Não me arrependo! - por António Vitorino -
Há um ano Barack Obama tomava posse como Presidente dos Estados Unidos. Não é possível fazer o balanço deste primeiro ano de mandato sem reler o memorável discurso que proferiu então, nas escadarias do Capitólio. Sobretudo para reconhecer que um responsável político como o Presidente americano tinha perfeita consciência - já então ! - de como seria aferido o seu desempenho neste primeiro ano.
Ressalta, desde logo, a consciência das elevadas expectativas geradas com a sua eleição. Quando assim é, maior é o risco de decepcionar. E ele disse-os à cabeça. Mas a verdade é que essas expectativas elevadas, um misto de cansaço com a Administração precedente de George W. Bush e de simbolismo traduzido na eleição do primeiro presidente afro-americano, foram encaradas pelo próprio Obama não com temor mas como um estímulo. Um incentivo à mobilização das forças vivas da sociedade americana, um apelo a uma sociedade mais inclusiva e mais participativa (sobretudo em relação às muitas minorias que a compõem) e um desafio à superação dos obstáculos decorrentes da crise global e dos vários focos de tensão na cena internacional.
O discurso de Obama, nessa cerimónia, é muito claro na distinção que faz entre o que é urgente fazer e aquilo que obriga a tomar opções (difíceis) com os olhos postos no médio prazo.
Claro que hoje, passado um ano de mandato, os órfãos da Administração Bush nos EUA (e também os que existem por cá…) se apressam a julgar severamente este período do mandato à luz da elevada fasquia das expectativas, esquecendo--se intencionalmente de pôr em perspectiva o que foi feito. Guantánamo não fechou! O desemprego nos EUA atinge níveis históricos! O Afeganistão é um atoleiro de que não se vê a saída! Os mais exaltados até se queixam de que afinal Ben Laden não foi ainda detido…
É verdade que o apoio a Obama tem vindo a cair nas sondagens de opinião pública. Curiosamente, contudo (e decerto para grande desgosto do ex-vice-presidente Dick Cheney), um dos índices de melhor valoração da acção de Obama tem a ver exactamente com a estratégia de luta contra o terrorismo global.
Mas onde Obama joga o seu mandato, no imediato, é no plano da recuperação económica e da reforma da saúde. Os dois assuntos conheceram evoluções positivas durante este primeiro ano de mandato e o desfecho da acção do Presidente só poderá ser aferido com rigor no decurso de 2010. Aqueles que ao fim destes 365 dias se apressam a decretar "o falhanço de Obama" deveriam, por isso, ser mais cuidadosos e aguardar as cenas dos próximos capítulos mais imediatos.
Mas, por paradoxal que pareça, o papel de Obama está para além destas evoluções conjunturais e da mera comparação entre as elevadas expectativas da eleição e os resultados concretos deste primeiro ano.
O verdadeiro teste a Obama será o de preparar os EUA para o complexo equilíbrio de forças emergente, que já estava inscrito nos astros antes da sua eleição mas que foi acelerado com a eclosão da crise financeira global. Com efeito, a tarefa mais difícil para o Presidente dos EUA será a de preparar os americanos para um mundo onde terão de reformular o seu posicionamento tanto no plano económico como no plano da segurança, mantendo uma posição liderante embora construída em bases distintas das que conheceram no passado.
O que sucedeu no G20 em Pittsburg e a Cimeira de Copenhaga foram apenas prenúncios desse desafio. E se algo se pode assacar ao Presidente Obama é o facto de ter tido de operar naqueles dois cenários na base de um entendimento político doméstico onde quer os republicanos quer muitos (mesmo muitos!) democratas ainda não fizeram o percurso de adaptação à nova realidade com que os EUA vão ter de se defrontar. Mesmo assim, Obama deu sinais inequívocos de compreender o que se esperava dele na cena internacional. Só que, como em todas as boas democracias, o seu sucesso depende do consenso político que lograr gerar entre os seus próprios concidadãos!
Por isso, no fim deste primeiro ano, não me arrependo de ter votado nele! Perdão, de ter votado nele se tivesse podido votar, claro!
Obs: António Vitorino fez bem em inscrever este seu - "não arrependimento" - no 1º ano de balanço do mandato Obama nas questões mistas de hard e de softpower (J. Nye), porque Obama é um PR singular na história política da América e herdou um pesado fardo que não se resolve ou dissipa num ano de mandato. De resto a Europa também não melhorou nos seus indicadores de desenvolvimento, daí a dificuldade acrescida em estabelecer comparações de sucesso ou insucesso no plano das RI entre os dois lados do Atlântico.
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