O regresso do assessor - por João Marcelino -
1. Cavaco Silva não deixou cair Fernando Lima. Deu-lhe apenas cerca de dois meses de descanso por causa das eleições e do escândalo. Passado o burburinho, falhada a estratégia da "asfixia democrática", o assessor volta ao activo como se nada se tivesse passado. Como se não tivesse sido o protagonista de uma maquinação político-jornalística inédita em Portugal, na importância e no descaro.
Num outro País, democraticamente maduro, isto seria impossível.
Por cá, acima da opinião pública, se é que ela existe, e às vezes sinceramente duvido, está a vontade do Presidente da República.
A responsabilidade política, tão reclamada para outros servidores do Estado, e noutros sectores, não é coisa de Belém. Aí todos os cidadãos são livres de ter e explicitar a sua opinião - até de imaginar teorias conspirativas e passá-las para os jornais. Tudo isso é legítimo e pode ser pago com o dinheiro dos contribuintes.
Nunca tive dúvidas, no tal processo das escutas, de que Fernando Lima não dera um único passo à revelia de Cavaco. No campo da lealdade e devoção ao PR, o assessor não cometeu um erro em 20 anos de serviço.
Desta vez, a única coisa que se revelou errada foi a escolha do mensageiro. Tivesse isso resultado bem e não teria havido qualquer problema. A insídia teria feito caminho e evitaria aquela medíocre comunicação de Cavaco Silva que fica para os anais da pequena história política nacional.
Como as coisas correram da forma que é conhecida, este regresso de Lima, após dois meses "adormecido", significa confiança e apoio, mas também igualmente que Cavaco Silva continua a esticar a corda com José Sócrates. Não há um português que não saiba que os dois homens se detestam. Mas se alguém andasse desatento bastaria esta segunda nomeação do assessor que pretendeu levar ao País a convicção de que o gabinete do primeiro-ministro andava a espiar a Presidência da República...
Neste momento sabemos o que Cavaco, que não pode falar de escutas, pensa de Sócrates. Só nos falta saber o que Sócrates, que não pode falar de corrupção, pensa de Cavaco.
2. Depois de ter sido o primeiro-ministro com o maior estado de graça de sempre da democracia portuguesa (um pouco mais de dois anos), José Sócrates está a viver o outro lado: desta vez não teve direito a um dia sequer. Saiu das eleições quase directo para a polémica do "Face Oculta". Enfrenta a revelação de um défice muito acima do esperado. Vê o desemprego aumentar. Não parece ter nenhuma solução para um pequeno arranque da economia à margem da recuperação da crise internacional. Para além disso, o endividamento de Portugal agrava-se. E ontem mesmo viu as primeiras "coligações negativas" de toda a oposição suspenderem uma série de medidas aprovadas na legislatura anterior, a principal das quais o novo Código Contributivo, que lhe retira uns milhões de receitas ao Orçamento.
A legislatura arranca pois sem esperança nem um rumo que se perceba.
Estamos num momento muito difícil da nossa história moderna, disso ninguém pode ter dúvidas. Precisávamos de dinamismo empresarial, homens de Estado e uma população mobilizada. Em vez disso sobra-nos a mediocridade, o desalento e o conflito. Vamos demorar a sair deste ambiente e eu não descortino ainda os protagonistas da mudança de que Portugal precisa.
A diferença entre o público e o privado está muito bem ilustrada no "Face Oculta": Vara saiu (suspendeu-se) quase de imediato porque uma instituição como o BCP não pode viver com dúvidas; Penedos resistiu até a o juiz o mandar sair da REN porque o Estado se habituou a ser refém de tudo e de todos!
Obs: Felicite-se o autor do artigo porque acertou em cheio nas motivações dos actores que aqui assumem um papel de figurantes num filme série Y que já ninguém quer ver ou comprar. De resto, o assessor Lima sempre foi um jornalista medíocre, e quando esteve à frente do DN quase o levou à falência. Hoje, pelos vistos, "ajuda" a desprestigiar a instituição da Presidência da República, mas isso acontece porque o "seu dono" assim o promove neste Portugal dos pequeninos, povoado de imbecis e de idiotas que conquistaram o poder - num país cujo povo vive alienado entre a bola, o consumo e as contas do carro e da casa para pagar, além das viagens ao Brasil, claro...
<< Home