quinta-feira

Não matem o mensageiro por - Viriato soromenho Marques

O discurso de Mário Soares na Aula Magna tem sido objeto de várias críticas, sendo a mais grave entre elas a de ser um incitamento à violência. Compreendo o desagrado em relação ao estilo usado, mas importa-me mais o espírito do que a letra no discurso da figura maior da nossa democracia representativa. Soares continua a ser um lutador, nos seus quase 89 anos. Ainda há menos de um ano teve um grave problema de saúde e isso não o fez recuar. Não é do tipo depressivo. Se a pátria está em perigo, Soares não cai na meditação melancólica do trágico destino da condição humana. Ergue a sua voz para denunciar a indiferença de um Governo que conduz não só uma política intelectualmente medíocre mas que é um reflexo inapagável do niilismo ético em que os atuais governantes navegam. Não hesita também em tentar acordar as várias oposições do seu torpor, entrincheiradas que se encontram numa espécie de imobilismo conformado. Soares tem um olfato raro para detetar a infâmia e a injustiça disfarçadas em narrativas ideológicas, tenham elas vindo do "socialismo real", de há quatro décadas, ou dos atuais campeões do capitalismo de miséria, disfarçado na cartilha mal aprendida do neoliberalismo. Soares podia ficar no conforto da sua casa, mas prefere mostrar uma empatia ativa com aqueles que sofrem na carne e na alma as consequências de uma crise de que não foram os causadores. Quando o general Cambronne se recusou a render em Waterloo, com o seu famoso palavrão, o que ficou para a história foi apenas a sua coragem. Esperemos estar ainda a tempo para que o discurso de Mário Soares na Aula Magna não venha a ser recordado no futuro pelo seu profético rigor.

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