segunda-feira

Eusébio: um plebeu chamado rei que viveu numa república



A cerimónia oficial do funeral da Princesa Diana, em 1997, foi compreendido pelos media (e comunidade em geral) - pela cobertura omnipresente que teve - como um evento extraordinário, revolucionário no plano mediático pelos meios e recursos que concitou no mundo inteiro. Apesar de contar com um momento público seguido de um momento privado, na Abadia de Westminster, acompanhado pela sua família e na propriedade desta. A cobertura mediática do funeral de Diana, segundo me recordo, foi ininterrupta e durou dias, e gozou duma atenção planetária concedida apenas  à morte de papas e de chefes de Estado. 

A cobertura foi verdadeiramente planetária e contou com a manifestação de pesar de todos os quadrantes da sociedade global: intelectuais, músicos, organizações internacionais, ONGs, chefes de Estados, personalidades dos mais variados espectros ideológicos, entidade públicas e privadas de todo o género. 

Em rigor, o funeral da "Princesa do Povo", como lhe chamavam (também pela sua simplicidade e origem), teve honras de chefes de Estado. Foi talvez nessa fase final da vida de Diana que a monarquia, que não morria de amores por ela, como é sabido, se reconciliou com ela através da adesão afectiva que o mundo inteiro lhe manifestou na hora da partida. Foi, pois, um amor forçado e interesseiro.

A esta luz até se pode afirmar que foi a morte trágica de Diana, em larga medida induzida pelo comportamento do marido (por razões de natureza sentimental que aqui não merecem comentário), que obrigou a velha monarquia do Reino Unido a reconciliar-se com a princesa do povo - para não perder mais as simpatias do reino e, por extensão, do mundo inteiro. 

Por contraste, Eusébio não é um cidadão oriundo de uma monarquia mas teve um funeral - não de Estado - mas mais do que isso: um funeral do Portugal profundo - feito por gente simples e popular que o amava como ama as coisas simples e importantes da vida.

De tal modo foi assim que não houve um momento público e um momento privado, como sucedera com o funeral de Diana. Eusébio até na hora da despedida se deu aos seus, foi popular e misturou-se com o povo que sempre o apoiou e venerou. Foi, afinal, igual a si próprio. Viveu com coerência de valores e princípios uma vida inteira. Nunca representou, como fazem muitos daqueles que sequestraram a sua imagem e capital simbólico para se promoverem publicamente. Primeiro, na esfera desportiva, depois no mundo da política autárquica e nacional. 

Curiosamente, Eusébio era um plebeu, mas as pessoas tratavam-nos por rei. 

Um "rei" que viveu numa república que sempre o medalhou, quer no tempo da ditadura de Salazar - através daquelas condecorações rotinadas formalizadas por aquele sujeito sem cérebro chamado Américo Tomás; quer já em democracia pluralista, em que Soares, Sampaio e Cavaco o condecoraram. Fizeram-no por mérito do visado, mas aqueles três PRs também o fizeram para se apropriarem da sua imagem pública e, assim, capitalizarem politicamente o poder simbólico de que Eusébio era portador. 

Eusébio não teve na sua cerimónia de despedida os grandes deste mundo, como Mandela teve (noutro plano político, em que Obama fazia "selfies"), mas contou com o apoio e o amor incondicionais da sua família, dos benfiquistas, dos seus amigos - portugueses e moçambicanos (e de toda a Europa) - que o conheceu, dentro e fora do campo e compreendeu o seu verdadeiro valor - enquanto futebolista e enquanto homem e cidadão do mundo. 

Nessas várias dimensões da vida, Eusébio foi, de facto, um plebeu chamado rei que viveu numa república. Parece contraditório, mas não o foi no seu caso. 

Essa disponibilidade e afecto permanentes que dedicou ao outro, fez dele a pessoa que hoje se despediu fisicamente do mundo do vivos, mas a sua memória e exemplo perdurarão para sempre nos nossos corações. 

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