Aprender com os prussianos - por Viriato Soromenho Marques -
Os povos, tal como os indivíduos, tendem a submeter-se a rotinas e a sucumbir à força da inércia. Contudo, momentos existem em que ocorre uma ruptura. Um bom exemplo histórico são as reformas políticas operadas pela Prússia entre 1806 e 1815. link
Com efeito, em 1806, a Prússia viu a sua glória militar varrida por Napoleão nos campos de batalha de Saalfeld, Jena e Auerstadt, e o seu território mutilado pelo Tratado de Tilsit (1807). Em vez de se resignar, a monarquia prussiana efectuou uma rigorosa autocrítica. Percebeu que o Estado deveria estar ao serviço da Nação, e não só da classe aristocrática. O barão Stein, von Boyen, von Hardenberg, entre outros, deram corpo a um executivo moderno. Com pastas específicas e coordenação estratégica. Mudaram radicalmente as forças armadas, percebendo a importância do serviço militar obrigatório. Aperfeiçoaram a administração, reforçando o papel do mérito no recrutamento dos funcionários. Aboliram a servidão camponesa, que prolongava o feudalismo. Nas décadas seguintes, a Prússia lançaria as bases comerciais, políticas e financeiras da futura Alemanha.
A história mundial dos últimos dois séculos mostra-nos, com abundância de casos comprovativos, que as políticas públicas são o principal instrumento da inteligência colectiva, capaz de contrariar as desvantagens das nações, seja no que concerne à escassez de recursos naturais, seja no peso acumulado de inércias históricas negativas. As políticas públicas são visões activas de futuros possíveis, capazes de mobilizar a sociedade para as tarefas do progresso material, mas também para o aprofundamento da justiça e o alargamento da cidadania. As múltiplas dimensões da crise que afecta hoje Portugal, exigem que sejamos capazes de nos reerguer e convergir como sociedade em torno de novas visões do futuro comum. Depois da derrota de 1806, a Prússia sentiu a ameaça existencial iminente, e mudou de rumo. Olhando para a política portuguesa actual, temos razões para nos perguntar se a massa crítica da nossa elite já percebeu que a crise actual é o resultado de uma derrota histórica, não de um partido, mas de uma maneira inadequada e inconsistente de conduzir os negócios do Estado. Será que todos percebemos que a sobrevivência do país é o ponto central da agenda política dos próximos anos?
É neste contexto que temos de inserir o desígnio positivo da Fundação Calouste Gulbenkian de promover nos próximos dia 6 e 7 de Outubro, na sede da Fundação, em Lisboa, uma Conferência subordinada ao tema: "Afirmar o Futuro - Políticas Públicas para Portugal".
A Conferência irá debruçar-se sobre quatro áreas temáticas, servindo de charneira para o conjunto das políticas públicas. São elas. 1) Instituições, finanças públicas e reformas do Estado; 2) Economia real e desenvolvimento sustentável; 3) Políticas sociais; 4) Território, ordenamento e ambiente. Foram convidados peritos nacionais para a elaboração de propostas. Meditadas, fundamentadas e já discutidas em seminários preparatórios. A experiência das universidades, mas também das empresas, das administrações, e das associações da sociedade civil estará presente. Académicos de universidades estrangeiras, como Ricardo Reis, Paul de Grauwe e Mark Blyth, ajudarão a traçar um indispensável enquadramento. Possa esta conferência contribuir para que o país olhe de frente os desafios da realidade. O que só é possível com uma mente liberta para aprender, e a coluna numa postura claramente vertical.
Professor de Filosofia Política da Universidade de Lisboa
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Obs: Ao contrário de alguns académicos que se passeiam pelas redes sociais com o fito exclusivo de inflacionar o seu ego e esconder as suas frustrações e complexos, Viriato Soromenho Marques sabe verdadeiramente de Filosofia, de História, de Sociologia (militar e política) e conhece bem a dinâmica das relações internacionais dos últimos séculos. E ao conhecer tais factos, dinâmicas e correlações consegue "manipular" exemplos do passado e confrontar o presente nas sociedades contemporâneas, fazendo, desse modo, paralelos históricos e intelectuais interessantes.
O exemplo prussiano a que recorre, por efeito de contraste, procura demonstrar o falhanço do XIX Governo (in)Constitucional a que os portugueses, frustrados e impotentes, assistem. Ou seja, em Portugal a despesa não baixa, o Estado em vez de se modernizar desmantela-se, como um carro em fim de ciclo; nas FAs temos alguém que nunca cumpriu serviço militar; os recrutamentos e a fiabilidade geral do pessoal da "alta administração", a ajuizar pelo que se tem passado no Ministério da Educação e da Justiça, só para sublinhar dois exemplos grotescos de pura incompetência e irresponsabilidade, atestam bem o contrário daquilo que a monarquia/Estado prussiano fez no séc. XIX quando viu os seus territórios invadidos e o orgulho imperial ultrajado pelas forças do pequeno grande Napoleão.
Com efeito, um dos problemas que ajuda a explicar a razão pela qual este artigo não tem impacto nas elites que actualmente dirigem o país, reside no facto de os decisores - de S. Bento e até de Belém - desconhecerem o que foi a História da Europa dos últimos 250 anos, por isso o exemplo de modernização e eficiência da monarquia prussiana, na sequência das invasões napoleónicas, tende a cair em saco roto.
O alegado PM trata a história com os pés, do mesmo modo que o ministro Crato trata os professores ou a ainda ministra da Justiça (leia-se, do Caos) trata os cidadãos, os operadores judiciais e os tribunais.
É problemático fazer-se análise cultural, política, filosófica, histórica e sociológica quando o nível de preparação geral dos actuais dirigentes políticos é baixo. E segundo consta um nabo nunca deu à luz uma rosa...
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