terça-feira

A importância dos velhos líderes políticos na Europa: o caso de Mário Soares

 
 
 
É conhecida a importância do poder, da autoridade e da influência (os três conceitos nucleares da Ciência Política) que os velhos líderes políticos têm na Europa. A sua influência varia consoante a sua capacidade de intervenção na esfera pública, da sua idade, da sua lucidez e, claro, da relevância histórica que tiveram na transição das ditaduras para as democracias pluralistas e o rule of law. O dr. Mário Soares, não obstante ter envelhecido bastante no último ano e ter ficado menos lúcido e articulado no seu discurso político, continua a intervir nos jornais, através de artigos de opinião e, no domínio do activismo da sociedade civil, não se furta a burilar consensos entre as forças políticas de esquerda com o fito de fazer cair o Governo.
 
É neste contexto que Mário Soares defende que Portugal deve acabar com as políticas de austeridade, como acabou com a ditadura, e, ao mesmo tempo, procura gerar um consenso entre as direcções partidárias do PS, do PCP e do BE - sempre dissonantes entre si, a fim de gerar uma vaga de fundo que faça cair o Governo em funções. Eis o propósito dessa frente comum que irá decorrer na Aula Magna, tendo o seu Reitor, Sampaio da Nóvoa, como um desses sponsors que, desde já, se perfila para ser o candidato da esquerda à PR.
 
No fundo, o dr. Soares não se coibe de organizar consensos partidários, sindicais e no âmbito da sociedade civil com o fito de gerar uma tal vaga de fundo que faça efectivamente cair o XIX Governo Constitucional. Ainda que o pretexto para esse desiderato assente no combate às políticas de austeridade.

Neste quadro, pergunto-me se Felipe Gonzalez, em Espanha, teve tanta influência sobre o rumo dos acontecimentos nacionais após ter deixado o poder?! Ou mesmo Aznar, H. Khol, na Alemanha, Tony Blair no RU..., e um pouco por todos os pequenos, médios e grandes países da Europa - que hoje vive uma crise de liderança, seja pelas elites que tem, seja ainda pelos ideais e princípios que têm guiado o projecto da UE à quebra de estatuto regional comparativamente aos demais blocos geoeconómicos do mundo. E por esta quebra de estatuto de superpotência da UE a Alemanha (com ganhos nacionais) tem sido muito responsável.  

Mas o que é singular nesta tosca comparação relativamente à influência que os antigos líderes da Europa tiveram nos respectivos países, é a idade avançada de Mário Soares, hoje com 89 anos, fazendo 90 a 7 de Dezembro. De forma igualmente peculiar é o conjunto das interacções que o fundador e sócio nº 1 do PS consegue dinamizar e levar para o sistema político um conjunto de vontades, orientações e de objectivos que os líderes no activo não conseguem motorizar e congregar na sociedade.

A esta luz, Mário Soares nunca deixou de fazer política, pois ao interferir nesse sistema de comportamentos acaba por multiplicar dois tipos de envolvimentos: 1) o envolvimento intra-societal - ao chamar à colação os chamados sistemas não políticos que integram a sociedade global, no plano das esperanças, dos ideais e do sistema de ideias e comportamentos; 2) e o envolvimento extra-societal - que compreende todos os sistemas que existem fora da própria sociedade, como os partidos, os sindicatos e os movimentos sociais mais politizados (nacional e internacionalmente).

Ora, quer se goste ou não desta influência moral  e política efectiva que o Dr. Soares exerce no sistema político nacional, é útil reconhecer a capacidade que tem nesse envolvimento total - que interliga o sistema social ao sistema político revelando, afinal, que tudo tem relação com tudo e que qualquer sociedade contemporânea opera segundo um sistema de vasos comunicantes que tem (e deve) atender ao que é, em cada momento, o pulsar sociológico de um povo.

Todavia, o que, porventura, o recurso ao exemplo de longevidade de Mário Soares desoculta, é a falta grave de lideranças intelectuais, de lideranças políticas e de movimentos de massas e/ou de política de elite em larga escala gerador de ideias e correntes de pensamento que dinamizem a mudança sociopolítica. É isso que também revela a longevidade política de Mário Soares, a caminho dos 90 anos. Findo ciclo histórico da integração europeia, que acompanhou de perto, com os magros resultados para os tecidos social, empresarial e económico conhecidos, urge redesenhar o novo espaço da União Europeia, os seus novos desígnios e as políticas públicas para os implementar. Daí a urgência daquelas três estapas que as elites têm de percorrer (lideranças intelectuais, lideranças políticas e movimentos de massa/política de elite em larga escala) necessários à regulação dessa mudança.

Em suma: Mário Soares acha que Portas e o cds/pp estão sendo chantageados pelo parceiro maior da coligação tendo como pano de fundo essa vexata questio (leia-se, os submarinos...) que a nossa ineficiente justiça nunca conseguiu esclarecer, e, nesse sentido, as preocupações (e também as farpas políticas) de Soares dão eco à ideia de que o sistema político é mais um sistema aberto, que mantém múltiplas trocas e transações com o seu ambiente.

Goste-se ou não das intervenções do Dr. Mário Soares, creio que elas se orientam sempre por uma ideia nuclear: ver além do seu umbigo, e nisto vai uma diferença colossal relativamente às acções do escol dirigente que temos hoje no activo em Portugal.

 

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