A importância de Oscar Wilde: a auto-limitação
Um remake de Março de 2009. Peço aqui desculpa por me citar a mim próprio.
Ao simples facto de que não devemos ser gulosos, nem alimentar nenhum dos outros pecados capitais que nos tornam infantis e escravos da fealdade do poder. Sem esta auto-limitação, que só poucos sabem cultivar, seja na nossa vida privada ou mais notóriamente na esfera pública, acabaremos por não gostarmos de nos ver reflectidos no espelho. Ficamos horríveis, velhos, cheios de fealdade. Como na política, também não podemos manipular os ponteiros do tempo, e dizer: - agora é, de novo, o tempo do 25 de Abril;
- agora o Salazar, já com 150 anos, ainda está vivo e sentado no cadeirão de S. Bento mesmo a jeito para levar umas boas bordoadas;
- agora vamos todos fundar os partidos democratas em ambiente de plena democracia;
- agora vamos todos para o exílio e de lá reportar umas radiofonadas anti-salazarentas - para refazer a história e apurar a biografia;
- agora vamos extinguir a PIDE;
- agora vamos sair do PCP - porque percebemos que queremos integrar partidos verdadeiramente democráticos. Alguns destes alienados demoraram imenso tempo a perceber isso e ainda acham que a Coreia do Norte é um jardim aprazível no melhor dos mundos possíveis;
- agora vamos, novamente, escavacar o Muro de Berlim, dizer asneiras à ex-URSS e fazer uma estátua a Gorby.
Esta manipulação do tempo é, técnicamente, impossível, senão em pensamento.
Mas há ainda em Portugal alguns históricos que não perceberam o retrato que estão pintando deles próprios. Não percebem as baboseiras que debitam nas péssimas entrevistas que dão. Não entendem que apenas estão dando tiros no pé. Julgando-se moços, vigorosos, importantes, necessários, imprescindíveis mesmo à República. E a República, como é complacente, ri-se, envergonha-se, condói-se e pouco ou nada diz - apenas para não envergonhar certos desses magnatas do vazio que passeiam a sua alienação e surdez pelos passos perdidos de S. Bento, Lapa, Larga da Rata e conexos... Não percebendo o ridículo em que incorrem ao projectar de si próprios um poder que não têm, uma influência que, na realidade, nunca tiveram e um sistema de pensamento a que foram sistemáticamente alheios. Porque, em rigor, tirando o velho Salazar que serviu de saco de boxe para alguns pugilistas emergentes, nunca fizeram nada de original na vida e vivem do mecenato político há mais de três décadas.
Bem sei que esses novos velhos do Restelo dizem: se eu pudesse ser sempre moço, mesmo quando envelhecesse... Por um milagre faria tudo. Sim, não há no mundo, como diria Wilde, o que eu não pudesse dar em troca. Daria até a alma, em troco do naco do poder...
Este exemplo de Gray e o recurso à literatura é importante porque nos mostra mais fácilmente os vícios de certos amantes do poder, de certos artistas das letras que vivem do tal mecenato, amantes do abstracto e de coisa nenhuma. Numa espécie de neo-realismo do vazio que tais condutas hedonistas nos revelam.
As pessoas, essas que não sabem o que é o vitupério e desconhecem o que é a auto-limitação kantiana, incorrem fácilmente na asneira, na alarvidade, no agigantamento de si mesmos incorrendo no pior dos ridículos que um homem pode ter. Armados em estetas do vazio, não sabem já que o espelho devolve uma imagem decadente, cheia de falhas, de oportunismos, de traições, de deslealdades, no fundo, com uma imagem desfigurada. Desfigurando também a própria imagem da democracia - embora falando dela como coisa perfeita.
Entre nós chegou-se a este paroxismo. De facto, a literatura sempre foi um veículo de excelência para compreendermos as motivações das pessoas, fixar as suas trajectórias e concluir pela moral ou imoralidade de certas condutas. O Retrato de Dorian Gray do genial Oscar Wilde evoca-me certos poetas decadentes que em Portugal tudo sacrificam à gula do seu próprio hedonismo e efémero. E isto, por razões políticas, de temperamento, de estilo e até de liderança, só pode terminar mal a prazo. Ainda que no imediato se possa vender a alma ao diabo.
A história política está repleta deste tipo de deslealdades e de niilismo em tons devoradores. E nós, eleitores, já nada ou muito pouco, já podemos fazer ante esse desastre.
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