Uma família dividida
Uma família dividida
O muro não dividiu apenas um país e o mundo. A história de Sigrid Paul mostra como a Guerra Fria afectou a vida de muitos cidadãos comuns
Francisco Galope
Nos corredores da antiga prisão de Hohenschönhausen, em Berlim Oriental, ainda prevalece um estranho odor. "É o cheiro da ditadura", explica Hubertus Knabe, o historiador que dirige aquele espaço na parte oriental da capital alemã. Até à queda do muro o edifício funcionou como uma das 17 prisões da temida polícia política da RDA, Stasi (acrónimo de Ministerium für Staatssicherheit, ou Ministério para a segurança do Estado). Agora é um Museu.
Quem guia os visitantes através do edifício são antigos reclusos. É num desses percursos (neste caso dirigido por um antigo prisioneiro de origem cubana) que me cruzo com Sigrid Paul.
Esta mulher anda muito atarefada e diz que não tem tempo para as perguntas do grupo de jornalistas ibéricos que aqui vieram à apresentação de uma série de documentários sobre o muro de Berlim que o Canal de História vai exibir a partir desta segunda-feira, 9. Sigrid está concentrada no acompanhamento de uma equipa de televisão através daquela antiga estrutura penal, onde existem mais salas de interrogatório do que celas propriamente dita, numa proporção de 124 para 100. Uma casa de que ela conhece as entranhas e a alma. Mas não é por se contar em poucas palavras que a sua história deixa de ser penosa.
Tudo começou, em Janeiro de 1961, quando ela teve um filho que veio ao mundo com problemas devido a um erro clínico. Na altura, vivia em Berlim com o marido, Hartmut Rührdanz. E como ainda não existia o muro, que só foi construído em Agosto desse ano, o pequeno Torsten era levado para a clínica universitária que ficava no lado ocidental da cidade para ser tratado.
Quando as autoridades alemãs orientais resolvem erguer a construção a que chamaram "muralha de protecção antifascista" não só dividiram a cidade e o mundo, como separaram aquela família. Requerer autorização para passar a fronteira tornara-se cada vez mais difícil, mas para salvar a criança era crucial que ela fosse tratada no ocidente. Um estratagema engendrado com a cumplicidade dos médicos permitiu que o rapaz ficasse internado em Berlim Oeste. Mas, pouco depois, Sigrid e Harmut viram ser-lhes negadas quaisquer autorizações para passar a fronteira.
Separado do filho, o casal começou a esboçar estratégias de fuga. Mas a tentativa, empreendida em 1963, falhou. E no regresso conheceram três estudantes que estavam também a tentar fugir do país. Desanimados, voltaram para casa e convidaram os jovens a passar lá a noite. Pouco depois, o plano dos estudantes tinha sido descoberto. Alguém os denunciara e os jovens foram presos. A Stasi soube como interrogá-los, como sacar-lhes a informação. O certo é que, através deles, a polícia política chegou a Sigrid e ao marido. Acabaram por ser acusados de "conspirar para auxiliar uma tentativa ilegal de abandonar a RDA" e condenados a quatro anos de prisão, dos quais cumprira parte em Hohenschönhausen.
Refira-se que, entre 1949 a 1989 saíram da RDA (um país com 17 milhões de habitantes) cerca de três milhões de pessoas, ou seja perto de 75 mil por ano. Muitas delas arriscaram a vida na fuga, no total terão morrido 1 135 pessoas em "incidentes" na fronteira inter-alemã.
Após dois anos de prisão, o governo da Alemanha Ocidental comprou a liberdade do casal ao abrigo de um acordo entre as duas Alemanhas que permitia aos dissidentes da RDA mudarem-se para a RFA em troca de divisas e matérias-primas raras na Alemanha de Leste. Mas devido à burocracia Sigrid e Harmut ainda tiveram de aguardar mais um ano. Quando Sigrid voltou a ver o filho, já o rapaz tinha cinco anos e não sabia quem era a mãe.
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