Como dispensar metade dos polícias - por Eurico Heitor Consciência -
"Tenho um mester absorvente, que me suga
constantemente todos os raciocínios que o meu cansado bestunto produz. Por isso,
só nas férias consigo ter pensamentos acabados e originais, eufemismo que uso
por natural pudor: não me ficaria bem afirmar-lhes que nas férias tenho
pensamentos brilhantes. Fiquemo-nos, portanto, pelo eufemismo, que para o que
agora lhes quero dizer, até serve melhor para caracterizar um pensamento que
tive nas últimas férias, e que lhes vou comunicar.
Tenho uma casa que já foi assaltada várias vezes. A
casa não é no deserto nem no meio do mato, nem na Amazónia ou no Pantanal. Fica
prosaicamente numa Avenida normalmente movimentada duma das Vilas mais importantes
e populosas do país – numa daquelas duas vilas que não consentem que lhes
chamem cidades. Nobres vilões! Mas os ladrões já sabem que não há polícias a girar a pé em lado nenhum e os
telemóveis são coisas a que os portugueses d’agora aderiram com mais entusiasmo
do que o que mostraram os fronteiros do Alentejo na partida para as Descobertas
de Novos Mundos, quando foram levados a Sines pelo Vasco da Gama, que, para os
“caçar”, lhes apontou o mar calmo da baía de Sines e disse: É sempre assim, o mar é sempre assim. A
viagem para a Índia que vamos descobrir é tão cómoda e segura como andar
naquele carro eléctrico que leva os turistas a Alfama.
Nem todos os fronteiros eram homens de fé, mas todos
estavam de boa-fé, pelo que, levados pela conversa do Vasco, lá embarcaram nas
naus. Depois de chegarem a mar alto, olharam de través para o Vasco da Gama e
murmuraram: Seu filho da puta. Atão era
como andar de carro eléctrico…
Mas lá me perdi. Não comecei a escrever para apontar
as nobres razões que nos conduziram às Descobertas de Novos Mundos. Só queria
dizer-lhes que os ladrões têm telemóveis e um fica na rua dentro dum automóvel
e telefona para os seus capangas quando a polícia (que só gira de carro) se aproxima e os capangas apagam luzes e lanternas e
no minuto seguinte, quando o outro lhes disser que o carro da polícia já dobrou
a esquina, continuam a roubar e carregam tranquilamente o que roubaram, porque
toda a gente sabe que o carro da polícia só tornará a passar no mesmo local
dali a três horas. Se passar…
Foi por isso que me ocorreu um pensamento original:
como a Polícia não nos defende dos ladrões, o Estado passa a pagar a todos os
cidadãos um daqueles alarmes ligado à sede, etc., etc., como o que acabo de
instalar, depois do que despede metade dos polícias, porque uns tantos são
sempre precisos para proteger as pessoas e as casas dos do Governo, do
Presidente da República e dos que já foram Presidentes da República – que nos
ficam caros p´ra caraças e prometem durar até aos 100 anos.
E o Estado poupa um dinheirão e nós passamos a estar
todos livres dos ladrões (de casas. Só desses)".
Obs: Uma reflexão que deveria ser lida pelos polícias (e demais agentes da autoridade), pelo ministro que os tutela e, acima de tudo, pelo primeiro-ministro (que supostamente tutela algo). A ordem será arbitrária, porque arbitrária e aleatória tem sido também o combate à pequena criminalidade. Tudo fica entregue ao acaso e ao destino, como a governação desde 2011.
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