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A grelha das presidenciais - por João Marcelino - dn

A grelha das presidenciais
por JOÃO MARCELINO
1. Manuel Alegre fez o que lhe competia, depois de três anos a cultivar o terreno. Primeiro deu uma entrevista, ao Expresso. Nela namorou o PS, marcou alguma distância para o Bloco e piscou o olho ao PCP. Depois foi jantar a Portimão e colocou José Sócrates perante um facto consumado: vai ser, de novo, candidato a Presidente da República.
Em 2006, como se sabe, foi diferente. Manuel Alegre esperou. Sócrates escolheu Soares. O PS acabou partido e, até, derrotado: Alegre venceu de forma surpreendente as primárias da esquerda. O problema esteve em que, ao contrário de 1986 (quando Soares ultrapassou Zenha para enfrentar Freitas do Amaral), o candidato do centro-direita, Cavaco Silva, conseguiu a maioria à primeira volta.
Desta vez, o primeiro-ministro e líder do PS tem muito menos espaço político para evitar apoiar a candidatura do homem que o atormentou durante a última legislatura. Não tem alternativa, porque Guterres não quer, Sampaio também não, Gama não possui notoriedade no País e ele próprio, Sócrates, poderia deitar tudo a perder se resolvesse recorrer à bomba atómica: a sua própria candidatura (num cenário altamente desfavorável, só possível com a renúncia ao Executivo, sem garantias de vitória e quatro anos antes do tempo previsível, aquele em que provavelmente enfrentará Durão Barroso na corrida a Belém).
Sócrates só não apoia desde já Alegre porque tem de negociar com o centro-direita a recuperação das contas do Estado - e não faz sentido estar a assinar acordos com Portas (e Manuela?) e, ao mesmo tempo, declarar a adesão ao candidato do Bloco!
2. O PS perderá bastante se, no entanto, demorar muito a concretizar esse apoio. Quanto mais crescerem as dúvidas entre os votantes socialistas moderados, mais possibilidades terá Cavaco Silva de renovar o mandato.
Um Manuel Alegre refém do Bloco, que desperta simpatias entre comunistas e dúvidas entre muitos dos seus camaradas de partido, dificilmente ganhará as eleições. Num ano, a maioria dos portugueses terá tendência a esquecer a inventona das escutas e a privilegiar o voto em alguém que não tenha dúvidas sobre a economia de mercado, o nosso destino europeu, a importância da saúde bancária, a necessidade de mexer no factor trabalho para melhorar a competitividade.
Entre um candidato da esquerda radical e um outro democrata do centro, que sempre teve preocupações sociais, o segundo ganhará sempre. A não ser que o PS resolva recuperar a confiança em Alegre, o faça saber e o demonstre, porque será o centro que resolverá a contenda. Foi talvez por representar o radicalismo (nessa altura de direita), que Frei- tas (48,82%) não venceu Soares (51,18%). Se também ele apenas representar o radicalismo (agora de esquerda), Alegre não vencerá Cavaco.
Seja como for, as próximas presidenciais serão uma luta interessante e intensa. Cavaco Silva tem vantagem, mas a verdade é que nunca ganhou umas eleições com sequer 51% de votos. Teve 50,22% na primeira maioria do PSD, em 87; 50,60% na segunda, em 1991; e 50,54% nas eleições presidenciais de 2006. Vantagem tem, mas não tanta quanto aquela que transparece da recente sondagem da Aximage (para o Correio da Manhã). O apoio do PS a Alegre tornará esta disputa muito, mas mesmo muito, equilibrada. Pela primeira vez, um presidente da República pode não ser reeleito. Esse risco nunca esteve, antes, sobre Eanes, Soares ou Sampaio.
Obs: João Marcelino terá razão, mas em política, ou em teoria política - há sempre a possibilidade de cenarizar, e nesse campo o quadro de possibilidades é imenso. Poderá ocorrer na cabeça de Sócrates que Diogo Freitas do Amaral preencha o perfil dum excelente PR, e se isso vier a acontecer - como seria interessante e útil para Portugal - a candidatura de Cavaco ficaria esfrangalhada, a aventura do poeta-Alegre diminuída, as possibilidades de Sócrates ter um candidato vencedor (e não imposto, como Alegre) às presidenciais em 2001 agigantar-se-íam, e este artigo interessante de João Marcelino também ficaria rapidamente desactualizado. Tudo dependeria da vontade do grande Freitas, já recomposto da sua operação à coluna e com a possibilidade de se recompensar duma batalha perdida em 1986 contra Mário Soares.

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