sexta-feira

Espionagem à portuguesa. O contributo de Vieira da Silva para a "intelligence" nacional e a melhoria da Justiça

Quando para a semana o ministro da Economia, Vieira da Silva for ao Parlamento explicar o significado da sua expressão "espionagem política - que aduziu no âmbito do processo Face Oculta, o sucedâneo do Freeport - que já morreu na praia - terá, eventualmente, de retirar alguma carga dramática à expressão, senão mesmo trágica, que alguns candidatos a PM lhe atribuíram. São, provavelmente, os mesmos candidatos que vêm o cadeirão de S. Bento por uma das setes colinas de Lisboa, e vêm mal. Lembro-me que ainda este ano A. Costa foi ao Congresso do PS dizer que queria "partir a espinha" ao BE, e não foi criticado internamente por isso. Antes pelo contrário. Mas o povinho tem a memória curta, curtinha, como convém. Enfim, critérios...

Obviamente que aqui o conceito de "espionagem" não decorre do enquadramento do 11 de Setembro de 2001, que traduziu uma falha de segurança dos serviços de intelligence para prever o que se estava a passar, e foi depois da tragédia é que os budgets militares dispararam, o recrutamentos de homens da informação se intensificou e os conceitos de segurança se (re)sofisticaram um pouco por toda a Europa num mundo instável e crescentemente invisível..

Tal circunstância implicou uma mudança estratégica e cultural na forma como se passou a percepcionar a rede de relações sociais e políticas no domínio planetário.

Ora, no caso Face Oculta - que originou aquela expressão inovadora de Vieira da Silva, que deixou alguns correctores e desvios com aspirações a PM mais nervosos, e com alguns tiques censoriais, o que se pretendeu explicitar foi que existia, na realidade, muita informação que, contudo, as instituições e os operadores judiciais não souberam avaliar, desde logo pelo comportamento lamentável do sr. PGR, Pito Monteiro.

Creio que não é necessário ser hermeneuta para compreender o sentido das palavras de Vieira da Silva, que até convidou a um certo experimentalismo político e teve o mérito de por a justiça a discutir os actos de injustiça de que tem sido geradora na sociedade portuguesa, lamentavelmente.

Vieira da Silva terá, porventura, querido explicitar mais o seguinte através da sua formulação: o excesso de ruído informativo entre o Tribunal de Aveiro, o PGR, o presidente do STJ, Noronha do Nascimento, as fugas cirúrgicas de informação provenientes do interior do processo Face Oculta que chegava a algumas redações de jornais violando, sistemáticamente, o segredo de justiça terá levado, e bem, Vieira da Silva a afirmar o que afirmou. Sem, com isso, nos quisesse remeter para o universo dantesco do 11 de Setembro ou, mais remotamente, para meio século de Guerra Fria - em que a espionagem era o prato do dia que alimentava as Relações Internacionais no mundo pós-Yalta.

Mas isto já não será para a compreensão de qualquer jurista, salvo para aqueles que têm prática de docência e sabem de Direito Internacional (público), História diplomática, Filosofia política e Teoria das organizações internacionais, o que me parece não ser o caso daqueles juristas (de base micro) que censuraram as declarações experimentalistas de Vieira da Silva.

Dito isto, o regresso da espionagem lusa, agora em versão de Vieira da Silva, que aqui glosamos, resulta, no fundo, de a justiça que temos ser miserável, ou seja, não investiga, não apura objectivamente a informação, é laxista e incompetente, e, por tudo isso, gera areia na engrenagem.

E como a justiça em Portugal é uma não-justiça, uma aberração, apesar da separação de poderes, o poder formal da justiça (que não existe, de facto, em Portugal) abriu espaço a que essa sua não existência fosse preenchida pela suspeita, pela intriga, pela inveja e rancor e até pela conspiração de alguns sectores e operadores da justiça contra o PM em funções, José Sócrates.

A "espionagem", pelo menos no sentido em que Vieira da Silva utilizou o conceito, deve ser entendida como uma tarefa interpretativa diante da incompetência crescente da justiça, da imbecilidade de alguns críticos internos ao ministro da Economia.

Consequentemente, o contributo de Vieira da Silva para o debate em torno desta problemática parece ter sido considerável, já que sem o concurso dessa expressão as águas podres não teriam sido agitadas, e, as usual, as narrativas dominantes continuariam a fazer carreira, com as aparências a iludir a normalidade, por natureza confusa.

Numa palavra: a expressão de Vieira da Silva, com excepção de algumas imbecilidades que remetem para o desenho das lutas de poder no interior do PS a médio prazo, contribuíram para que a sociedade portuguesa aumentasse a sua vigilância sobre o ineficaz PGR e a justiça em geral.

Esperemos que daí resulte um grama de sol em prol do bem comum que falava Aristóteles - mas que a injustiça que temos, salvo honrosas excepções, tem sistemáticamente escavacado desde o 25 de Abril.