Crise de confiança no Estado e nas instituições
Assalto em Gondomar que valeu mais de 1 milhão de € (link)
Se tivesse que eleger um facto revelador da desconfiança das pessoas no Estado, nas suas instituições, nas suas leis e práticas fiscais seria o caso relacionado com o assalto ao idoso de Gondomar, que ganhou a vida a trabalhar como emigrante, e que guardava num cofre, situado na fossa de sua casa - entre dinheiro e valores - mais de um milhão de euros.
Dinheiro que acabou por retirar do banco, com medo de o Estado, com a crónica instabilidade fiscal e a lamentável inconstância na formulação e aplicação das leis fiscais, o tributasse sobremaneira atingindo, assim, os juros expectáveis das suas poupanças. Como este cidadão não confiava no Estado retirou o dinheiro do banco para o guardar em casa, e depois aconteceu-lhe o pior. Foi assaltado na sua própria casa, presume-se que por um familiar que conhecia os hábitos e o local onde o titular guardava o dinheiro e os valores.
Afinal, o que distingue o pensamento e o comportamento deste aforrador daquilo que cada um de nós pensa sobre o assunto?
O que distingue este velho emigrante - porventura saído de Portugal na década de 60 do séc. XX - dos novos emigrantes - que se dirigem para a Europa (e outros destinos) para aí refazerem as suas vidas?
Enquanto que o idoso de Gondomar enviava remessas para Portugal, criando aqui as suas poupanças e acumulando os respectivos juros; os novos emigrantes portugueses já não enviam remessas para o seu país de origem, o mesmo que os expulsou, ou, pelo menos, não criou condições de trabalho e de bem-estar mínimas para que ficassem e por cá reorganizassem as suas vidas. Além, naturalmente, de a estrutura da formação curricular ser distinta entre essas duas categorias de emigrantes: os não qualificados vs qualificados.
Contudo, o essencial reside na atitude perante o país de origem, pois enquanto que nos velhos emigrantes permaneceu uma certa ideia de pátria, de ligação umbilical à origem e às raízes que fazia com que as poupanças decorrentes dos esforços e do rendimento do trabalho desses emigrante regressassem ao país; os novos emigrantes já não têm noção de pátria e as suas raízes estão onde forem construídas as novas bases de trabalho, de família e de bem-estar.
Os velhos emigrantes estão, apesar de tudo, agradecidos ao seu país que os viu partir e lhes negou, então, o direito à permanência entre os seus familiares e amigos; os novos emigrantes, ao invés, sentem um profundo desprezo pelas elites políticas que desenvolveram estratégias conducentes à emigração compulsiva, alguns desses titulares de cargos governamentais, lamentavelmente, até fizeram apelos públicos à emigração. Entre uns e outros há um mundo de diferenças, de percepções, de formações e qualificações e de background - e de projecto de vida no seu conjunto.
Os novos emigrantes são, ou pretendem ser, cidadãos do mundo, cosmopolitas, pessoas que gostam de viajar e de conhecer mundo; os velhos emigrantes actuam como o idoso de Gondomar, tiram as poupanças do banco julgando, desse modo, que o dinheiro ficaria mais seguro em casa, e sem o pagamento de juros. Pois dessa forma, o Estado já não estaria em posição de o taxar e de lhe comer parte das suas poupanças em resultado do conhecido arbítrio fiscal em Portugal, mormente nos últimos dois anos de governação do XIX Governo (in)Constitucional - em que vale tudo neste sistema fiscal verdadeiramente confiscatório.
Esta estória, lamentavelmente para o visado que assim fica sem poupanças (e sem os juros - a que teria direito se tivesse deixado o dinheiro aplicado no banco) é sintomática da desconfiança reinante entre o cidadão e o Estado - que faz leis abusivas e de carácter confiscatório para compensar o Estado de erros grosseiros de políticas públicas, gestão ruinosa, corrupção e pura incompetência que, nas últimas décadas, atingiram gravemente a economia nacional e a tornaram dependente da troika - cuja entrada em Portugal foi precipitada pelo PSD e o CDS ao chumbarem o PEC-IV, quando fizeram cair o Governo anterior. Tudo com a cumplicidade de Belém.
Em rigor, e como nota final, creio que a generalidade dos portugueses não pensa de modo distinto da do cidadão de Gondomar, pois se pudessem, e como forma de nos subtrairmos aos impostos brutais aplicados pelo Estado - todos e cada um de nós agiria exactamente como aquele emigrante.
Porventura, a única diferença é que ele tinha o dinheiro e os valores naquele montante, coisa que a generalidade dos portugueses não dispõe, ainda que seja possível admitir, em tese, que em cada família há sempre um "amigo" (familiar ou não) mais zeloso capaz de ser "amigo do alheio".
Etiquetas: assalto idoso de Gondomar, crise de confiança
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