sexta-feira

O dia seguinte - por António Vitorino -

Ocupados com a campanha eleitoral, a nossa atenção só de forma muito marginal tem registado o debate em curso na Europa sobre a situação da Grécia. Contudo, o que nas próximas semanas se passar naquele país terá uma influência decisiva no caso português, para além do próprio resultado eleitoral do próximo domingo.
Em primeiro lugar, porque o caso grego evidencia as diferenças entre o acordo celebrado pela Grécia com as instituições europeias e o FMI e o acordo português. Essa evidência traduziu-se já, neste nosso caso, na maior preocupação que os negociadores internacionais expressaram quanto às condições de sustentabilidade do processo de ajustamento e quanto às probabilidades de êxito.
Muitos entenderam que, quando se sublinhavam essas diferenças em benefício do caso português, se estava ainda a usar um argumento eleitoral (ou eleitora- lista). Na realidade, as dúvidas sobre o modelo de acordo, já então claras quanto à Grécia, foram um elemento relevante da negociação portuguesa, não por causa dos nossos bonitos olhos ou porque beneficiemos de qualquer simpatia especial, mas sobretudo porque é também do interesse das instâncias europeias e do FMI que os programas de ajustamento alcancem os resultados pretendidos. É que, se a execução dos programas acordados se afastar das metas e objectivos fixados, assistiremos inevitavelmente a um retomar do efeito de contágio com enorme impacto sobre a credibilidade do Euro.(sublinhado é nosso)
A derrapagem já verificada quanto ao programa grego ficou a dever-se, por um lado, ao impacto negativo nas receitas fiscais decorrente da recessão económica gerada pelas medidas de austeridade e, por outro, aos atrasos e ineficiências de execução da administração grega, nomeadamente quanto ao programa de privatizações que todos sabiam, aliás, à partida, ser extremamente ambicioso.
Encontrar uma solução para o "novo" caso grego tornou-se uma necessidade urgente. Esse é o debate em curso nas instituições europeias e no FMI.
Com efeito, não parece possível à Grécia regressar ao financiamento dos mercados internacionais sem criar um horizonte de esperança no tocante à retoma do crescimento económico. Ora, este é o aspecto sobre o qual quer o Governo grego quer as instâncias internacionais têm de se debruçar em paralelo com a decisão de um novo reforço da facilidade de liquidez a muito curto prazo, o mesmo é dizer, um novo financiamento que, até final de Junho, garanta a satisfação das obrigações internacionais do Estado grego.
Naturalmente que esta negociação suplementar seria mais fácil para a Grécia se parte da derrapagem não pudesse ser imputada às responsabilidades próprias do Governo grego. Convém, pois, meditar sobre este exemplo, para ter bem consciência de que o essencial do êxito do programa de ajustamento depende das condições de aplicação, ou seja, da conduta das autoridades nacionais dos países que acederam à assistência financeira internacional.
No caso grego, as condições de aplicação foram condicionadas, por um lado por ineficiências da máquina administrativa grega (em especial da máquina fiscal e das instâncias responsáveis pela condução do processo de privatizações) e, por outro, por dificuldades de natureza política, dada a intransigência negocial do principal partido da oposição, ainda que o Governo grego disponha no Parlamento de uma confortável maioria absoluta.
Por isso, atentar no caso grego é particularmente importante para nós portugueses. Ainda mais quando estamos a poucas horas de fazer uma escolha política decisiva para o nosso futuro.
A exigência e o esforço requeridos para a aplicação do programa de ajustamento acordado por Portugal impõe, pois, uma acrescida capacidade administrativa de planeamento e execução e um respaldo político e social alargado. Mais do que a pequena querela dos prazos do Memorando, o que conta é saber que plataforma política e que diálogo social podem mobilizar as energias nacionais para responder aos desafios com que estamos confrontados. E essa é uma questão central da opção de voto no domingo. Mas é sobretudo a grande questão dos dias seguintes.
Obs: Há, pois, que evitar sermos gregos à portuguesa.

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