terça-feira

O Portugal idiota que produz mau futuro neste 2009 que finda

O Portugal idiota:
Parece uma nota de pessimismo puro e duro, mas é antes uma reflexão realista, dobrada pelo carrego dos factos. Vejamos alguns desses factos:
- Desde logo as relações PR-PM – têm sido tensas, gratuitas e conflituosas, em nada valorizando a economia nem acalmam os problemas sociais ou os mercados financeiros. O Governo, mesmo esforçado, não consegue inverter o sentido dos indicadores de crise, e o PR não burila nenhuma ideia que coadjuve o Governo a sair do buraco em que os portugueses mergulharam, apesar dos seus 10 anos de experiência governativa. De nada serve essa tal cooperação estratégica cujo significado só o "menino bíblico" de Belém conhece.
Então temos instituições, temos homens políticos a ocupar o vértice do aparelho de Estado, mas de pouco servem as reformas, os discursos, as vontades, as políticas públicas. O peso cruel dos factos tem subjugado a vontade dos políticos – que pouco conseguem fazer para congelar as falências das empresas, o desemprego galopante, a crise no tecido social em geral, que também é ética e moral.
- Em segundo lugar, temos uma crise da política e não crises políticas, ou seja, a crise é estrutural e não conjuntural, não se resolvem os problemas do Estado, da sociedade e da economia com meras reformas ou mudanças de governo, o que prova que a crise resulta duma falta de ideia de desenvolvimento global e sustentável para Portugal – hoje abafada pela injunções da UE, pela conflitualidade entre Cavaco e Sócrates, pela mediocridade da oposição e a frágil e crónica sociedade civil – sempre muito subsiodependente.
- Essa ideia de crise e de conflitualidade interinstitucional conduz-nos a uma terceira premissa perplexizante, que é a de saber se pode haver futuro sem progresso nem desenvolvimento!? Se assim é, como pensarmos o futuro desenquadrado do grande esquema do progresso da história, sem segurança, sem estabilidade, com elevado risco social, empresarial e familiar!? Valores esses que entram em contradição com os objectivos a curto prazo dos indivíduos consumidores que já não gozam dum quadro governativo estável nem dum quadro empresarial produtivo e competitivo, tudo hoje decorre do jogo das imagens e das sondagens pela estratégia da captura do poder pelo poder. Depois desconhece-se que finalidade lhe dar. E um homem, um grupo, uma sociedade, um Estado com poder sem finalidade é como um carro sem motor. De nada serve.
- Assim, a Democracia pode também não estar em condições de gerar uma consciência do futuro para evitar perigos no tempo, o regresso das ditaduras, mascaradas sob diversas formas, poderá criar um caldo de cultura que deponha a actual democracia – que também não apresenta resultados sociais e económicos.
- Na ideia geral de progresso fica-nos uma aceleração do vazio, como diria um dos grandes filósofos do presente, Peter Sloterdijk, que nos chama a atenção para a armadilha em que caímos: um espaço social instável e um campo psicológico neurótico e, já agora, comportamentos políticos esquizofrénicos.
Esta crise com a falta de expectativa do futuro obriga-nos a reaprender a viver no tempo presente, subvertendo também a própria ideia de razão, de progresso, de crescimento, de modernização e desenvolvimento. Nada que Max Weber já não tivesse pensado no início do séc. XX, embora noutros moldes de desencantamento do mundo.
- Numa palavra: o ano de 2009 em Portugal obriga-nos a repensar vários conceitos e esquemas de acção; a ideia de que os políticos hoje são meros fantoches nas mãos poderosas da economia global; que a sociedade está cada vez mais subordinada ao Estado; este, por seu turno, está profundamente dependente dos impostos que lança sobre os cidadãos; as promessas políticas nunca são cumpridas, enfim, a factura do progresso made in Portugal conduz os portugueses a um beco de Alfama: é arquitectonicamente bonito, tem valor histórico mas não oferece grandes condições de habitabilidade. Em caso de sismo são os primeiros a morrer soterrados. Ou seja, o futuro que produzimos hoje é esvaziado de sentido, privado da ideia de progresso, e isso obriga os portugueses a desertar ante a mediocridade instalada.
- Dito isto chegamos ao nosso título do "Portugal idiota", em parte uma metáfora feita pelo "grandioso" contributo dos nossos actores políticos, económicos e financeiros – que hoje merecem cada vez menos confiança por parte dos eleitores, dos consumidores e dos clientes (bancários), basta ver o que se passa no BPP e o comportamento geral de todos os intervenientes que já deveriam ter actuado para repor a legalidade e o superior interesse dos clientes – ante a omissão miserável do Estado, a hipocrisia do Banco de Portugal e do seu Governador, Vitor Constâncio, e demais entidades de supervisão monetárias.
Com uma democracia deste quilate, com uma economia e operadores económico-financeiros desta "qualidade", com banqueiros desta estirpe só podemos colher a indeterminação dum futuro crescentemente perigoso, antecipando cenários de desenvolvimento verdadeiramente miseráveis.
O Estado, como diria Maurice Duverger, terá de ser algo mais do que a mera história do imposto, e a banca terá de ser, por extensão, algo mais do que uma pessoa manhosa com instintos fraudulentos penalisando os aforradores mais desprotegidos.
Somando todos estes aspectos negativos da nossa economia atingimos aquele ponto crítico que tudo parece explicar, recorrendo ao sábio dos tempos, Guilherme Shakespeare quando no seu Macbeth – refere que uma história contada por um idiota, uma história cheia de ruído e furor mas vazia de significado – pode, hoje, entre nós, ter outro nome: o Portugal de 2009 que ora finda.
Alguém viu por aí este senhor que revelou a soberba do seu talento ao editar/apresentar o seu livro, com aquele "título sugestivo", em plena bronca fraudulenta lesando centenas de clientes que, em rigor, são pequenos aforradores. Parece até gozo com a desgraça alheia...
  • Nota: O que é triste reconhecer entre nós é que o Portugal salazarento não mudou muito do Portugal actual em matéria de evolução do quadro das mentalidades, atitudes e comportamentos, ou seja, bastaria que um desses "clientes entalados" do BPP viesse a terreiro declarar que era sobrinho do ministro das Finanças ou primo dum empresário de peso com negócios com o Estado - para que o Leviatão coagisse a administração fraudulenta do BBP de João Rendeiro & amigos - a restituir o capital aos seus clientes que confiaram as suas poupanças em gente duvidosa. Não aparecendo esta figura do "sobrinho" ou do "primo" o Estado só tem que penhorar os bens ao BPP, vendê-los em asta pública, e do resultado dessa venda proceder à restituição do capital em dívida aos seus clientes com juros à melhor taxa de mercado.
    Muitas pessoas/clientes do BPP já viram as suas vidas destruídas pela gula de gente que, se fosse nos EUA, já estaria a aguardar julgamento na cadeia.
    O Estado tem aqui uma via de salvação para um duplo efeito: revelar que é uma pessoa de bem e ajudar os pequenos aforradores que confiaram no banco de joão rendeiro, e prestigiar a banca nacional perante a possibilidade de futuros investimentos de banqueiros internacionais que demandam o nosso país para aqui fazerem os seus negócios.
    Errado e injusto, além de profundamente imoral, é o Estado assistir a tudo isto de forma tão cínica quanto hipócrita e relaxada desresponsabilizando-se de ser uma entidade reguladora com capacidade legal para actuar e repor a legalidade e restaurar a justiça entre os homens e as instituições de bem em Portugal.

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