Isomorfismo político na corrida a Belém: um paralelo surpreendente entre Cavaco e Alegre
Aparentemente Cavaco e Alegre nada têm em comum, são ambos actores políticos de formações intelectuais distintas (um de economia e finanças, o outro de letras), têm backgrounds distintos, para não dizer antagónicos, pois enquanto Alegre reclama o seu estatuto anti-fascista na rádio de Argel (qual disco riscado), Cavaco estava a doutorar-se em Oxford, mas nenhum foi à guerra e cumpriu a teoria de Raymond Aron quando defendia que o diplomata defendia o seu país pela palavra e pelas negociações e o soldado, se necessário for, dando a vida pela sua pátria. Ambos conheceram o Império colonial de longe, à distância, mas nenhum sofreu as suas agruras.
Por outro lado, Cavaco é de direita, hiper-conservador e "come" eleitorado ao centro e cultiva uma relação estreita com o actual e moribundo PSD; Alegre vem da esquerda, entra mal no eleitorado do centro, não tem experiência governativa e, nos últimos tempos, tem andado de braço dado com Anacleto Louçã para armadilhar a governação a Sócrates a pretexto das leis laborais e do código laboral. Embora, na realidade, o poeta Alegre se esteja a borrifar para o nível das pensões dos reformados, para os trabalhadores precários e os desempregados. Nada mais do que retórica para se integrar no circo mediático que lhe dá palco e alimenta a vaidade e a gula pelo poder, tal a dimensão do seu umbigo-político – ingenuamente nutrido pelos seus apoiantes românticos.
Alegre é poeta e escreve livros que alguns amigos fazem o favor de ler, Cavaco desconhece a importância da poesia e nem sabe bem quem foi Luís Vaz de Camões cujos Os Lusíadas desconhece, apesar de saber que no dia 10 de Junho tem uma cerimónia por cumprir que o obriga protocolarmente a atribuir umas medalhas a quem se destaca na vida pública nacional.
Aparentemente nada neles converge: formação intelectual, background, cosmovisão, filiação partidária, gostos culturais e o mais. Não poderiam estar mais nos antípodas um do outro. Cavaco procura quantificações e estatísticas para traduzir a realidade social, Alegre lê poemas marialvas para salvar a pátria. Embora nenhum acerte na escapatória que permite a felicidade do país: com mais PIB, menos impostos, mais produtividade e melhor competitividade, mais saúde, mais educação, mais riqueza, melhor qualidade de vida e de bem-estar.
Mas se estes são os termos que os distinguem e os separam haverá, porventura, factores - subliminares - que os aproximam. E isso remete a análise para a mimética dos actos do poder, para o campo normativo e para as fórmulas que cada um encontra para seduzir o eleitorado a votar neles.
Alegre é um actor político informal, mas não deixa de pretender o apoio institucional do seu velho PS e de toda a tralha esquerdista que o tem acompanhado no seu combate romântico ao governo – para agradar a uma esquerda radical que só empobrece ainda mais a economia nacional com as suas propostas.
Cavaco é mais institucional, mas não deixa de querer o apoio de sectores não alinhados da sociedade para alargar a sua já mui débil base de apoio, resultado do péssimo mandato presidencial que tem feito, parecendo até que só tem sido presidente do grupo de pessoas da srª Manuela Ferreira Leite, sua incondicional discípula.
Um e outro são, portanto, simultaneamente institucionais e informais neste isomorfismo pré-presidencial na busca de sedução de apoios que fixe e reforce os respectivos eleitorados.
Por outro lado, ambos alimentam grandes expectativas relativamente à conduta dos respectivos partidos no posicionamento a cada um dos candidatos presidenciais. Ou seja, Cavaco desconhece qual será o resultado do congresso do PSD, por isso não lhe será indiferente quem vier a conquistar a liderança do seu partido; e a Alegre também não será indiferente o apoio do PS ou só de alguns dos seus números 2, 3, 4 e 5 – como António Costa – que Alegre apoiou para esse "albergue espanhol" que é hoje a autarquia lisboeta, por isso era de prever que Costa o apoiasse agora para Belém. Foi um bom negócio, mas Alegre ainda não cobrou a factura a Costa – embora este já tenha endossado o cheque.
Se Pedro Passos Coelho subir à liderança do PSD, como tudo indica (ante a cobardia política de Marcelo de Sousa), Cavaco terá um “aliado” que estará sempre pronto a criticá-lo, muito diferente da incondicionalidade de Ferreira Leite – que nunca foi mais do que um apêndice de Belém, por vezes serviu até como seu porta-voz não-oficial (ou não autorizado); Se Sócrates vier a dar o seu apoio a Alegre fá-lo-á sempre com algmas reservas e colocando algumas condições que neste momento ainda são desconhecidas.
Por conseguinte, quer Cavaco quer Alegre estão ambos muito dependentes do apoio político dos respectivos partidos neste isomorfismo estratégico em que ambos se situam.
Ambos tendem a copiar as passadas do outro na captura pelo apoio dos partidos a que sempre pertenceram e ambos têm, doravante, de seduzir aqueles sectores da sociedade civil não alinhada que vai votando no PS e no PSD, consoante a confiança que as lideranças partidárias inspira à sociedade a cada conjuntura.
Ambos também irão dissertar sobre a insegurança, o desemprego, o ambiente, a educação, a saúde no quadro do isomorfismo ilusório preparado pelas narrativas emergentes que cada um dos lados irá montar ao nível do marketing político – que os spin doctors – irão aprimorar a fim de potenciar a eficácia da comunicação política no labirinto de espelhos que é a sedução do eleitorado.
Cavaco e Alegre irão, pois, imitar-se um ao outro sob certos apoios, condições e obedecendo à lógica de determinados financiamentos.
Terão ambos o mesmo catálogo de preocupações, o mesmo caderno de encargos, apenas Cavaco terá que se "culturalizar e humanizar" mais, e Alegre, simetricamente, de se "economizar e tecnicizar" de modo a que Cavaco quando fale de cultura e sociedade não pareça um E.T. desterrado na rocha de Conde de Óbidos proveniente de Boliqueime, e Alegre quando disserte sobre questões económicas não se assemelhe a um brasileiro a tentar falar chinês depois de um estágio em Argel.
Em suma: ambos desejam ardentemente ocupar o Palácio Rosa, Cavaco já o conhece, Alegre deseja conhecê-lo, mas, no fundo, ambos são iguais no vazio ideológico e programático que prometem ao país, já mais do que testado na ausência de propostas para Portugal.
Além de serem ambos vagos relativamente à Europa e ao papel que Portugal deverá assumir nessa importante plataforma, e dirão exactamente o mesmo em matéria de promoção da lusofonia, ou seja, ambos farão mais retórica e mais cacofonia presidencial.
Ambos serão iguais no desejo, vaidade e gula de poder e ambos serão também iguais na necessidade que têm em criar uma nova identidade que os demarque da imagem do passado que ambos já lavraram no país que os conhece: candidatos velhos e cansados, sem propostas inovadoras nem ideias e ideais que possam trazer uma mensagem de esperança, modernização e desenvolvimento ao país.
Creio que estes pecados capitais, intimamente agregados a cada um dos candidatos, não farão deles, automaticamente, candidatos realistas para o estado actual em que Portugal e os portugueses se encontram. Numa palavra: ambos os candidatos manipulam ilusões, e por não terem uma mensagem nova para dar aos portugueses potenciam a opacidade voluntária e deliberada distorcendo, ao mesmo tempo, os mecanismos de regulação democrática, porque impedem uma avaliação objectiva dos governantes pelos eleitores, além de induzirem, o que é mais grave, uma percepção na sociedade de que as suas escolhas eleitorais são indiferentes porque os resultados práticos a que chegam são sempre os mesmos. Ambos os candidatos, portanto, operam em função de interesses políticos e de projectos de poder pessoal, e não em nome do bem comum ensinado por Aristóteles e em prol dum eficaz e eficiente funcionamento da democracia em Portugal.
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