sábado

A Cultura do Medo e da Resignação em Portugal



Qualquer reforma da Administração Pública de um Estado moderno que não seja uma ditadura das finanças - sobre as demais áreas e sectores da administração e das políticas públicas, deve respeitar alguns valores, princípios e regras acima representados. 

São regras simples, mas devem ser observadas sob pena de as administrações do Estado entrarem por caminhos ínvios e obscuros que premeiam a corrupção, o compadrio, o nepotismo, o tráfico de influências e um conjunto tão alargado quanto dissimulado de mecanismos que percorrem os corredores do poder que visam, ilegal e ilegitimamente, penalizar o bem comum e favorecer os interesses de algumas pessoas, grupos de pessoas ou corporações que se beneficiam dos recursos públicos (com a cumplicidade e ajuda dos actores do poder) à margem das regras da boa administração.

Obviamente que os recortes de jornal coligidos pelo dr. Paulo portas não observam uma só daquelas regras do Estado moderno e racional - tributário do legado weberiano que hoje preside ao funcionamento de qualquer administração pública de um Estado democrático e civilizado. Não temos culpa que o primeiro ministro oficioso, erigido em mito pelo Largo do Caldas e algum PSD que teve de o engolir nesta coligação contra-natura, desconheça os fundamentos da Teoria Geral da Administração Pública e no que consiste o Estado moderno racional e desburocratizado e de como ele se pode reformar sem violação grave da Constituição da República Portuguesa e da ofensa mais grosseira, como decorre dos esbulhos sistemáticos e progressivos aos salários dos portugueses em geral (com particular incidência nos funcionários públicos e pensionistas). 

Esta é, provavelmente, a mais triste lição a tirar daqueles que hoje,ao nível político, supostamente trabalham para o Estado ou falam em seu nome. Contudo, isto não autoriza a afirmar que tudo e todos que lá trabalham não sejam competentes e inovadores no seio das administrações. Muitos esforçam-se para que as inovações sejam implementadas e corram pelo melhor, ainda que os seus autores tenham de ser discretos e dar pouco nas vistas, não vá o diabo tecê-las...

Pela sua natureza, a inovação requer um desvio relativamente aos procedimentos habituais da acção estabelecida. E em certos Estados mais centralizados, como é o Estado português, esses desvios são, regra geral, um convite para repercussões negativas.

O resultado disso é a institucionalização de uma cultura de medo e de resignação. Para sobreviverem os funcionários públicos, ou alguns deles, que assumem uma maior cultura de risco e independência face ao poder político vigente, têm, necessariamente, de assumir um low profile. E decidem, a cada momento dos desafios da reforma do Estado e das suas administrações públicas, que a melhor resposta (ou a mais defensiva!!) decorre de um "talvez". 

Ou seja, na prática, os funcionários públicos, independentemente dos graus de responsabilidade que tenham, cumprem regras, transferem responsabilidades e, acima de tudo, não fazem ondas. Esta tem sido a atitude mais comum na generalidade da administração pública em Portugal desde o salazarismo. 

Ora, é neste quadro apertado que pergunto qual será, então, a postura administrativa mais adequada para responder aos desafios da modernização do Estado e da recessão socioeconómica que grassa em Portugal (que tem sido brutalmente agravada através das políticas públicas cegas do XIX Governo Constitucional) - numa circunstância em que o Estado é, ele próprio, o 1º actor institucional a violar grosseiramente a Constituição, a esbulhar o património às pessoas e dar péssimos exemplos à sociedade e falta de estímulos à economia, incapaz de sair do ciclo inferno em que mergulhou.

Ao longo da história a ignorância de uns, poucos, sempre foi a tragédia de muitos. Portugal, lamentavelmente, está a passar por esse inferno. 


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