quinta-feira

Governação mundial sem liderança - por Dani Rodrik

Professor da Universidade de Harvard, Dani Rodrik
A economia mundial está a entrar numa nova fase, na qual o alcance da cooperação global tornar-se-á cada vez mais difícil. Os Estados Unidos e a União Europeia, agora sobrecarregados pelo elevado endividamento e o baixo crescimento – e, portanto, preocupados com questões internas – já não são mais capazes de definir regras mundiais e esperar que outros alinhem.
A agravar esta tendência, potências emergentes, como a China e a Índia, atribuem muita importância à soberania nacional e à não interferência em assuntos internos. Isso faz com que não estejam dispostas a submeter-se a regras internacionais (ou a exigir que outros respeitem tais regras) – sendo assim improvável que invistam em instituições multilaterais, tal como os EUA fizeram no rescaldo da II Guerra Mundial.
Como resultado, a liderança e a cooperação mundial permanecerão com uma oferta muito limitada, exigindo uma resposta cuidadosamente ponderada na governação da economia mundial – mais especificamente, um magro conjunto de regras que reconheça a diversidade das circunstâncias e exigências nacionais em prol de uma autonomia política. Mas as discussões do G-20, da Organização Mundial do Comércio e de outras instâncias multilaterais prosseguem como se o remédio santo fosse mais do mesmo – mais regras, mais harmonização e mais disciplina nas políticas nacionais.
No que diz respeito ao essencial, o princípio da “subsidiariedade” oferece a forma correcta de pensar sobre as questões de governação mundial. Diz-nos quais os tipos de políticas que devem ser coordenadas ou harmonizadas a nível mundial e quais devem ser maioritariamente destinadas aos processos de decisão internos. O princípio demarca as áreas onde precisamos de uma governação mundial extensa, daquelas onde apenas uma fina camada de regras globais é suficiente.
As políticas económicas baseiam-se aproximadamente em quatro variantes. Num extremo estão as políticas internas que não criam (ou criam muito poucas) repercussões além das fronteiras nacionais. As políticas de educação, por exemplo, não necessitam de qualquer acordo internacional e podem ser deixadas, com segurança, entre os processos de decisão internos.
No outro extremo estão as políticas que implicam o “património comum mundial”: o resultado de cada país é determinado não pelas políticas internas, mas pela (soma total das) políticas dos outros países. As emissões de gases com efeito de estufa são o caso arquetípico. Em tais domínios políticos existem fortes argumentos para se estabelecer regras vinculativas mundiais, uma vez que cada país, entregue a si próprio, tem interesse em negligenciar a sua parte na preservação do património comum mundial. A incapacidade de obter um acordo global condenaria toda a gente a uma catástrofe colectiva.
Entre os extremos estão outros dois tipos de políticas que criam repercussões mas que precisam de ser tratadas de forma diferente. Primeiro, existem as políticas “prejudicar o vizinho”, por meio das quais um país retira benefícios económicos à custa de outros países. Por exemplo, os seus líderes limitam o fornecimento de um recurso natural, no sentido de aumentar o seu preço nos mercados mundiais ou prosseguem com políticas mercantilistas, na forma de grandes excedentes comerciais, sobretudo em situações de desemprego e de excesso de capacidade.
Uma vez que as políticas “prejudicar o vizinho” criam benefícios, através da imposição de custos sobre os outros, também necessitam de ser reguladas a nível internacional. Este é o argumento mais forte para submeter as políticas monetárias da China ou os fortes desequilíbrios macroeconómicos, como o excedente comercial da Alemanha, de forma a existir uma maior disciplina global, em relação à que existe actualmente.
As políticas “prejudicar o vizinho” devem ser distinguidas das políticas que se poderiam chamar de “prejudicar-se a si mesmo”, cujos custos económicos são suportados principalmente em casa, embora possam também afectar os outros.
Considere os subsídios agrícolas, a proibição de organismos geneticamente modificados ou uma regulação financeira negligente. Embora estas políticas possam impor custos a outros países, elas não são utilizadas para se extrair vantagens mas sim porque outros motivos políticos internos – tais como os distributivos, os administrativos ou as preocupações de saúde pública – prevalecem sobre o objectivo da eficiência económica.
O argumento da disciplina global é bastante mais fraco com as políticas “prejudicar-se a si mesmo”. Afinal de contas, não deve ser da responsabilidade da “comunidade mundial” dizer a cada país como deve agir para influenciar os objectivos concorrentes. Impor custos a outros países não é, por si só, um motivo para a regulação mundial. (Na verdade, os economistas dificilmente reclamam quando a liberalização comercial de um país prejudica os concorrentes). As democracias, em particular, devem ter o direito de cometer os seus próprios “erros”.
Naturalmente, não há nenhuma garantia de que as políticas internas reflictam com exactidão as exigências da sociedade; até mesmo as democracias são feitas reféns por interesses especiais, com alguma frequência. Sendo assim, o argumento da regulamentação mundial assume uma forma bastante diferente com as políticas “prejudicar-se a si mesmo” e exige requisitos processuais destinados a melhorar a qualidade das políticas internas. Os padrões globais referentes à transparência, à ampla representação, à responsabilidade e à utilização de provas empíricas, por exemplo, não limitam o resultado final.
Diferentes tipos de política exigem diferentes respostas a nível mundial. Actualmente é desperdiçado bastante capital político a nível mundial para harmonizar as políticas “prejudicar-se a si mesmo” (principalmente nas áreas do comércio e da regulação financeira) e não é gasto o suficiente nas políticas “prejudicar o vizinho” (tais como os desequilíbrios macroeconómicos). Esforços demasiado ambiciosos e mal direccionados na governação mundial não serão benéficos para nós numa altura em que a oferta de uma liderança e de uma cooperação mundial continua limitada.
Tradução de Deolinda Esteves/Project Syndicate
Obs: um artigo interessante, marca uma tendência de comportamento previsível dos agentes políticos internacionais para a próxima década.

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