sábado

"Nem um bom negócio, nem um bom exemplo"

Imagem WHCG
Dezena e meia de buscas no processo dos contentores de Alcântara, jn
Nelson Morais
Após dois anos de polémica, eis a investigação criminal. Por suspeitas de corrupção e abuso de poder, na decisão de prorrogar a concessão do Terminal de Alcântara, realizaram-se, ontem, sexta-feira, dezena e meia de buscas. Com a Liscont e o porto de Lisboa no centro do alvo.
A Liscont, do grupo Mota-Engil, e a Administração do Porto de Lisboa (APL), de capitais exclusivamente públicos, confirmaram, ao fim da tarde, as buscas da Polícia Judiciária (PJ) e do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. Mas os mandados de busca deste departamento do Ministério Público visaram outras empresas.
O objectivo foi recolher documentos, emails e outra correspondência junto de entidades envolvidas, directa ou indirectamente, no processo que culminou na decisão, do Governo anterior e da APL, de prolongar, por mais 27 anos e sem concurso público, a exploração do Terminal de Contentores de Alcântara (TCA) por parte da referida empresa do grupo Mota-Engil, dirigido pelo ex-ministro do PS Jorge Coelho.
Entre os alvos das autoridades, esteve um gabinete de arquitectura, a BS Arquitectos, e sociedades que se dedicam à realização de consultoria e projectos, como a FBO e a Consulmar, projectistas e Consultores Lda. Estas três sociedades integraram o consórcio contratado pela APL para elaborar o plano estratégico do Porto de Lisboa.
A Consulmar, pelo menos, também viria a trabalhar por conta da Liscont. “Fizemos estudos de viabilidade técnica das obras a fazer”, contou ao JN Carlos Abecassis, da empresa, confirmando as buscas.
Ainda não há arguidos
Segundo as informações recolhidas, ainda não foram constituídos arguidos, neste inquérito criminal da 9ª Secção do DIAP de Lisboa, sobre eventuais crimes de participação económica em negócio, além de corrupção e abuso de poder. Por outro lado, não terão sido feitas buscas domiciliárias, pois estas costumam ser iniciadas por volta das sete horas da manhã e a operação de ontem só arrancou às 9.30 horas.
Apesar de já ir longa a ruidosa polémica em torno deste caso - com protestos veementes de um movimento cívico e, este ano, com a oposição parlamentar a revogar a prorrogação do contrato de concessão do terminal (só o CDS-PP se absteve) –, o processo-crime é recente. Terá sido aberto após o Tribunal de Contas, há dois meses, proferir um relatório de auditoria muito crítico para com o referido contrato, celebrado entre a Liscont e a APL em Abril de 2008 (ver caixa).
Jorge Coelho, contratado para liderar a Mota-Engil um mês depois de o contrato ser assinado, não quis comentar as buscas. Justificou-se, ao JN, com o facto de a Liscont ter órgãos próprios e de estes o terem feito. Em comunicado, a Liscont manifestou “completa disponibilidade” para cooperar com as autoridades. Uma mensagem semelhante à transmitida pela APL, presidida por Natércia Cabral.
No centro da investigação estão os motivos que levaram a APL e o anterior Governo a aprovarem um aditamento ao contrato de concessão do TCA, cujo prazo de vigência terminaria em 2015. O aditamento ajustou com a Liscont, sem consultar o mercado, que ela continuaria a explorar o terminal de contentores por mais 27 anos.
"Nem um bom negócio, nem um bom exemplo"
"O Tribunal de Contas [TC] não pode deixar de relevar que este contrato de concessão, celebrado pela Administração do Porto de Lisboa, não consubstancia nem um bom negócio, nem um bom exemplo para o sector público, em termos de boa gestão financeira e de adequada protecção dos interesses financeiros públicos". A conclusão foi proferida pelo TC, em Julho, num relatório sobre o contrato celebrado pela APL, em 2008, com o apoio do Governo.
Para o TC, a entrega da exploração do terminal à Liscont, por mais 27 anos, "sem o recurso a qualquer procedimento competitivo, fragilizou a posição negocial [do Estado]"; e consubstanciou uma partilha de riscos "desequilibrada" - a favor da Liscont. Mário Lino, anterior ministro das Obras Púbicas, contestou as conclusões do TC, embora entendendo que elas não apontavam "qualquer irregularidade". Também garantiu que o relatório do TC não tinha sido enviado ao Ministério Público.
Obs: Jorge coelho foi ministro de António Guterres - este só deu exemplos de ética e de probidade enquanto PM e ainda hoje continua a dar ao mundo esse exemplo - através do palco das Nações Unidas onde desenvolve funções de Alto Comissário para os refugiados.
Mas alguns dos seus ministros apenas dão uma imagem lamentável do que para eles é a política e são os negócios (uma verdadeira promiscuidade). Coelho é, lamentavelmente, uma dessas dessas faces negras e caceteiras da política à portuguesa que apenas deixa incrédulos os portugueses quando está sobre a mesa as relações da política com os negócios de que, neste caso, com a agravante de ter também o patrocínio da maior autarquia do país, esta negociata - altamente lesiva para o interesse público e o bem comum - deixa entrever.
O Estado é literalmente esbulhado neste negócio unilateral com que o TC tem que se preocupar (e repor a legalidade), assim como as regras de transparência e dos concursos público - em todo esse processo. Regras essas que foram violadas ou pouco acauteladas.
Convém lembrar que estes negócios não se fazem para promover os interesses empresariais do grupo económico A, B ou C, mas sim em nome do bem comum - que aqui foi objectivamente desrespeitado.

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