aquele bigode disfarçava nem da
notável inteligência que aquela cabeleira tapava.
E era humilde, a ponto de não se
poder ser mais. E os olhos (e como que toda a cabeça também) iluminavam-se-lhe,
iluminavam-se mesmo, quando ele começava a pensar em voz alta. E com que
fraternidade corrigia os erros dos Colegas.
Ao contrário dos aberrantes seres que todos os dias
esticam o pescoço e se põem em bicos de pés e exibem competências bacocas e
medalhas de pechisbeque com que nos vão enganando e tomando conta de cargos e
de funções que só deveriam ser entregues a pessoas inteligentes, ao contrário desses, os homens
inteligentes são como o Miguel. Pena que sejam tão poucos.
Eurico Heitor Consciência
_________
Obs: Bonita e justa homenagem.
Etiquetas: Na morte de Miguel Galvão Teles - por Eurico Heitor Consciência -
<< Home