sexta-feira

De quem é a culpa pela existência dos pobres?

Diego Rivera - a noite dos pobres
É bom lembrar que a pobreza não foi sempre igual ao longo dos tempos, embora sempre se tenha aferido relativamente ao desenvolvimento económico e social de cada época e que também sempre foi compreendida de modo subjectivo.
Ilustrando: o mundo do Antigo Regime vivia, na sua esmagadora maioria, no limiar da pobreza. De súbito, qualquer uma dessas pessoas poderia ser mortalmente afectada por uma má colheita, por um acidente, por uma questão de saúde, por uma condenação de justiça ou até por alterações na economia local ditadas por factores externos que os Estados sempre estão expostos em cada conjuntura, sobretudo os Estados mais fracos e vulneráveis.
Portugal tem sofrido essa dependência ciclicamente, a que se sucede também ciclos de pobreza e de subdesenvolvimento, como ora vivemos com esta brutal onda de austeridade neoliberal importada das normas fixadas há cerca de 20 anos pelo chamado Consenso de Washington.
Portanto, pobre era toda a pessoa que não era capaz de se alimentar, vestir e ter um abrigo pelos seus próprios meios. Embora também se pudesse considerar pobre aquele que não era capaz de manter o nível de vida correspondente à sua condição e estatuto social. No Antigo Regime cerca de 4 em cada 5 crianças viviam na aflição de cair na miséria extrema. Era uma preocupação constante que marcava os comportamentos e atitudes colectivas. Sendo certo que havia grupos de pessoas que precisavam de ajuda imediata para sobreviver, e depois existia outro tipo de pobres que conseguiam, apesar de tudo, manter-se e sobreviver. Estes eram como que "pobres legítimos", reconhecidos socialmente.
Mas também havia, e há, os chamados "pobres maus": aqueles de quem a sociedade entendia não dever ter pena e, consequentemente, não ajudava, pois entendia que podendo eles trabalhar se dedicavam à banditagem e à pura maldade, penalizando a sociedade no seu conjunto. Estes viviam de delitos e furtos vários, e tinham, naturalmente, que estar sempre em movimento. Eram nómadas por natureza, até para não serem apanhados e punidos pela justiça na sequência dos crimes que cometiam.
Há de tudo na tentativa de estabelecer tipologias de pobres: mendigos que sobreviviam, outros morriam de fome e ao frio. O que prova que o complexo mundo da pobreza era (e é!) heterogéneo e os factores que concorrem para esse empobrecimento eram também vários: crescimento demográfico, fomes, epidemias, mudanças socieconómicas estruturais, emigração económica, despovoamento das regiões que viviam da velha economia, e, claro, erradas políticas públicas (na sua concepção e execução) assim como elevados índices de corrupção cumpliciados pelos sucessivos governos (quais patronos de economia paralela), fazendo com que largas faxas da população, que já é excluída do acesso aos bens económicos e sociais, fique ainda mais arredada deles.
É certo que já então havia redes de vizinhança que atenuavam essa pobreza extrema, as confrarias e outras organizações de cariz social. Toda essa maquinaria de economia social (a que mais tarde Peter Drucker designou de Terceiro Sector = economia social) entrava em acção quando os apoios naturais da família falhava nessa entreajuda dos apoios necessários à vida.
Nesse particular, não devemos esquecer que uma das Sete Obras de Misericórdia era dar de comer a quem tem fome. O problema, como hoje já se verifica entre nós, em pleno séc. XXI, é o galopante desemprego, gerador de dificuldades sociais gritantes, sobretudo numa conjuntura que já é recessiva, sendo certo que aquela ideia peregrina de ver na emigração a panaceia para os problemas económicos e sociais portugueses ainda é mais gravosa neste jogo entre misérias públicas e privadas.
Misérias ilustradas por casais (de 70 e 80 anos) que hoje têm de sustentar filhos com cerca de 40 anos, que ficaram desempregados. É este tipo de pressões e anacronismos que também está a rebentar os últimos laços sociais que no passado recente existiam com alguma solidez no seio das próprias famílias.
Todavia, isto não responde à questão de partida: de quem é a culpa pela existência de pobres?
Será que os pobres são pobres por sua culpa exclusiva? Porque eram maus e praticavam a maldade sob a forma de crimes vários? Porque se reproduziam como "ratos" e essa situação agravava ainda mais a sua já débil condição socioeconómica? Porque preferiam roubar a trabalhar? Porque eram alcoólicos, (perdão, bêbados) e preferiam o furto e o lazer ao trabalho e às responsabilidades? Porque, no limite, também eram maus cristão?
Enfim, um conjunto de razões, paradoxalmente, explica e não explica a pobreza em cada uma das sociedades, na suas múltiplas dimensões, vertentes e complexidades - que, desde o séc. XIX - permite constatar a incapacidade de atribuir à raiz da pobreza apenas os mecanismos de origem económica, na estrutura da propriedade, no excesso de população ou no quadro mais vasto das relações sociais.
Há, de facto, uma outra razão que se prende com o preconceito relativo à pobreza, cujos efeitos negativos acabaram, infelizmente, por agravar ainda mais as condições de vida dos próprios pobres. Muitos dos quais acabariam por interiorizar esse estigma com o peso da sociologia e da cultura de que o ser pobre é, de facto, paralisante perante a sociedade.
Mas, no fundo, há muito de comum entre pobres e ricos, já que uns e outros só querem deixar de viver com preocupações e serem felizes.

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