sexta-feira

Conflito entre lealdade e justiça

Estes dois valores, lealdade e justiça, sempre rivalizaram ao longo da história, sobretudo quando os actores políticos são oriundos de espaços politico-ideológicos (e programáticos) distintos e têm projectos de sociedade diversos entre si para o futuro de Portugal, apesar de termos enorme dificuldade em encontrar uma ideia, uma ideia só, em cavaco para o futuro colectivo de Portugal. Daí que as lealdades destes dois homens, antes de estar ao serviço de um ideal, de um desígnio, de um projecto nacional, remete antes para projectos politicos pessoais ligadas à carreira pessoal e política de cada um. Portanto, a haver deslealdade, como ora um acusa o outro, no quadro da chamada literatura de justificação, tal deve-se mais à desconsideração de natureza pessoal que estas duas pessoas sempre nutriram uma pela outra (dentro e fora do espaço público), do que própriamente à violação ou desrespeito de normas ou aspectos essenciais à realização de um verdadeiro desígnio nacional, que, em rigor, sempre foi inexistente entre Belém e S. Bento nos anos de governação Sócrates.
Deslealdade de S.Bento a Belém por causa do PECIV? Deslealdade de Belém e S.Bento relativamente aos portugueses, no que diz respeito à penalizante nacionalização do BPN?
Afinal, falamos de questões de natureza pessoal ou de verdadeiros interesses nacionais afectados por essa relação pessoal? Numa sociedade aberta, feita de homens livres, a participação nesses grupos de poder, será sempre voluntária, estranho é que os ataques políticos feitos por uma das partes em relação à outra - que já não se encontra em funções - se faça de modo extemporâneo, senão mesmo cobarde.
Ou será que Belém tem informções concretas acerca dum eventual regresso de Sócrates à liderança política e faz, agora, este ataque preventivo visando matar politicamente aquilo que ainda "mexe"?!
De que tipo de deslealdade falamos: a pessoal, e que é altamente discutível, contraditória e volátil; ou a institucional, com relevância política para o futuro de Portugal.
Afinal, o que fizeram ambos no maior caso de criminalidade económica que foi (e é) o BPN, senão ratificarem a decisão de nacionalização em 2008, obrigando ainda hoje o Estado a injectar dinheiro dos contribuintes para aquele poço sem fundo?Quantos subsídos de natal, retenções de saúde, portagens, IMIs, etc estão condensados naquela desbunda financeira verdadeiramente criminosa na história económica, financeira e social do país?
De que vale, afinal, a PR ter poderes delimitados na CRP e não os utilizar. Vivemos numa sociedade livre, mas, de facto, Cavaco dá a entender ao país que durante os anos da governação Sócrates ele estava impedido de falar, e só o faz agora quando o seu interlocutor já não se encontra em funções.
Porventura, haverá maior deslealdade ao país do que esta incoerência?
Afinal, que razões ou motivos impediram Cavaco de falar quando Sócrates era PM? A reacção extemporânea de cavaco revela, entre outras coisas, que aquele ainda não compreendeu a distinção entre uma sociedade aberta e uma sociedade fechada, (e quem são os verdadeiros inimigos da democracia e da liberdade), retomando a terminologia de Karl Popper. E cujos conhecimentos poderia ajudar Belém a conhecer um pouco melhor a história das ideias, dos sistemas políticos e não comportar-se como um velho ressabiado da política que, ainda por cima, e estando no poder há décadas, tem usufruído sempre de todas as regalias e privilégios que a maior parte dos portugueses jamais terão.
Ora, é nessa sociedade aberta, cujos pressupostos cavaco desconhece, que talvez valha a pena fazer a distinção entre as normas morais, que não são impostas, e as normas jurídicas, que o são.
Mas cavaco, como já o provou até à exaustão, revela desconhecer a Constituição por que se rege, e desconhecendo o essencial desse ordenamento jurídico não surpreende que produza hoje ataques políticos àqueles que já abandonaram o poder há quase um ano. O que os portugueses gostariam de ver cavaco fazer era outra coisa: inquirir o sistema judicial por que é tão lento, caro e incompetente, destruindo a vida económica e social do país? por que razão não se combate efectivamente a corrupção? por que razão cavaco não dá o seu precioso contributo para a desmontagem dessa mega-fraude que é o BPN?
Cavaco tem hoje imensos telhados de vidro, e se julga que ao fazer explodir bombinhas de carnaval nos telhados alheios não sai afectado, engana-se. Pois a história documenta que, por vezes, há movimentos inesperados e surpreendentes que acabam por ditar as verdadeiras normas da história, e essas não são feitas com ataques cobardes a terceiros.
Só que submeter-se às normas da boa sociedade aberta, determinada por finalidades comuns superiores, e não ousar culpar terceiros como quem sacode a água do capote (desresponsabilizando-se torpemente de certas decisões públicas altamente penalizadoras para o interesse nacional), requer evidentemente um grau de moral, de carácter, de integridade e probidade, e de compreensão da própria história e da cultura que só poucos actores políticos alcançaram em Portugal.
E esse hoje é o nosso grande drama: buscamos referências morais e políticas, faróis que nos apontem um caminho, e só nos sai um cavaco atravessado a meio do túnel, ainda por cima para dizer que a luz ao fundo do túnel está, de facto, fudida.

Etiquetas: