terça-feira

A democracia. Evocação de Rousseau e Alexis de Tocqueville

Temos assistido a um membro do Gov, o Álvaro, ser fustigado por alguns membros do seu Gov, ser ridicularizado pelos media e pela opinião pública em geral. Em parte, tal deve-se ao perfil do visado e à imagem que ele foi dando de si, seja no seu aspecto formal, seja nas questões de fundo, onde tem falhado, designadamente no apoio às PMEs e à sua internacionalização.
A sua permanência no Gov é já um empecilho para o Gov, uma humilhação para o próprio ministro e é nocivo para a própria sociedade, já que um ministro profundamente diminuído nas suas faculdades políticas e psicológicas é, de facto, um "pássaro" ferido que jamais conseguirá concluir o seu vôo, não obstante os apoios pífios e tardios de alguns colegas de Gov, de algum empresariado e pouco mais.
Significa isto que a democracia é este conjunto de tensões políticas e pessoais, e são elas que formam a realidade social e económica de um país. Mas, neste caso, é óbvio que a permanência deste ministro no Gov só penalizará a acção parcelar e de conjunto do Gov, pois ao manter as raizes do problema também se agudizam (ou adiam) as soluções de governação económica que o país urgentemente precisa: um Plano Nacional de Recuperação Económica que meta o país a crescer.
É nessas tensões - no interior da própria democracia, que se projectam as tendências entre individualismo e oligarquia, ou, como recorda Alexis de Tocqueville, uma luta entre a igualdade e liberdade. Na prática, e tomando como exemplo o caso vertente, o Álvaro, como gosta de ser chamado, apenas deseja ser um membro igual aos seus pares, mas estes, mormente por pressão do ministro das Finanças, já demonstraram que há uma forte hierarquia no Governo e que esse desnivelamento e assimetria de poder é consentido (e fomentado) pelo próprio PM, já que este também se encontra demasiado dependente (em matéria de autoridade fiscal) do ministro das Finanças, que tem sido o verdadeiro PM em exercício.
E aqui chegados, com o auxílio intelectual de Tocqueville, qual prolongamento do pensamento de J.J.Rousseau, estamos em condições de aferir que a democracia comporta o seu momento maquiavélico, ou seja, a democracia acaba por trabalhar, sem querer, contra ela própria e os interesses do país que seria suposto servir, sobretudo em momentos críticos, como os que estamos a viver em Portugal, de que a total falta de coordenação política sectorial é expressão lamentável.
Em face da falta de autoridade progressiva do PM perante a crescente gravitas do seu ministro das Finanças, que governa em função do balanço orçamental e não da necessidade urgente do crescimento e desenvolvimento do país, Coelho ficou nas mãos de Gaspar, eis o motivo das tensões geradas no Gov. E é, por um lado, a tentativa de um equilíbrio em permanência e, por outro, a tentação do desequilíbrio (também em permanência), que instabiliza este tipo de democracia que, porventura, já chegou ao seu fim de ciclo e carece de aperfeiçoamento nos seus dispositivos nas democracias liberais do nosso tempo.
Igualmente grave é reconhecermos que um titular de um cargo público, no caso o ministro da Economia, enquanto pessoa, perde a sua capacidade de pensar e fica alienada. Aliás, a forma como o titular da pasta escapa aos media espelha essa condição de menoridade que já subjectivou, de pessoa que já perdeu a sua autonomia pensante num Gov que integra, mas no qual já não toma decisões relevantes na sua própria esfera de acção: a Economia.
Naturalmente, e na linha do que aqui interpretei abaixo, pode concluir-se que o responsável por estas tensões resultam da fraca liderança (e autorictas) de Passos Coelho, que é o primo inter pares, mas que, na prática, já delegou essa função para o seu ministro das Finanças. Este facto fragiliza a democracia, contamina as hierarquias no Gov, facilita as teorias conspirativas no seio do próprio Gov, que é de coligação com um adversário figadal (o CDS), teorias essas que, na prática, representam a negação da inteligência de quem, uma vez no Gov do país, deveria buscar o melhor para os portugueses.
O absurdo da democracia em Portugal chegou a este ponto: os representantes do patronato em Portugal enviaram ontem uma carta ao primeiro-ministro onde pedem que o QREN fique sob a alçada de Álvaro Santos Pereira.Económico
Numa palavra: o PM de Portugal não é hoje um homem livre, já que todas as suas decisões estão politicamente sequestradas nas mãos do seu ministro das Finanças que acaba por ser o regulador das tensões no seio do Gov.
Os portugueses quando votaram, os que votaram nesta coligação de centro-direita, não o fizeram, salvo melhor opinião, na suposição de que estariam a votar numa espécie de tutor eurocrata (gasparzinho) cujas semelhanças e métodos de trabalho mais se aproximam do velho António de Oliveira Salazar (que empobreceu o país, tornando-o iletrado em nome dos cofres cheios de ouro), do que dos métodos democráticos e pluralistas das democracias liberais do séc. XXI.

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