A política-espectáculo: o pior da modernidade e o grau zero do pensamento. Eis o tributo de Aguiar-Branco ao sistema político nacional
O político-espectáculo da era Pedro Passos Coelho
Nem sempre a política, e a rotação de lideranças, produz evoluções favoráveis, políticos mais credíveis, linhas de orientação estratégica desenvolvimentistas para o país que gerem os desejados efeitos de modernização que facilitem a melhoria das condições de vida e níveis de bem estar das populações.
O número de circo político feito ontem na AR por José Pedro Aguiar Branco, o advogado queque do Norte, o barão da advocacia de negócios, qual Júdice da capital, representa, no fundo, o conceito de que a política é escrava dos media. E isso é mau para todos nós.
Esta pequena reflexão visa revelar esses contornos do político-espectáculo que visa obter efeitos mediáticos através dos seus discursos sem que isso represente, objectivamente, uma vantagem para a sociedade e para o funcionamento do sistema político. Citar autores revolucionários, num contexto histórico e civilizacional diferente da matriz é, não só perigoso como historicamente arriscado, além de revelar a ignorância histórica, sociológica e polítológica do mensageiro. Foi aquilo que Aguiar-Branco, o principal derrotado interno do PSD, fez no Dia da Liberdade. Citar Lenine no dia da Liberdade é, de facto, verdadeiramente idiota, papel a que o derrotado interno do psd se prestou. Ou seja, e como diria Lenine, fez, precisamente, o papel do idiota útil...
Um dia em que era suposto o representante do PSD não ter citado Lenine, um pequeno defensor da ditadura das vanguardas pensantes do partido, apologista da revolução que hoje qualquer sociedade moderna dispensa. Não é assim que Aguiar ajuda a resolver o problema do desemprego, da inflação, do peso da dívida pública nem do valor do défice orçamental em Portugal. Alguém o enganou ou então foi a sua tremenda fome de protagonismo e a soberba do seu discurso que o traíram.
Mas o número de circo que Aguiar Branco representou, mediante uma análise mais fina, revela outras coisas para a relação política e os media. Já que durante muito tempo os políticos sonharam em domesticar e fazer dos jornais, estações de televisão e rádios os seus capachos, os seus auxiliares. E, nuns casos voluntários, noutros fazendo o frete, o que é facto é que muitos desses media (jornalistas), até por razões de dependência socioprofissional e de estatuto, lá foram fazendo o jeito aos agentes políticos – de que Aguiar Branco ontem deu uma má imagem para o sistema político e para a sociedade. Embora, actualmente muitos desses agentes políticos, e Sócrates também não está completamente imune a este tipo de práticas e de críticas, ainda que tenha atrás de si já obra feita, são esses mesmos media que podem provocar um efeito de boomerang no sistema político, e, nesse caso, as primeiras vítimas são precisamente os agentes políticos que faziam dos media seus capachos. Daí a relação entre políticos e media ser altamente sado-masoquista e de tipo esquizofrénico.
Estranha relação que une estes dois poderes, o político e os media: um oficial, ou outro informal; um tutelar e deliberativo; o outro opinativo, sugestivo e sensacionalista. Mas ambos, cada qual à sua maneira, como vimos reforçada pela comunicação sensacionalista de Aguiar Branco no dia 25 de Abril, recorrendo a teóricos e revolucionários da história do séc. XX a quem a evolução das sociedades ficou a dever o ideário revolucionário que hoje subverte a evolução gradualista das sociedades, contribuem para alimentar esse Estado-espectáculo que faz da política uma companhia de teatro e dos cidadãos meros espectadores alienados que é suposto baterem palmas perante tanta banalidade. Ouvir aquela tralha ideológia de um discípulo de Cunhal seria normal, agora de um social-democrata do séc. XXI?! Só por histrionismo político tantas vezes associado a desordens de personalidade...
Aguiar Branco, para agradar ao seu novel líder e subir na sua consideração, foi um dos piores promotores dessa concepção espectacular da política, nem que, para o efeito, tivesse de conceber um discurso-choque, como a publicidade da Benetton.
Só que essa obediência à sedução da mensagem sem nada dizer à economia e à sociedade, só provoca dependência, sound-bites, alienação. E em função das circunstâncias, da postura e dos temperamentos, aquele tipo de discursos apenas subverte ainda mais a tentativa que hoje, malgré tout, alguns, poucos políticos mais sérios, procuram desenvolver a fim de devolver alguma normalidade à relação sempre estranha entre políticos e media. É este tipo de práticas discursivas que funciona como ervas daninhas para a democracia representativa que importa evitar.
Pois foi dessa relação patológica entre a política e os media, que vivem em simbiose um com o outro, que nasceram dois axiomas que modelaram a vida pública moderna: a opinião pública, resultado da comunicação e que mudou a natureza da política, nem sempre para melhor, como ilustra o discurso de Branco; conferindo aos media a possibilidade de alterar, de facto, a natureza da própria política, seja enquanto arte, seja enquanto techné.
Sem se dar conta, talvez perseguido pela necessidade de reconstruir a auto-estima perdida na sequência da sua maior derrota política interna, Aguiar Branco acabou por contribuir para alimentar aquela relação perversa entre política e media, que vive de sound-bites, de alguma inovação discursiva mas sem resultado prático na construção de políticas públicas de que depende a melhoria das condições de vida dos portugueses.
Numa palavra: o derrotado interno do PSD contribuiu para valorizar esse duelo desigual entre os media e a política, e isso não é tanto responsabilidade destes, mas subproduto de um descontrolo emocional e dum narcisismo que a massa dos indicadores sociais e económicos em Portugal jamais deveria suportar. Até porque daqui à demagogia é um passo, além de que a ilusão e a mentira política também são reforçadas com este tipo de hiper-representações no espaço público que os portugueses dispensariam, especialmente no Dia de comemoração da Liberdade.
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