Compromissos - por António Vitorino -
Ocupados e preocupados com o pingue-pongue entre o Governo e o PSD sobre o Orçamento para 2011, passou pouco notado o pontapé de saída, dado pela Comissão Europeia, no debate sobre as prioridades orçamentais futuras da União. Menos discretas foram as decisões dos Ministros das Finanças sobre o reforço das condições de aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, muito em especial o quadro sancionatório que será aplicado aos países que violarem os limites do défice orçamental e da dívida pública.
Estes dois conjuntos de temas não podem ser lidos separadamente. Sobretudo quando estamos a escassos dias do próximo Conselho Europeu, onde os chefes de Estado e de Governo vão ser chamados a pronunciarem-se sobre as regras de governança económica da União em geral e da Zona Euro em particular.
A iniciativa da Comissão sobre as prioridades orçamentais tem o inegável mérito de não se deixar acantonar apenas no debate sobre as prioridades da despesa do orçamento comunitário. Com efeito, o tema da despesa é propício a um exercício de cálculo contabilístico dos países contribuintes líquidos e a uma luta fratricida entre os países recebedores. E as escolhas são, no limite, claras: ou prevalece uma lógica de retorno, imposta pelos contribuintes, o que se traduz inevitavelmente numa perda de solidariedade entre os Estados membros, ou a revisão das prioridades de alocação dos fundos europeus e revista em nome de objectivos claros e partilhados, de modo a responder aos dois desafios centrais da União: o da competitividade no mundo global e o da criação de emprego, sem o que a coesão social dos países estará seriamente ameaçada.
Mas a Comissão tem razão quando associa ao debate da despesa a questão dos recursos próprios da União. É que no figurino desses recursos próprios também se joga o reforço dos egoísmos nacionais ou a aposta em objectivos comuns que justificam e legitimam a construção europeia.
Com a prudência que o melindre do tema aconselha, a Comissão oferece um elenco de possíveis fontes alternativas de recursos próprios que visam diminuir a dependência progressivamente do orçamento comunitário das contribuições dos Estados membros calculada em função do PIB de cada um, dependência essa que reforça as teorias do "justo retorno" agitadas pelos países mais ricos como argumento para preconizarem a redução do orçamento no seu conjunto.
Não custa compreender que esse elenco de novas possíveis fontes de recursos próprios provocará reacções muito vivas e negativas da parte de vários dos países contribuintes líquidos. Do mesmo modo, o simples facto de se falar num "imposto europeu" (seja definido em função do IVA, da energia, do tráfego aéreo ou das transacções financeiras) não colhe, à partida, grande simpatia das opiniões públicas, todas elas já bastante causticadas pelos impostos nacionais neste quadro de crise em que vivemos.
Mas a verdade é que o papel da Comissão é esse mesmo: o de colocar os Estados membros perante os problemas que existem e de fornecer um conjunto possível de respostas. Neste ponto, pois, a Comissão cumpriu a sua função institucional fundamental e deixou já claro que os Estados não escaparão a ser confrontados com a questão dos recursos próprios tanto quanto com as opções sobre as prioridades da despesa.
Cabe agora a cada Estado membro olhar para o quadro assim estabelecido e definir a sua posição, tanto em função dos seus interesses nacionais como em função das suas ambições para o projecto europeu no seu conjunto.
Do mesmo modo, as novas regras de aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento não podem ser adoptadas sem que ao mesmo tempo se contemplem os desequilíbrios de competitividade dos vários países da moeda comum europeia e sem que se clarifique em que medida é que as políticas da União (incluindo os seus instrumentos orçamentais) podem contribuir para as estratégias nacionais de superação dessas diferenças que põem em causa a estabilidade do euro tanto como as pressões dos mercados.
Convém, por isso, que não pensemos que o mundo começa e acaba com o Orçamento de 2011... Mas que a voz de Portugal dificilmente se fará ouvir neste debate crucial para o futuro de todos nós se nem sequer conseguirmos aprovar um orçamento que honre os compromissos que assumimos! Obs: Talvez fosse interessante aplicar na Europa os mesmos métodos que Portugal utilizou em N.Y. para sensibilizar os players a apoiar o nosso país para membro não-permanente junto do órgão maquiavélico das nações Unidas. É a diplomacia do...
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